quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita (Lc 13,24)

Uma reportagem televisiva de uma campanha de saldos de uma loja mostrava-nos há algum tempo uma multidão apertada e esforçada para entrar na dita loja. Bem longe das palavras de Jesus esforçavam-se para entrar por uma porta estreita, por alcançar o produto que tanto desejavam, passando mesmo por cima de alguém que se interpusesse no caminho.
Jesus convida-nos ao mesmo esforço, ao mesmo empenho, embora a passagem não esteja completamente nas nossas mãos, pois é uma graça, uma oferta do amor de Deus e que nos foi alcançada pelo sacrifício de Jesus, pela doação da sua vida. Fomos resgatados por um alto preço.
Neste sentido, o nosso esforço de passagem pela porta estreita, é um esforço no sentido do acolhimento, um esforço no sentido do emagrecimento do nosso egoísmo e do nosso egocentrismo para que a passagem se agilize. O nosso esforço deve ser no sentido da configuração com o formato da porta para por ela passarmos.
E o formato da porta é o próprio Jesus, que se nos apresentou como porta, como caminho, como verdade e como vida. Necessitamos por isso ir trabalhando a forma como acolhemos o dom de Deus, o bilhete de passagem que nos é oferecido em Jesus Cristo. É esse esforço que nos é solicitado.
E inversamente ao que nos foi possibilitado ver pelas imagens da reportagem televisiva, o nosso esforço por passar a porta estreita, por alcançar a felicidade eterna, não pode ser alcançado pelo aniquilamento do outro, pelo seu espezinhamento, mas bem pelo contrário pela cedência do lugar e da vez, pela preferência do outro à nossa vitória.
Como diz Jesus, não é porque comemos ou bebemos com ele, ou porque escutámos os seus ensinamentos, que seremos conhecidos e passados pela porta estreita, mas sim porque não praticámos a iniquidade, ou seja não fomos injustos, não faltámos à verdade do outro, não praticámos a aniquilação do outro. O outro é a chave da porta estreita.
Que o nosso coração acolha o dom de Deus, a passagem que nos oferece em Jesus e a chave do amor aos nossos irmãos, para nos sentarmos todos à sua mesa.

 
Ilustração: Porta Santa na Catedral de Santiago de Compostela.

O papel dos crentes

 
O nosso papel, como crentes, é de levar até ao cabo, de uma forma simples e clara, os caminhos da cruz daqueles que não puderam ir até ao fim pelas suas próprias forças.
Louis Massignon a Paul Claudel

Ilustração: Nuvens douradas de tempestade. Vila Nova de Tazem, 27 de Outubro de 2012.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A alegria interior

 
Saboreio uma plenitude interior inexprimível, sinto-me conhecido, deixo, também eu, docilmente sob o convite divino, crescer em mim os gérmenes novos da oração e da adoração, seguro que um dia, segundo a palavra do Apóstolo que compreende toda a beatitude, conhecerei tal como sou conhecido.
Louis Massignon a Paul Claudel

Ilustração: A alegria do peregrino no rosto do Alexandre, Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Visita da Rainha D. Maria I ao Mosteiro da Batalha em 1786

Em Outubro de 1786, aquando da estância nas Caldas da Rainha a banhos, Dona Maria I e a sua família fizeram um pequeno passeio pela região, visitando os mosteiros de Alcobaça, Batalha, e a fábrica de vidros da Marinha Grande.  
O Infante D. João, mais tarde D. João VI, no dia seguinte à visita escreve desde Alcobaça, onde ficaram alojados, a sua irmã a Infanta D. Mariana Vitória, à data já casada com o Infante D. Gabriel de Bourbon e portanto a residir em Madrid, a contar-lhe o passeio.
É na carta, datada de 16 de Outubro, que encontramos um relato do que o Infante D. João pôde encontrar e apreciar ao visitar o mosteiro da Batalha na véspera, dia 15 de Outubro.
Na medida em que é uma imagem que se pode contrastar com outras que outros visitantes deixaram do mosteiro da Batalha neste mesmo século dezoito, e nos revela a sensibilidade artística do Infante, aqui a apresentamos para divulgação.
 
Ontem, que foi domingo, fomos ao mosteiro da Batalha, que é dos frades domínicos, que me pareceu muito bom. Tem obra de muita delicadeza. A igreja é de uma altura grandíssima e muito comprida. A casa onde está el-Rei Dom João, o primeiro, é coisa magnífica e também o túmulo onde ele está e mais os seus filhos, excepto o seu filho mais velho que está aos pés do altar-mor.
Também fomos ver o túmulo do senhor rei Dom João segundo, que está em um caixão de pau. Abriu-se para o vermos, que nos diziam que estava inteiro, mas não tem carne. É como um couro: a cara é uma caveira com a sua coroa na cabeça. Estava com um vestido comprido de veludo carmesim com casas de ouro e depois fomos ver o claustro, que é excelente, mas não tinha mais nada que ver, porque está imperfeita a obra: até umas capelas que se chamam imperfeitas, que eram destinadas para panteão dos reis, se não acabaram. Pois é uma lástima! Obra a mais delicada que eu tenho visto! E são as coisas que lá há dignas de se ver.[1]
 
Ilustração: Mosteiro da Batalha, Gravura oferta aos Assinantes do Arquivo Pittoresco, 1860.


