sábado, 31 de maio de 2014

O encontro capacita para o outro

 
Eu não posso apreender o outro por mim próprio, mas pelo outro, num acontecimento, nesse encontro que com o outro cria a capacidade de o receber na sua alteridade.
Fabrice Hadjadj, Le paradis à la porte, 272.

Ilustração: Grupo de alunos Maristas num momento de descanso na Peregrinação a Fátima a pé.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Apenas o melhor

 
Há um outro perigo que conduz os seduzidos ao bordo do precipício, que é colocar nos primeiros dias da história amorosa a barra a média altura. É criminoso para os nossos desejos de infinito! Neste domínio, e sem nenhuma reticência, devíamos seguir Oscar Wilde quando ele escreve no seu dandismo: “Tenho gostos muito simples, contento-me com o melhor”.
Michel-Marie Zanotti-Sorkine, L’Amour, 58.

Ilustração: Rio Nabão junto à Ermida da Senhora da Lapa, perto de Além da Ribeira, Tomar.  

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Degustar o amor

 
Ter prazer não é amar, ainda que amar necessite de ter prazer. Aí está a grande prova! Por conseguinte, diferir o acto carnal é uma sabedoria primária a que aferrar-se. Hoje deixou de ser ensinado, e é verdadeiramente um desastre, que começando pela sobremesa, deixamos apodrecer as entradas cuja função é abrir o apetite!
Michel-Marie Zanotti-Sorkine, L’Amour, 60.

Ilustração: Grupo de alunos Marista durante o almoço na caminhada a Fátima a pé.   

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Esperar é uma arte

 
Esperar é uma arte reservada a uma elite que existe por ter sido advertida para tal. Hoje poucos adultos esclarecem, e o nosso tempo não acredita mais, sobre o benefício da lenta edificação.
Michel-Marie Zanotti-Sorkine, L’Amour, 43.
Ilustração: Grupo de alunos Maristas em espera na caminhada a Fátima a pé.

terça-feira, 27 de maio de 2014

O que a benevolência vê

 
A benevolência nunca provoca a pressão, porque no grão ou no rebento frágil ela vê já a árvore em floração.
Lytta Basset

Ilustração: Campo de papoilas na berma do caminho da Peregrinação dos Alunos do Externato Marista de Lisboa.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A benevolência

 
A benevolência é o que resta da nossa marca de fabrico divino: nós podemos ousar a relação com o Outro e com os outros.
Lytta Basset

Ilustração: Alunos do Externato Marista de Lisboa em Peregrinação a pé a Fátima.

domingo, 25 de maio de 2014

Como Jesus nos vê

 
Quando Jesus mergulha o seu olhar numa pessoa como o jovem rico ou como Zaqueu, acima das suas disfunções, ele vê-os como capazes do Outro.
Lytta Basset
 
Ilustração: Rosas bravas dos campos perto de Tomar.

sábado, 24 de maio de 2014

Renúncias que pacificam

 
Renunciei a querer separar o bom grão da cizânia, a distinguir o sofrimento por um lado e a alegria por outro. Ambos fazem parte da vida. Aceitei recebê-los na sua amálgama íntima e isso pacificou-me incrivelmente.
Véronique Dufief

Ilustração: Camélias e magnólias em flor nos jardins do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios em Lamego.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

O estudo é expressão directa

 
O judaísmo recorda-nos que o estudo representa uma expressão muito directa do amor que manifestamos a Deus, amor que deverá provocar-nos a procurá-lo não só no rosto de Cristo e dos nossos irmãos, mas também nesta Palavra que é um outro aspecto do seu Verbo.
Katell Berthelot

Ilustração: Biblioteca do Convento de Mafra.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O amor exige esforço

 
A leitura da Bíblia é por vezes austera e desconcertante, e desafia-nos a sair das nossas trincheiras. Mas quem é que disse que o amor não exige esforço?
Katell Berthelot

Ilustração: Jardim de Serralves com sol outonal.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Respeitar a justa distância

 
Alimentar a sua interioridade é aprender também a respeitar uma justa distância na nossa relação com os outros, quer seja na esfera familiar, no casal, no círculo de amigos ou no mundo profissional.
Agnes Chareton

Ilustração: Jardim de Serralves.

terça-feira, 20 de maio de 2014

A construção humana

 
Toda a construção humana está fundada na partilha. Assim, a primeira fonte de equilíbrio vem do que a criança recebe dos seus pais: o amor, a atenção, os cuidados. E por isso o seu primeiro sentimento é um sentimento de gratidão.
Geneviève de Taisne, Psicanalista

Ilustração: Vitral com Santa Ana na igreja paroquial de Vernier, Genebra.

