Celebramos a
Solenidade de Cristo Rei, último domingo do ano litúrgico, mas ao fazê-lo somos
convidados a olhar o início, o acontecimento que dentro de uma semana
começaremos a preparar com o Advento.
No final do ciclo
litúrgico contemplamos o Rei da Glória, um Rei que nos foi apresentado no
início do ciclo litúrgico deitado numa manjedoura, pobre e indefeso, exposto e
oferecido a todos os homens capazes de baixar o olhar até ele.
Contudo, já nessa
pobreza e simplicidade o anjo Gabriel nos anunciava a grandeza e realeza desse
menino, a glória que hoje celebramos, pois no anúncio da concepção divina, é
dito a Maria que este menino será grande e que o seu reinado não terá fim.
Ao longo do ano, nas
diversas leituras e festas, esta realeza foi sendo iluminada, apresentada aos
nossos olhos, ainda que não do modo grandioso como aspiramos na nossa condição
humana, mas bem pelo contrário de uma forma completamente subversiva e
revolucionária, pois se os senhores do mundo se servem e exploram os outros, no
reino de Jesus tal não deve acontecer, entre os seus discípulos e filhos não
deve ser assim.
Neste sentido, e como
não podia deixar de ser após um ano de preparação, as leituras desta Solenidade
colocam-nos face à extraordinária realeza que Jesus vive e que nos oferece a
cada um de nós, pois pelo baptismo somos profetas, sacerdotes e reis com ele e
nele.
A imagem do rei que é
pastor, que nos apresentava o profeta Ezequiel, é assim desde logo uma imagem
bastante sugestiva, uma vez que nos mostra a solicitude e a ternura deste rei.
É uma imagem que se opõe à concepção e imagens que nos são dadas por aqueles
que vivem nos centros de poder e nos palácios de governação.
O rei que é pastor é
alguém que é próximo, que não só está no meio do povo, do seu rebanho, mas que
se compromete com ele, que tem uma acção directa no sentido da sua protecção e
desenvolvimento. É um rei que não foge quando o rebanho é atacado, que não é
cobarde, mas que está presente e defende, e é capaz de dar a sua própria vida
pela salvação e bem-estar do seu rebanho.
Este rei pastor
manifesta a sua realeza suprema nessa capacidade de dom, de entrega, de dar a
sua vida pelo rebanho e pelo povo, manifesta a sua realeza suprema no amor que
tem pelos seus, pois sabe que o amor não pode morrer, que nada vencerá o amor,
tal como é cantado pela amada no Cântico dos Cânticos.
E Jesus encarnou este
amor e manifestou a sua realeza gloriosa não só quando veio habitar entre os
homens, quando se fez homem como os homens excepto no pecado, mas sobretudo
quando se ofereceu ao Pai em sacrifício por todos os homens seus irmãos, para
os poder resgatar do poder da morte. Por esta razão a Igreja desde sempre canta
a cruz como o grande trono de glória de Jesus Cristo, como o lugar por
excelência da manifestação da realeza de Jesus.
Mas se esta glória é
manifestada, se Jesus assume algum poder executivo, usando linguagem do mundo,
não é para exaltação pessoal, mas bem pelo contrário, e como nos diz a leitura
da Carta de São Paulo aos Coríntios, para que depois de aniquilada toda a
soberania, autoridade e poder, tudo seja entregue ao Pai.
O Filho que é Jesus
está assim em missão e é na realização dessa missão que manifesta a sua
realeza, pela fidelidade e pela entrega da sua vontade à plena realização do
plano e da vontade do Pai. É no serviço ao Pai que Jesus se manifesta como rei
e manifesta o seu poder real.
Neste sentido a nossa
participação na sua realeza, a manifestação da nossa condição real e divina,
passa pelo serviço, e tal como nos apresenta o Evangelho, por um serviço que
não nos ultrapassa e do qual não nos podemos escusar nem desculpar, pois
compõe-se de tarefas tão simples como dar um copo de água, ou visitar outra
pessoa que necessita.
Pela leitura do
Evangelho, e diante do julgamento a que todos seremos sujeitos no fim dos
tempos como o Evangelho nos apresenta, percebemos que o critério utilizado para
a participação na glória do Reino não é a proclamação da fé, o dizer “Senhor,
Senhor”, mas o exercício dessa fé em obras de caridade, em obras que manifestam
a habitação do divino em nós e entre nós.
E uma vez mais somos
obrigados a olhar para o menino da manjedoura, imagem dos sem poder e sem voz,
dos indefesos e necessitados, dos pequeninos de que nos fala o Evangelho e nos
quais o Senhor se nos apresenta e desafia no acolhimento e no amor, no
desenvolvimento da nossa realeza.
Ao terminarmos um ano
litúrgico, ao contemplarmos como a realeza e a glória de Jesus acontece no
serviço, na entrega aos mais frágeis, aos homens que somos pecadores, procuremos
desenvolver gestos e palavras que nos coloquem verdadeiramente na senda do
nosso Salvador, procuremos fazer-nos pequenos para acolher o dom que o Senhor
nos faz e na alegria do dom recebido partilhá-lo com os nossos outros irmãos.
1 – “O Filho de Deus”, de Viktor Vasnetsov, Catedral de São Vladimir, Kiev.
2 – “Jesus com uma família de camponeses”, de Fritz von Uhde.