[1] LÁZARO, Alice – Se saudades matassem… Cartas Íntimas do Infante D. João (VI) para a Irmã (1785-1787). Lisboa, Chiado Editora, 2011, página 395-396.

Oração na aridez

 
Neste momento, a minha oração é árida, a minha contrição está seca. Deve agradar-lhe, sem dúvida, que a minha miséria de pródigo lhe reze. Uma vez que nos manda dizer “Pai”, a reconciliação é certa, e por isso procuro humilhar-me diante deste Pai que fez a graça de nos criar.
Louis Massignon a Paul Claudel

Ilustração: Caminho sob ramadas de videira, Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

domingo, 28 de outubro de 2012

Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho de São Marcos que escutamos é o princípio da última etapa do caminho de Jesus para Jerusalém e por isso nos é dito que Jesus sai de Jericó. Dá-se assim início a uma subida que culminará com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.
Neste contexto não podemos esquecer a situação geográfica de Jericó e o que ela de alguma forma representa simbolicamente neste caminhar para Jerusalém e para o fim que espera Jesus.
Jericó situava-se no caminho que os peregrinos percorriam para subir a Jerusalém e aí participar nas festividades anuais obrigatórias. Jericó é um oásis, um lugar de vegetação luxuriante e frescura, e portanto lugar de repouso antes de se iniciar a última etapa para a cidade santa. Por causa das suas condições climatéricas o rei Herodes tinha construído ali um palácio para si.
Este oásis, como ponto de partida para a última etapa de Jesus, representa também metaforicamente a realidade de tranquilidade de onde aqueles que seguem Jesus partem, de alguma forma as expectativas humanas de uma vida boa, e que irão ser postas à prova em Jerusalém.
Não podemos esquecer, nestas circunstâncias, que Jesus já por três vezes tinha anunciado e avisado os discípulos do fim que o esperava em Jerusalém, e que perante tal aviso os discípulos tinham manifestado as suas expectativas de poder, a sua pouca percepção do que verdadeiramente se perspectivava.
Por esta razão, por esta recusa da eminência do desastre das suas expectativas, não é estranha a atitude dos discípulos face ao cego Bartimeu que encontraram à saída de Jericó. Ao contrário da mulher que os perseguia com o objectivo de obter a cura da filha e pela qual eles intercedem junto de Jesus, aqui não encontramos qualquer condescendência pelo cego Bartimeu, mas uma quase rejeição, um desprezo hipócrita que chega mesmo ao silenciamento.
O cego Bartimeu ao tomar conhecimento da passagem de Jesus apela à sua intervenção, pede ajuda para a sua situação, e fá-lo de uma forma que choca inevitavelmente com as concepções messiânicas mas igualmente com as expectativas dos discípulos. Ao tratar Jesus por Filho de David, Bartimeu está a publicitar e a dar a Jesus um título carregado de poder, de simbólica governativa e libertadora, dentro da linguagem profética, mas igualmente carregado de uma ameaça de sofrimento e de morte.
E é este sofrimento e morte que os discípulos não aceitam nem querem, que os discípulos se recusam a aceitar, e por isso não só não atendem ao pedido de Bartimeu como o procuram silenciar. Afinal Bartimeu estava já profeticamente à frente deles na percepção da vida e missão de Jesus e eles não o podiam compreender.
Em oposição aos discípulos, Jesus conhecedor do que o espera em Jerusalém, escuta o pedido do cego Bartimeu e manda-o chamar até si. Saber o que quer é o mínimo que Jesus pode fazer face àquele que encontra e reconhece nele o Filho de David.    
Neste sentido encontramo-nos perante um contraste tremendo entre Bartimeu e os discípulos, entre aquele que é cego mas consegue ver para além do imediato, das suas esperanças e expectativas, e aqueles que não são cegos mas estão incapacitados de ver devido às suas expectativas egoístas e de poder imediato.
Neste encontro e no milagre que Jesus realiza encontramo-nos também com a operatividade da fé e da oração de súplica, pois como diz Jesus foi a fé que salvou Bartimeu da sua situação de cegueira ao suplicar uma ajuda.
Tal como nos é dito na Epistola aos Hebreus, “todo aquele que é escolhido entre os homens é constituído em favor dos homens e das suas relações com Deus”. Jesus, como o escolhido por excelência, porque Filho de Deus enviado para a salvação dos homens, não pode deixar de se compadecer nem de se constituir como intermediário face aos homens e à sua relação com Deus.
Face a Bartimeu Jesus assume esta condição e missão, acolhendo no pedido da cura o sinal da fé daquele homem, e a partir daquele sinal fundamentando a fé livremente manifestada.
Podemos por isso dizer que a oração de súplica, o pedido de socorro a Deus, é já por si uma manifestação de fé. Uma fé muitas vezes rudimentar, básica, mas que parte da nossa liberdade, da nossa consciência de necessidade, sem as quais não é possível uma intervenção de Deus, uma resposta que leva a uma clarificação, a um aprofundamento.   
Pouco antes deste encontro à saída de Jericó, Jesus tinha dito aos seus discípulos que tudo era possível àquele que acreditava. Bartimeu confirmou estas palavras de Jesus e desafia-nos a cada um de nós na fé e na nossa oração. Podemos estar cegos como Bartimeu, podemos não ver uma solução para as nossas dificuldades e problemas, mas na medida em que na fé vemos Jesus como intercessor junto de Deus Pai, os nossos pedidos e as nossas orações não ficarão sem resposta.
Tendo experimentado a nossa condição humana, o Filho de Deus, não pode deixar de se compadecer das nossas fraquezas e das nossas dificuldades. Recorramos pois com fé e esperança ao Filho de David, Filho do Homem e Filho de Deus.
 