 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Uma necessidade constante

 
Nós temos em nós uma necessidade de reparação e um desejo de fazer as pessoas felizes que se cruzam com o sentimento de responsabilidade face aos outros. Esta fibra constrói a humanidade e a sociedade, e por isso a importância de a desenvolver nas crianças, pedindo-lhes desde bem cedo que ajudem, que estejam atentas ao outro, que prestem serviço, ainda que isso possa provocar alguma frustração.
Geneviève de Taisne, Psicanalista

Ilustração: Espaço do Jardim de Serralves.

domingo, 18 de maio de 2014

Homilia do V Domingo do Tempo Pascal

O Evangelho que acabámos de escutar começa com um convite extremamente importante, um convite que nos diz respeito a todos e que, acolhido, inevitavelmente molda a nossa vida, a forma como nos posicionamos na vida e enfrentamos os diversos desafios que ela encerra, um convite que molda até a nossa fé e relação com Deus.
“Não se perturbe o vosso coração” é o convite ou apelo que Jesus nos faz, tal como fez aos discípulos, quando depois de lhes lavar os pés lhes anunciou a traição de um dos presentes e a negação de um outro também ali ao seu lado.
Face ao gesto inusitado da lavagem dos pés e ao que ele significava, face ao anúncio das traições, como poderiam eles não ficar perturbados? E contudo, o apelo surgiu, tranquilo, pacificador, não como um anestésico, mas como uma garantia, um seguro face ao que se perspectivava de trágico.
Este convite ecoa pacificador ainda hoje, e de modo particular quando somos confrontados com as questões que o mesmo Evangelho expressa sobre o desejo de ver Deus e o caminho a seguir para lhe ser fiel, para nos encontrarmos com a verdade que constitui a nossa vida.
A pergunta, ou pedido, de Filipe a Jesus para que lhes mostre o Pai é afinal o pedido e pergunta que todos transportamos connosco, mesmo aqueles que na sua racionalidade não querem fazer a pergunta ou colocar o pedido.
Para os que não querem acreditar, os que se recusam a acreditar, as perguntas que derivam da nossa experiência de finitude permanecem e permanecem sem resposta. Os limites da vida, a fragilidade, a insegurança que tais limites provocam, apelam a um pedido, a uma visão de Deus, e portanto à existência inequívoca dessa questão e desse pedido.
Surpreendentemente Jesus responde a Filipe apontando-se como a presença de Deus, como a visibilidade de Deus, como a resposta a esse desejo de ver Deus face a face. Quem me vê, vê o Pai.
A pessoa de Jesus é a visibilidade do Pai, a visibilidade de Deus passa das manifestações teofânicas, dos grandes sinais de que o Antigo Testamento nos dá um testemunho histórico, para a nossa humanidade, para a dimensão da condição humana, feita à imagem e semelhança de Deus.
Compreende-se assim e imediatamente a importância dada por Jesus à pessoa humana, ao seu bem-estar físico e espiritual, pois afinal o humano é a habitação visível de Deus, é o templo mais perfeito para a divindade. Vós sois templos de Deus.
A consciência desta realidade humana e potencialidade divina deveria conduzir-nos a uma confiança, a uma imperturbabilidade face a tantas realidades e circunstâncias que marcam a nossa vida. A esperança é certamente a virtude mais operativa daqueles que vivem nesta consciência e confiança, pois sabem que Deus está sempre presente, Deus vive neles e age através deles.
O convite a não deixar que o coração se perturbe vem também ao encontro do pedido que faz Tomé, ao desejo de saber qual o caminho para seguir Jesus, desejo que tantas vezes nos provoca dúvidas, medo, ao qual tantas vezes respondemos com inércia ou até com indiferença.
Ainda que desconheçamos o caminho a seguir, como alinhar a nossa vida com a vontade de Deus, com o desejo profundo de realização plena, Jesus convida-nos a confiar e a confiar nele como possibilidade de caminho, verdade e vida.
Jesus na sua revelação como presença do Pai, como visibilidade de Deus, apresenta-se também como manifestação do grande amor e da bondade de Deus Pai para com toda a sua obra criada, e portanto optar por segui-lo como caminho, como proposta de vida, é encontrar-se objectivamente com essa bondade e amor.
Jesus conduz-nos assim, na nossa prossecução de vida à semelhança da sua, ao encontro da verdade e da vida, ao mais profundo da nossa existência que é a nossa identidade de filhos de Deus e habitação do Espirito de Deus, à divinidade que nos é natural pelo amor de Deus para connosco.
Neste sentido percebemos as palavras da Carta de São Pedro, quando nos diz que Jesus é uma pedra escolhida, uma pedra com uma missão, a de construção ou destruição, na medida em que a acolhemos e aderimos ou nos escandalizamos e a rejeitamos.
É a abertura e o acolhimento confiante, sem medo, e sem qualquer perturbação, que nos pode de facto constituir como pedras vivas, como pedras que entram na construção desse edifício de que Jesus nos deixou o modelo e o projecto, e de que Ele próprio é a pedra angular, o princípio e o fim.
Libertemo-nos portanto do medo que nos tolhe, do medo face ao desconhecido e ao futuro, uma vez que estamos nas mãos de Deus, que somos transportados como cordeiros no regaço do pastor. Como São Paulo prefiramos colocar-nos nas mãos de Deus e face à sua justiça que nas mãos dos homens que hoje vivem mas amanhã já são pó da terra. Deus é a nossa vida e nada nos deixará faltar. Confiemos serenos!

 
Ilustração:
1 – “Jesus lava os pés aos discípulos”, de Palma Il Giovane, Veneza.
2 – “A Dúvida de Tomé”, de Béla Ivanyi-Grunwald, Galeria Nacional da Hungria.

Transparências necessárias

 
Deus deseja encarnar em nós, utilizar as nossas mãos, os nossos pés, os nossos olhos, os nossos sorrisos e as nossas capacidades para consolar, reconfortar e alegrar aqueles que coloca nos nossos caminhos. Para tal é necessário adquirir uma certa transparência para que não se fixem em nós, mas através de nós se possam encontrar com Cristo, a Palavra de Vida.
Katell Berthelot

Ilustração: Basílica do Santuário de Lourdes.

sábado, 17 de maio de 2014

Morrer exige existir

 
Saber que vamos morrer faz-nos diferentes de qualquer outra espécie: não nos deixa ir sem mais, como uma modificação acidental da paisagem do mundo. Saber que vamos morrer exige-nos existir de outra maneira.
Fernando Garcia de Cortázar

Ilustração: Escultura do Banheiro Salvador na Avenida do Brasil no Porto.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Acreditar é um desejo

 
Acreditar é um desejo da alma, um acto permanentemente em movimento.
Pascal Chénel,

Ilustração: Orquídeas no jardim da casa dos meus pais.  

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O jardim íntimo

 
Esse jardim íntimo que nos habita é um espaço estruturante, uma fonte de vida. É nesta profundidade no interior de nós próprios que nascerão os nossos desejos, como a pérola que se desenvolve dentro da ostra.
Geneviève de Taisne

Ilustração: Jardim da casa dos meus pais.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Para desenvolver os talentos

 
Será que alimento permanentemente essa surpresa do que pode brotar do interior de mim? Para fazer crescer esta fonte, que me vai permitir desenvolver os meus talentos, eu posso cultivar o gosto da contemplação, a oração, mas também a escuta da música, o olhar, os sentidos.
Geneviève de Taisne

Ilustração: Fonte na escadaria do Santuário da Senhora do Remédios em Lamego.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O que o Pai me deu vale mais que tudo! (Jo 10,29)

Jesus passeia pelo pórtico de Salomão e é interpelado pelos judeus, que na sua inquietude querem saber até quando Jesus os deixará na incerteza face às expectativas messiânicas.
Uma vez mais são os interesses pessoais, políticos, os interesses humanos que comandam as acções e o interesse destes homens. Pouco se importam com Jesus, querem saber com o que podem contar.
Em resposta à interpelação Jesus confronta-os com o que já lhes tinha dito, com a verdade, que afinal eles não quiseram ouvir nem aceitar. De facto, só as ovelhas, as suas ovelhas, escutam a sua voz, e compreendem o que diz. Eles não eram das suas ovelhas.
E para que não restasse nenhuma dúvida, para que eles pudessem ainda abrir o coração à voz do pastor, à confiança amorosa que orientava a vida e missão de Jesus, à verdade que estava para além dos interesses mesquinhos, Jesus diz-lhes que o que o Pai lhe confiou vale mais que tudo.   
Não é o poder político ou religioso que interessa a Jesus, não é a glória do mundo, tentação sempre presente em todos nós, mas o tesouro que o Pai lhe confiou, os homens e mulheres que na sua fragilidade e limitação necessitam reencontrar o caminho de regresso ao coração do Pai.
Olhando para a nossa vida, diante dos desafios e tentações, face às nossas limitações e fracassos, como era bom não perdermos de vista também estas palavras de Jesus, esta confiança ilimitada no amor do Pai, porque o que Deus nos confiou vale mais que tudo!
Maria, com o seu sim ao anúncio do anjo, com o acolhimento de João junto à cruz, José com o seu sim ao projecto inusitado de Deus, os santos nas suas diversas realidades existenciais, mostram-nos que o que Deus nos oferece vale muito mais que tudo o resto.
Saibamos viver nesta confiança, nesta liberdade face ao mundo e às suas ofertas, na intimidade profunda com Deus Pai, como Jesus, que nos permite valorizar o que verdadeiramente tem valor.