Ilustração: “Cura do cego”, de Duccio di Buoninsegna, National Gallery, Londres.  

O amor de Deus

 
O amor que te tem o Filho, a ti que és criatura, é semelhante àquele que o Pai tem pelo Filho incriado. Ele ama-te, não simplesmente como um pai humano, mas como o Pai eterno ama o Filho eterno. Ele preferiu salvar-te, mais que a criar mundos novos e inocentes.
Paul Claudel a Louis Massignon

Ilustração: Cruzeiro junto ao Santuário de Nossa Senhora da Esclavitude, Caminho Português de Santiago, 6 de Julho de 2012.

sábado, 27 de outubro de 2012

A minha cruz

 
Eu sei bem que a minha cruz, só por si, foi suficiente para me fazer cair muito baixo. É por isso que sofro por mim próprio, por não ter querido renunciar ao meu egoísmo.
Louis Massignon a Paul Claudel
Ilustração: Caminho para subir a outro caminho, Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A resposta da caridade

 
Demos a cada um a caridade que Ele (Deus) nos reclama pela sua criatura. Não é Ele (Deus) que nos chama à ajuda em todas as vozes que se nos dirigem? Nós somos indignos, certamente, mas uma vez que chamados é necessário responder e dar.
Louis Massignon a Paul Claudel

Ilustração: Procurando abrigar-se da chuva que ameaça. Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que faz o monge

 
Não é o hábito que faz o monge, mas é sobretudo, e qualquer que seja a Ordem, a ausência de hábito, a nudez terrível da criatura entre as mãos do Criador, que não tem mais vontade que a sua (de Deus) e que não prefere o meio ao fim.
Paul Claudel a Louis Massignon

Ilustração: Crucifixo chamado de Santa Teresa na igreja do Convento de São Tomás de Ávila.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O caminho do monge

 
Ninguém se faz monge em parte, a meias. Quem se faz monge entra num caminho de perfeição no qual o único fim é a união à vontade de Deus e para o qual a primeira condição é uma perfeita renúncia de si mesmo.
Paul Claudel a Louis Massignon

Ilustração: Ogivas dos arcos do claustro do Convento de São Tomás de Ávila.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sede como homens que esperam o seu senhor voltar (Lc 12,36)

Jesus ao regressar ao seio do Pai prometeu que voltaria e por essa razão não só os primeiros discípulos como as primitivas comunidades viveram numa grande expectativa face a essa vinda. Esperavam a vinda eminente do Senhor, tal como o noivo que regressa do sue banquete de núpcias.
À medida que o tempo foi passando e a promessa de Jesus parecia ficar por cumprir foi-se instalando um certo desconforto, uma certa desconfiança e sobretudo uma grande tentação face ao imediato.
Porquê viver vigilante e expectante quando o Senhor não chega e quando há tantas coisas aliciantes à nossa disposição? Porquê viver na tensão de uma espera, abdicando do que se apresenta para fruir e nos satisfazer?
Nos nossos dias e no nosso mundo, em que prevalece e reina a regra do máximo e do mais rápido, do tudo e já agora de imediato, essa tentação de não aguardar nem vigiar é mais forte que nunca, funcionamos e vivemos como se o Senhor fosse chegar dentro de momentos e tivéssemos que ter tudo feito, tudo gozado, tudo vivido, porque depois já não é possível.
E no entanto, o Senhor aconselha-nos a aguardar com fidelidade, a estar vigilantes, a ser homens que esperam, e portanto homens e mulheres que sabem que a sua realização não se concretiza num momento nem numa experiência, que um crescimento e um caminhar são imprescindíveis.
Vivemos na tensão da realidade, mas numa tensão de vigilância e espera, numa tensão de crescimento, porque não sabemos a que hora chega o Senhor. Contudo, mais importante que a hora da chegada são os preparativos para o seu acolhimento, para a recepção daquele que vem para amar.
Podemos fazer uma ideia desta experiência na medida em que sabemos como nos alegramos e como preparamos as nossas casas e as nossas mesas para os amigos que vêem para jantar, como queremos que tudo esteja para que eles se sintam bem, felizes connosco.
Face a esta experiência como não preparar com cuidado a vinda daquele que nos ama, daquele que pode dar sentido a tudo o que fazemos, experimentamos, construímos, ou sofremos, na medida em que o fazemos com amor e por amor, na expectativa da sua vinda?
Não se trata de uma condenação, nem de uma privação, não temos que deixar de fruir e viver as várias realidades do nosso ser humano e histórico, as nossas circunstâncias vitais, trata-se de as viver com amor, com a consciência que são para o nosso crescimento e maturidade, são para fazer frutificar os dons e as qualidades com que fomos dotados.
Sabemos que o Senhor, ainda que não saibamos nem a hora nem o dia, e sabemos também que vem por amor e com amor. Procuremos por isso preparar a sua vinda com amor.
Ilustração: “As virgens loucas e sensatas”, de Eleanor Fortescue Brickdale.  