 
Ilustração: “Libertação dos infernos”, de Nikolay Koshelev, Pintura da Igreja Russa em Jerusalém.   

Descoberta nas profundidades

 
Foi na escuridão da minha vida que aprendi a cultivar a minha relação com o Senhor, graças à força da oração. Verdadeiramente descobri Cristo na profundidade das minhas dores e das minhas surpresas admiráveis.
Frédérique,

Ilustração: Cúpula do cruzeiro da Catedral de Lamego.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

As ovelhas perdidas ouvirão a minha voz! (Jo 10,16)

As nossas sociedades urbanas terão certamente alguma dificuldade em compreender a imagem que Jesus usa do pastor quando se refere à sua missão salvadora. Estamos longe desse modo de vida e da experiência, ainda que apenas visual, da relação que se estabelece entre o pastor e as suas ovelhas, e que era tão conhecida dos ouvintes de Jesus e dos primeiros destinatários dos Evangelhos.
Apesar destas dificuldades, não se torna difícil nem estranho compreender que alguém saia do seu lugar, da sua zona de conforto, para ir à procura daqueles que considera seus, sejam amigos, companheiros, pessoas que amamos e por isso procuramos para além das nossas fronteiras.
É o que acontece com Jesus, que se considera um pastor atento e cuidadoso que parte à procura das ovelhas perdidas, pois também elas devem fazer parte do seu rebanho, do seu grupo, também elas são objecto da sua missão.
E nessa busca, nesse processo e missão, a voz apresenta-se como um meio para o reconhecimento e o encontro. Jesus diz que as ovelhas perdidas escutarão a sua voz e haverá um só rebanho e um só pastor. Ele será o pastor de todas as ovelhas.
Num mundo cheio de vozes e ruido, solicitações de várias ordens e ofertas de felicidade, necessitamos encontrar os critérios que nos permitem reconhecer a verdadeira voz, a voz do Bom Pastor, de modo a não nos enganarmos e acabarmos mais perdidos que antes.
Assim, não podemos deixar de reconhecer que a voz do Bom Pastor, a voz de Jesus, é uma voz cheia de ternura, de paz e amor. É uma voz que convida ao amor, à amizade e carinho, uma voz que se opõe ao ódio, ao rancor, que outras vozes estranhas despertam em nós.
A voz do bom Pastor é também uma voz que convida à comunhão e à partilha, e por isso recusa toda a divisão e acumulação. A Voz do Bom Pastor abre-nos inevitavelmente ao outro, desperta-nos para o outro, enquanto as vozes que são salteadoras e mercenárias nos isolam, marginalizam e excluem os outros.
A voz do Bom Pastor descobre-nos o irmão, aquele que é imagem de Deus, ao contrário das vozes desconhecidas que nos sugerem o outro sempre como inimigo ou opositor. A voz do Bom Pastor abre-nos à diferença contrariamente às vozes que egoisticamente nos reflectem apenas como imagens no espelho.  
Reconhecer a verdadeira voz, a voz do Bom Pastor, é possibilitar uma caminhada que nos conduz à liberdade, à verdadeira liberdade, enquanto as vozes mercenárias e salteadoras, que todos os dias nos acediam, apenas conduzem a liberdades que prontamente se revelam como falsas e ilusórias.
Conscientes desta liberdade e dos perigos das falsas vozes, não podemos deixar de fazer ecoar por todo o mundo o convite de Jesus a escutar a sua voz, a fazer silêncio para escutarmos a sua voz que nos enche de paz e alegria.

 
Ilustração: Jesus com a ovelha perdida. Escultura num confessionário da Catedral de Saint Caprais d’Agen.

O primeiro passo para a conversão

 
Ele explicou-me que Deus é bom e isso foi para mim uma revelação. Senti que ele tinha razão, que Deus é verdadeiramente bom. Comecei a colocar-me à escuta e foi o meu primeiro passo para a conversão.
Frédérique

Ilustração: Claustro da Catedral de Lamego.

domingo, 11 de maio de 2014

Homilia do IV Domingo do Tempo Pascal

Este quarto domingo do Tempo Pascal marca uma inflexão na leitura do Evangelho, uma vez que deixamos de estar centrados nos relatos da manifestação de Jesus ressuscitado, como tem acontecido até hoje, e passamos a estar orientados para a grande festa do Pentecostes que encerra o Tempo Pascal. A leitura dos Actos dos Apóstolos, com o discurso de Pedro, abre-nos já esta perspectiva na medida em que Pedro apela à conversão e ao acolhimento do dom do Espirito Santo.
O discurso de Pedro nos Actos dos Apóstolos é também o ponto de partida para uma compreensão da mensagem deste domingo que chamamos do Bom Pastor e no qual a Igreja desde há cinquenta e um anos convida a rezar e a reflectir sobre as vocações.
Discurso que ocorre na manhã da festa do Pentecostes judaico, quando a comunidade celebrava o dom da Lei, dos mandamentos oferecidos ao povo por Deus para a sua glória. A festa e a memória do dom despertavam inevitavelmente a questão do Messias, e perante essa questão Pedro apresenta Jesus como a resposta que todos ansiavam.
O processo inerente ao discurso de Pedro, e ao relato dos Actos dos Apóstolos, dá-nos uma imagem do que podemos chamar o processo vocacional no seu sentido mais simples, abrangente. Face à novidade de Jesus, que Deus fez Senhor e Messias, o coração perturba-se, alegra-se, e dispõe-se a perguntar o que fazer. A resposta dada por Pedro conduz-nos obrigatoriamente a uma mudança de vida, a uma conversão, para que os pecados sejam perdoados e se possa acolher o dom do Espirito Santo.
Contudo, Pedro tem claro que há algo mais em jogo, que a resposta àquela perturbação que se gera no coração, e se pode compreender como um chamamento, acarreta uma dose de sofrimento, um seguimento nos passos que o próprio Jesus nos deixou como exemplo. A mudança de vida, a conversão, e a abertura ao dom do Espirito, implicam e exigem uma cruz e o seu acolhimento.
Este processo, e por esta razão, pode apresentar-se como temível, perigoso, desconfortável, e portanto sem grande capacidade de atracção, sobretudo nos tempos em que nos são oferecidas tantas oportunidades de felicidades, aparentemente sem qualquer tipo de esforço ou desgaste.
Mas é face a estas dificuldades que os Apóstolos nos previnem e animam quando nos dizem que Jesus caminha à nossa frente, tal como o pastor caminha à frente do seu rebanho, tal como porta que nos abre horizontes de liberdade.
Contudo, temos que ter presente que a imagem do pastor que a Carta de São Pedro introduz, e depois se desenvolve no Evangelho de São João através de uma simbiose imagética entre porta, voz e pastor, não é uma imagem romântica nem bucólica, mas uma imagem carregada de força, até de uma certa violência, pois o pastor dá a sua vida pelas ovelhas, está disposto a perder a vida pelas suas ovelhas, e a porta pela qual todos devem sair para seguir a voz do verdadeiro pastor é passagem obrigatória.
Nas parábolas e imagens que o Evangelho de São João nos apresenta do pastor está em jogo um conflito, uma disputa, que se traduz na voz que se segue e na liberdade desse mesmo seguimento. Jesus é a voz, a porta e o pastor, e o seu apelo é inequívoco e imperativo, mas o rebanho tem a liberdade de assumir e escutar essa voz, de a reconhecer e de atravessar a porta.
Podemos por isso perguntar-nos sobre a voz que escutamos, a voz que reconhecemos e procuramos seguir. Num mundo em que a tecnologia nos oferece uma quase total e imediata transmissão, que voz escutamos, reconhecemos e seguimos? E há muitas vozes que, e temos que o assumir honestamente, são mais ruido que vozes. Estaremos nós distraídos com o ruído de fundo e desatentos à voz que nos conhece e reconhece?
Por outro lado temos que questionar-nos sobre o uso da nossa liberdade, se optamos livremente por passar a porta e encontrar as pastagens que nos saciam e alimentam, ou pelo contrário permanecemos encerrados no nosso espaço, naquilo que hoje se denomina “zona de conforto”?
Passar a porta em Jesus significa transpor a nossa vida para os exemplos e modelos que ele próprio nos deixou com a sua vida, na sua experiência humana, significa assumir a nossa humanidade com o que ela comporta de divino e dom para a realização plena e feliz. Jesus fez-se homem para que nós pudéssemos ser filhos de Deus, para pela suas chagas sermos curados das nossas feridas, como nos diz a Carta de São Pedro.
Responder à pergunta “que havemos de fazer”, colocada pelos ouvintes de Pedro na manhã de Pentecostes, exige assim, e antes de mais fazer silêncio, colocar-se à escuta das vozes que enchem o nosso ouvido, e identificada a voz que nos desperta e alegra, que perturba saudavelmente o nosso coração, assumir segui-la, conscientes que este seguimento comporta uma satisfação da vitória sobre cada dificuldade vencida com a graça do Espirito Santo.
A porta abriu-se para cada um de nós na paixão amorosa de Jesus, mas compete-nos passar por ela através de uma opção e decisão realizada em total liberdade.