A arte aspira a Deus

 
É na arte que, para o homem, reside uma alusão ao divino, ao paraíso celeste, e por isso a arte é superior a tudo. Sem ela, o homem é incapaz de erguer-se do chão e de criar os sons divinos da serenidade, porque é para a serenidade e apaziguamento de todos que a alta criação da arte desce ao mundo. A arte não pode instalar a revolta na alma, mas deve aspirar eternamente a Deus, como uma oração.
Nicolau Gogol
Ilustração: Pormenor do rendilhado da pedra no claustro do Convento de São Tomás de Ávila.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Poderei dizer a mim mesmo (Lc 12,19)

A parábola que Jesus conta sobre a avareza é verdadeiramente impressionante, pois o homem cuja colheita foi abundante não tem culpa disso e o mais natural é que aumente os seus celeiros para poder recolher a produção.
No âmbito da cultura semita a produção, e uma excelente produção, era uma manifestação da bênção de Deus. Os rebanhos que se multiplicavam, os frutos que cresciam, os negócios que prosperavam eram um sinal da presença de Deus, da sua protecção e auxílio, um sinal também da fidelidade dessa mesma pessoa a Deus.
Contudo, tudo isto, a bênção de Deus, torna-se condenação quando como o homem da parábola não há o reconhecimento do outro, que pode precisar e com quem podemos partilhar.
A bênção de Deus é sempre um dom e um meio para a frutificação, para a realização da salvação do outro e com o outro. Não podemos por isso encerrar-nos na nossa individualidade, no nosso egoísmo, assumindo o outro num duplo de nós próprios com quem falamos como fala o homem da parábola.
Não poderemos dizer a nós próprios, como acontece na parábola, porque a bênção de Deus, os dons e as riquezas, são para dizer ao outro, para manifestar ao outro a graça e o amor de Deus, para o despertar para essa bênção se tal for necessário.
Por isso a grande questão na hora da morte, para quem serão os bens que acumulastes? Porque não te enriquecestes aos olhos de Deus enriquecendo os teus irmãos, partilhando com eles a mesma bênção que tinhas recebido?
Afinal, é esse o fim de todos os dons de Deus, de todas as riquezas materiais ou espirituais que nos chegam, servirem de meio e possibilidade para o encontro dos outros com Deus que abençoa e enriquece.
Devemos por isso aproveitar todas as oportunidades, todas as realidades, todos os nossos dons e bênçãos, para proporcionar o encontro e a multiplicação da bênção de Deus. Somos instrumentos, pontes, caminhos que devem levar a Deus, e a bênção de Deus é o sinal do sentido obrigatório a seguir.
 
Ilustração: “Homem comendo num campo”, de David Gilmour Blythe, Museu de Arte de Pittsburgh, Pensilvânia.

Os dons de Deus no teu caminho

 
O teu caminho é puro, não te desvies dele. Tens talento, e o talento é um dom preciosíssimo de Deus, não o deixes perecer. Estuda, investiga tudo o que vês, domina tudo com o teu pincel, mas aprende a encontrar em tudo uma ideia profunda e, antes de mais, tenta compreender o alto mistério da criação.
Nicolau Gogol
Ilustração: Peregrinos a caminho de Caldas de Rei, Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

domingo, 21 de outubro de 2012

Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum

Ao terminar a leitura do Evangelho deste domingo não podemos deixar de reconhecer que nos encontramos divididos, que vivemos uma espécie de esquizofrenia que deriva do nosso desejo de poder e da proposta contrária de Jesus.
De alguma forma estamos predominantemente incluídos no grupo dos discípulos que criticam Tiago e João pelo seu pedido de participação na glória de Jesus, mas tal acontece porque nos falta a ousadia e a coragem de manifestar o nosso desejo.
As várias circunstâncias da nossa vida vão-nos manifestando e dando consciência da nossa propensão para o poder, para a autoridade e para a glória. Há um desejo em nós de fazer, de construir, de fazer melhor que os outros, mais que os outros, de uma forma diferente dos outros.
Contudo, e também temos bastante consciência disso como cristãos, o nosso desejo fica frequentemente muito limitado ao material, ao imediato, à imagem e à opinião que os outros poderão formular de nós e do que fazemos. Vivemos centrados em nós e na ansiedade da satisfação das nossas expectativas ou do que os outros poderão julgar.
Por causa deste desejo natural que nos habita, Jesus não recriminou nem condenou o pedido de Tiago e João, mas reencaminhou-o, dirigiu-o, para o verdadeiro objectivo do desejo, para as realidades que devem nortear o nosso desejo, questionando-os sobre o cálice que é necessário beber.
E é aqui que soçobra o nosso desejo, porque de facto aspiramos à glória, aspiramos ao reino dos céus, mas depois falta-nos a ousadia de dar a vida por ele, de nos entregarmos plenamente à satisfação dessa aspiração. Vivemos como que a meias, coabitamos entre o eterno e o momentâneo, num pacto convivência pacífica ou nem tanto.
Tal acontece porque certamente é possível que não possa ser de outra maneira, pois não somos puros seres espirituais, não somos anjos, somos homens e mulheres, seres limitados e finitos, uma obra de Deus que transporta em si um tesouro incomensurável mas do qual apenas vislumbramos os reflexos provocados pela luz do sol da graça.
Nestas circunstâncias e perante esta realidade a proposta de Jesus para o usufruto de todo o tesouro, da glória a que aspiramos, passa por uma escavação, por um processo de implosão, se assim podemos falar, para que possa vir à luz uma nova realidade de que os reflexos do tesouro nos dão uma imagem.
A proposta de Jesus aos discípulos e a cada um de nós no sentido do serviço aos irmãos, da humildade e da simplicidade, da pequenez, é afinal a proposta à abertura e ao acolhimento de uma realidade que nos é conatural, pois a ela estamos destinados desde a criação, à satisfação plena do desejo de glória que nos habita.
A nossa condição finita, as nossas limitações e os desvios para a satisfação dessa sede e fome de glória, de felicidade, exigem que haja um trabalho constante, uma atenção e uma vigilância para que tal possa acontecer.
Como nos diz o profeta Isaías é necessário carregar com o sofrimento, oferecer a vida, para que se possa alcançar a luz e ficar saciado com a sabedoria e poder gozar do tesouro que nos pertence. Processo duro, tantas vezes obscuro, e ao qual Jesus chama beber a taça que ele mesmo bebeu, ou seja, entrar na dinâmica da obediência e entrega de vida para libertação dos outros.
E para não soçobrarmos neste processo, para que o serviço possa de facto ser vivido na sua radicalidade e sirva de redenção para outros, a Epístola aos Hebreus fortalece-nos na nossa confiança e na nossa esperança. Nós temos alguém que se compadeceu de nós, das nossas fraquezas, que experimentou a nossa realidade humana e por isso só podemos caminhar com confiança no seu auxílio oportuno.
Esta confiança do auxílio oportuno é extremamente importante neste dia em que celebramos também o Dia Mundial das Missões, que não são tarefa de apenas alguns especializados ou mandatados. Não podemos esquecer que a padroeira das missões da Igreja é Santa Teresa do Menino Jesus, uma religiosa que nunca saiu da clausura do seu mosteiro carmelita.
A missão evangelizadora é assim uma missão de todos os baptizados, encontrem-se em que circunstâncias se encontrem. E perante as dificuldades, os perigos, a incerteza e a dúvida sobre como anunciar, não podemos ter outra base nem outra garantia senão a do auxílio oportuno do Senhor.
É a confiança e a esperança desta presença e desta força do Senhor que de facto nos pode ajudar a beber o cálice da obediência e da entrega da vida para a libertação de todos os homens e mulheres.
Procuremos pois, aspirar à glória a que estamos destinados, aos lugares do reino da eternidade, confiantes que no caminhar e no trabalhar para esse objectivo, perante as dificuldades, a força e o Espirito do Senhor nos acompanha, ilumina e fortalece. Tenhamos a ousadia do desejo que conduziu Tiago e João e ultrapassemos a indignação e o medo que tantas vezes nos provoca esse mesmo desejo.
 
Ilustração: Pormenor com figuras eclesiásticas da chegada dos portugueses ao Japão, Biombo Nanbam.   

  

   

A santidade e o serviço a Deus

 
Eu bem sei que é pela santidade que servimos a Deus, mais que por qualquer talento ou pela ciência humana. Mas enfim, cada um faz o que pode e usa o que tem.
Paul Claudel em carta a Louis Massignon.

Ilustração: Rosa branca do jardim da casa dos meus pais.

sábado, 20 de outubro de 2012

O caminho da vida religiosa

 
Ao fazer Profissão (Religiosa) aventura-se num outro caminho que não é aquele que inicialmente acreditava ser o seu. Agora trata-se de seguir esta nova via de maneira consequente. Não é fácil, uma vez que não é um caminho sinalizado.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Caminho Romano depois da ponte sobre o Rio Ponte Nova, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tarefa de todos da casa

 
Acredito apenas que numa casa religiosa não pode nunca ser tarefa de um individuo assegurar pessoalmente uma maneira de fazer mais perfeita, é de cada vez uma tarefa da casa. Devemos querer para toda a comunidade uma maneira de fazer que se afigure mais desejável, rezar por esse objectivo, e, desde que se seja chamado aos cargos, procurar colocá-la em acção.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Partida de Pontevedra em manhã de chuva, Caminho Português de Santiago, 4 de Julho de 2012.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A vontade de Deus

 
Estou bastante céptica face à minha própria actividade filosófica. Para ser franca, tento todos os dias “até que haja algo de novo”, e estou pronta em qualquer momento a deixá-la inteiramente se uma outra porta se abre diante de mim. Mas enquanto a vontade de Deus não é clara, enfrento com total alegria o paradoxo da minha existência actual.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Ponte metálica sobre as ruinas da ponte romana sobre o Rio de Ponte Nova, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A misericórdia de Deus

 
Duvidar da misericórdia sem fronteiras de Deus não será abandonar o coração do cristianismo? A misericórdia de Deus não falta nunca se os homens não fecharem eles próprios as suas almas.
Malvine Husserl em carta a Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein
Ilustração: Rio de Ponte Nova, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Oração pelo coração

 
De todas as coisas terrenas e perecíveis o Senhor só nos mandou rezar pelo pão de cada dia: “Dai-nos o pão nosso de cada dia!”
Não é para receber uma encomenda que devemos rezar, ou para conseguir uma dose extra de sopa. Aquilo que é elevado para os homens é vil aos olhos de Deus! Deve-se rezar com o espirito para que o Senhor arranque do nosso coração o peso do mal.
Aleksandre Soljenitsin, Um dia na vida de Ivan Deníssovitch.

Ilustração: Paragem para retemperar as forças junto ao cruzeiro da Rua de Francos, Caminho Português de Santiago, 6 de Julho de 2012.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Nenhum sinal lhes será dado senão o sinal de Jonas. (Lc 11,29)

É extremamente fácil pedir uma prova, pedir um sinal, tal como faz a multidão a Jesus para que possa acreditar nele.
Um sinal é algo externo, uma convenção que tacitamente é aceite pelas duas partes e nessa medida se torna garantia de verdade e de confiança.
O sinal, ou a prova, é por outro lado uma certa passividade, uma abdicação da nossa responsabilidade, do risco de ir mais além, é uma barreira ao confronto com o desconhecido ou o imprevisto.
Talvez por isso, por essa abdicação da responsabilidade, Jesus se recusa a apresentar qualquer sinal à multidão, talvez porque o sinal é ele próprio e portanto não se pode exteriorizar, não se pode transferir a outra realidade convencionada.
Jesus é pessoa, é a possibilidade de relação, alguém que se oferece e se faz caminho para o Pai e para a felicidade prometida desde a criação. Jesus é nesta medida um anti sinal, pois tal como aconteceu com Jonas, é necessário acreditar nele para perceber e ver o que ele diz e o que ele significa.
Jesus não permite a exterioridade, não permite a convenção, mas bem pelo contrário exige o arrependimento e a conversão, a adequação àquilo que ele é, à sua pessoa, e é nesta adequação e adesão que acontece a significatividade.
É pela vida que dá de forma abundante e livre, pela possibilidade de transformação da nossa vida com a sua aceitação, que Jesus se torna sinal, um sinal vivo e vivificante. Necessitamos por isso acolhê-la com confiança para conseguir interpretar o sinal que nos é oferecido.
 
Ilustração: “Profeta Jonas”, Miguel Ângelo, Capela Sistina, Vaticano.

Oração insistente

 
Ivan Deníssovitch, bem vê que a sua alma pede para rezar a Deus. Porque não lhe dá liberdade?
Porque as orações, Aliocha, são como os requerimentos, ou não chegam ou levam o carimbo de queixa rejeitada.
Isso, Ivan Deníssovitch, é porque você rezou pouco, mal, sem fervor, e por isso as suas orações não se cumprem. A oração deve ser insistente!
Aleksandre Soljenitsin, Um dia na vida de Ivan Deníssovitch.
Ilustração: Capela de Santa Marta em Bertola, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

domingo, 14 de outubro de 2012

Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum

Todos nós conhecemos esta história do homem rico que se aproxima de Jesus e depois se afasta pesaroso porque tinha muitos bens. Todos nós nos surpreendemos, tal como os discípulos, face às palavras de Jesus, de que é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos Céus. E todos compreendemos o desabafo de Pedro quando comenta que eles deixaram tudo por Jesus. Afinal o que os espera, qual a recompensa?
A resposta de Jesus a Pedro, e a cada um de nós, não deixa de ser um paradoxo, um aparente absurdo face àquilo que está em questão; porque se estamos a falar de pobreza, de despojamento, de deixar pai, mãe, terras e irmãos, como se pode receber cem vezes mais disso mesmo em recompensa? Que lógica encerra esta economia em que o processo de empobrecimento conduz a uma maior riqueza?
Este texto tem sido frequentemente utilizado para ilustrar a radicalidade das vocações consagradas, sacerdotais e religiosas, mas não podemos deixar de assumir que ele é muito mais abrangente e se dirige a todos os discípulos de Jesus, a todos os homens e mulheres. Não estamos assim perante duas vias possíveis de acesso, mas sobre uma única mesma via para todos os homens e mulheres.
O que está em causa neste texto é afinal a única vocação, a vocação à vida eterna, à santidade de Deus a que todos somos chamados, solteiros e casados, consagrados e viúvos, e que desastrosamente pode ser inviabilizada pelo nosso orgulho.
Neste sentido, temos que voltar ao homem que vem ter com Jesus e se ajoelha para perguntar como pode alcançar a vida eterna. É um homem impelido por bons desejos, um homem que é capaz de, na sua busca, se ajoelhar perante o Mestre, é um judeu verdadeiramente cumpridor da lei, pois face ao enunciado dos mandamentos da lei tudo diz que tem cumprido.
Perante este homem e esta realidade Jesus não pode deixar de olhar com simpatia, com carinho, pois este homem está no bom caminho. Contudo, falta-lhe ainda fazer uma coisa, certamente a última coisa, e que é desprender-se dos seus bens e seguir Jesus.
Desafio radical para este homem, pois nele subjaz uma passagem da lei da Antiga Aliança para a lei da Nova Aliança, a passagem de uma relação com um Deus que se mantem invisível no Santo dos Santos para uma relação com um Deus que se fez homem e assume a fragilidade humana.
Desafio radical também para cada um de nós, não só porque estamos implicados nesta relação com um Deus que se fez homem como nós, excepto no pecado, mas porque igualmente nos convida a desprendermo-nos do nosso orgulho, da vaidade do nosso cumprimento exacto dos mandamentos.  
O convite de Jesus ao homem rico a vender todos os bens e a segui-lo é assim um convite a todos e cada um de nós no sentido do desprendimento, da pobreza humilde, do esvaziamento de que fala o dominicano Eckhart, para que Deus nos possa enriquecer com os seus dons, para que a sua graça possa actuar connosco.
E por isso o paradoxo da resposta dada por Jesus a Pedro, quando este afirma que tudo tinham deixado para seguir Jesus. De facto, necessitavam deixar tudo, necessitavam libertar-se das suas pretensões, das suas ideias e sonhos de glória, da convicção das suas próprias forças humanas para que pudessem verdadeiramente seguir Jesus. Se fossem capazes de o fazer teriam as mesmas coisas, até multiplicadas ao cêntuplo, mas não seriam suas, seriam dom de Deus, seriam oportunidades e meios para alcançar a verdadeira riqueza que é a vida eterna.
É esta afinal a economia do empobrecimento para o enriquecimento, é esta afinal a economia do próprio mistério de encarnação que somos solicitados a viver e a assumir de novo, deixar de ser ou ter para poder ser e ter em Deus, na vontade de Deus.
Diante deste processo, desta economia, as palavras do livro da Sabedoria assumem o seu radical e total sentido, ou seja, face à sabedoria divina que se nos manifesta na sua vontade, tudo perde o seu valor e adquire um outro valor maior.
Contudo, para que tal aconteça, para que este processo de desprendimento e empobrecimento possa ser realizado com sentido, de maneira a ser frutuoso, não podemos deixar de o realizar à luz da Palavra de Deus, porque como nos diz a Epístola aos Hebreus, a Palavra de Deus é penetrante até à medula, é viva e eficaz, e portanto só ela nos pode vivificar e tornar eficientes neste processo de transformação e enriquecimento aos olhos de Deus.
Peçamos ao Senhor a luz da Sabedoria para o podermos seguir com a nossa pobreza e ricos da sua graça e do seu amor.
 
Ilustração: “Um Louco de Deus”, de Pavel Svedomskiy, Museus da Russia.
 

A principal preocupação

 
A tua principal preocupação deve ser manter a união com o Salvador. Eu sei bem pela minha experiência pessoal que não é fácil não olhar à direita nem à esquerda. Mas uma vez que sabemos qual é a nossa tarefa e que nos esforçamos todos os dias em manter o olhar direito, como a agulha de um compasso, é já muito.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein
Ilustração: Peregrinos a caminho do Lugar da Ponte Nova, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

sábado, 13 de outubro de 2012

Felizes os que escutam a Palavra e a põem em prática (Lc 11,28

É uma mulher que do meio da multidão elogia a mãe de Jesus, colocando a sua grandeza e felicidade na maternidade, no facto de ter dado à luz e amamentado um filho tão especial.
É um elogio que podemos dizer que fica bem, porque como diz o povo “quem meu filho beija minha boca adoça”. Neste caso os polos invertem-se e é a mãe que é beijada pelo elogio para ser adoçado o filho.
Jesus não precisa destes subterfúgios para fazer o bem e sabe também que a grandeza daquela que lhe deu a vida não está na maternidade mas no acolhimento da proposta de Deus de participar com a sua maternidade no projecto de salvação.
A grandeza de Maria radica no acolhimento da Palavra de Deus, no convite feito pelo anjo Gabriel para ser mãe do Salvador, com tudo o que isso implicava de desconhecido, de risco, de um futuro insuspeito.
Foi esse acolhimento, essa aceitação, que lhe permitiu ser mãe, que lhe permitiu que o Verbo se gerasse no seu seio e o pudesse amamentar depois de nascer. Foi esse acolhimento que lhe permitiu enfrentar todos os desafios e situações que derivaram desse mesmo nascimento, como a fuga para o Egipto ou a perda do menino em Jerusalém.
Também a nós, a cada um de nós, é feito o mesmo convite, é oferecida a mesma oportunidade. Também nós podemos gerar o Verbo e alimentá-lo na nossa carne. Todos estamos chamados e convidados a essa felicidade, a poder realizar a maternidade ou a paternidade da Palavra de Deus.
E em verdade, cada um pode e tem a sua maneira pessoal de a realizar. A Palavra não se copia em cada um de nós, não é o fruto de um processo de clonagem, mas incarna-se verdadeiramente assumindo a realidade da nossa própria humanidade e da história que vivemos. A Palavra faz-se Verbo em cada um de nós.
Para tal necessitamos dispor-nos a isso, acolhê-la na nossa vida e tal como diz Jesus, guardá-la na nossa vida nesses pequenos gestos do quotidiano que a fazem carne e a fazem vivente, que a fazem incarnação aqui e agora.
Apesar de todas as nossas interrogações e fragilidades, da nossa pequenez e descuidos, que saibamos como Maria dizer sim, que se faça em nós a tua Palavra.
Ilustração: “Virgem com o menino”, Fresco de Pinturicchio, Capela do Bispo de Eroli, Catedral de Spoleto.

A sabedoria a aprender

 
Consentir na nossa própria impotência e pobreza e abandonar-nos ao amor todo-poderoso com uma confiança cada vez maior é a grande sabedoria que devemos todos os dias aprender de novo e aprofundar sem cessar.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Flor do maracujá na casa dos meus pais.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Sobre o Espirito Santo

 
O conhecimento e a ascese, que o Espirito Santo infunde, não são certamente, e de nenhuma forma, uma maneira de se comprazer em si próprio.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Ribeiro da Ponte Nova, Caminho Português de Santiago, 3 de Julho de 2012.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O amigo do meio da noite (Lc 11,5)

Poderá a história de um amigo impertinente suscitar a atenção? Se tivermos em conta a parábola de Jesus que encontramos no Evangelho de São Lucas parece que sim, pois Jesus serve-se da inoportunidade de um amigo para falar da oração, da força da oração.
Assim, por causa de um amigo que chega sem avisar, um homem vai a casa de outro amigo e sem qualquer preocupação com a hora adiantada da noite coloca em alvoroço toda a família para poder obter três pães para alimentar o amigo que tinha chegado. À delicadeza e à atenção para com um opõe-se a indelicadeza e a impertinência para com o outro.
Não podemos deixar de nos interrogar sobre este amigo que chega, sobre a sua dignidade para provocar tal alarido e tal esforço. Não é nada mais que o próprio Deus, e aquele que bate à porta e incomoda o seu amigo que já dorme é o Espirito Santo.
Àquele que se dispõe a acolhê-lo, que o procura ou procura a sua ajuda, a cada um de nós, Deus envia o seu Espirito, o amigo inoportuno e impertinente. É ele que tem a missão de nos despertar da nossa sonolência e solicitar os pães do nosso trabalho e da nossa casa, é ele que prepara o acolhimento para aquele que vem e não deixará de vir.
Neste sentido, não podemos deixar de atender à porta, não podemos deixar de atender aos seus rogos, à sua inspiração, à luz que nos oferece na noite da nossa fé. O Espirito está em vigilância e desperta-nos para nos colocar igualmente vigilantes e acolhedores face Àquele que vem.
Saibamos nós ouvir a sua chamada à porta do nosso coração e disponibilizar o pão da nossa fé, da nossa esperança e da nossa caridade para celebrarmos todos juntos o banquete da sua amizade.
 
Ilustração: “O astrónomo”, de Gerard Dou, Museu de Lakenhal, Holanda.

Para que a vida seja possivel

 
No que diz respeito ao mysterium caritatis e ao mysterium iniquitatis, se o amor, apesar de tudo, não contar mais, mesmo entre nós, a nossa vida conjunta não será de todo possível.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein

Ilustração: Rosas do jardim de casa dos meus pais.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Senhor ensina-nos a orar. (Lc 11,1)

Como já tinha feito outras vezes, Jesus retirou-se sozinho para rezar ao Pai. Durante algum tempo assim se manteve e os discípulos puderam apreciar o momento e questionar-se sobre o que rezava, como rezava.
Um deles, mais afoito que os outros, não teve vergonha e ao ver regressar Jesus pede-lhe que os ensine a rezar, e como que desculpando-se pela ousadia diz-lhe que também João Baptista tinha ensinado os seus discípulos a orar.  
À luz da missão de Jesus e da missão que Jesus apresentava aos discípulos, até mesmo à luz das suas expectativas mais humanas e mundanas de poder e governo, não deixa de ser inusitado este pedido.
Afinal não tinham eles muito mais que fazer, não tinham muito mais com que se preocupar? O próprio Jesus não tinha tanta gente à sua espera, tantos doentes que esperavam uma cura? Porquê desperdiçar o tempo em oração, deixar aqueles homens e mulheres à espera?
O pedido do discípulo não é contudo descabido nem está equivocado, porque aquilo que pede é fundamental, é ponto de partida e ponto de chegada, é possibilidade de força para todas as outras coisas que há para fazer, mesmo para aquelas que estão marcadas pela mundanidade.
Senhor ensina-nos a rezar, ensina-nos a perder o nosso tempo, o nosso tempo tão precioso e tão ocupado, para que possamos apreciar verdadeiramente o seu valor e as suas potencialidades. Senhor ensina-nos a graça e o valor da gratuidade, do dom sem retorno e sem recompensa, que a oração nos proporciona. Senhor ensina-nos o amor que a oração nos aporta.
“É o tempo perdido com a tua rosa que faz a tua rosa importante”, diz a raposa ao Principezinho. É o tempo perdido com a nossa oração que faz o nosso tempo importante. O tempo considerado desperdiçado é afinal a experiência do dom gratuito do tempo e do seu valor eterno.
Necessitamos por isso de ter a coragem de perder o nosso tempo, de nos dispormos a esse desperdício que apenas nos enriquece e faz apreciar o verdadeiro valor de todas as coisas nesse clamar a Deus como Pai-Nosso.
 
Ilustração: “Oração de Jesus no Horto”, de Tiziano, Mosteiro de São Lourenço do Escorial, Espanha.