 
Ilustração:
1 – Pregação de São Pedro, Fresco de Masolino da Panicale na Capela Brancacci, Florença.
2 – Vitral do Bom Pastor na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Tarnobrzeg, Polónia

 

Atravessado pelo olhar

 
Atravessado por esse olhar que me convida a depor os meus medos, as minhas feridas, os meus bloqueios, sou como que despojado do supérfluo, livre de amar, de ousar o encontro e de ser amado. Estou à escuta de Deus, disponível, pronto a deixar-me conduzir pelas regiões que me indicará.
Jean-Baptiste de Fombelle.

Ilustração: “Jesus carregando a cruz”, de Anthony van Dyck, Galeia do Palazzo Rosso, Génova.  

sábado, 10 de maio de 2014

O frágil que revoluciona

 
A fragilidade é antes de mais uma experiência, uma vivência. Mas uma vivência que pode revolucionar, inverter os polos, que pode também fazer cair por terra e para sempre os estereótipos que pontuam as nossas existências que queremos acreditar serem perfeitas.
Jean-Baptiste de Fombelle

Ilustração: Flores do campo em Rua de Francos, Caminho Português de Santiago.     

sexta-feira, 9 de maio de 2014

O poder das lágrimas

 
Nós não devíamos temer experimentar na nossa fragilidade o poder das lágrimas. Dessas lágrimas que diluem a cólera, que afogam o desespero e fazem correr a paz até ao coração. O sal das nossas lágrimas será o sal das nossas vidas, aquele que conserva os sabores, aquele que faz derreter o gelo do imobilismo. A pérola de uma lágrima é a carícia de um anjo.
Jean-Baptiste de Fombelle

Ilustração: Tons de sol de outono no Jardim de Serralves.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Escolher o que amar

 
Não há ninguém que não ame; a questão está em saber o que se deve amar. Não somos, por conseguinte, exortados a não amar, mas sim a escolher o que havemos de amar.
Santo Agostinho, Sermões

Ilustração: Flores de azáleas do jardim da casa dos meus pais.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O pecado orignal

 
Persiste no ser humano uma espécie de opacidade interior que o incapacita para se abrir totalmente ao outro, para sair do seu habitat, para se desapegar dos seus preconceitos, como diz Emmanuel Mounier. Esta opacidade fundamental, esta resistência a dar-se e a receber o outro, a amar, é o que teologicamente pode denominar-se o pecado original.
Francesc Torralba Roselló,

Ilustração: Ramos de carvalho a despontar em Parada de Francos.

terça-feira, 6 de maio de 2014

O medo que nos separa

 
Ser próximo ao outro significa assumir a sua dor como própria, sentir o seu “pathos” como algo que me afecta a mim. Esta experiência faz-nos vulneráveis e, por isso mesmo, profundamente humanos. Contudo, o medo de sofrer, de padecer o que o outro padece, de sucumbir ao mesmo drama, conduz-nos a fortalecer a carapaça que me separa dele, de tal modo que o concebo como alguém distante da minha vida, da minha responsabilidade, dos meus compromissos.
Francesc Torralba Roselló,

Ilustração: Estátua de Eneias carregando o pai no Jardim do Palácio de Queluz.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A experiência da falha

 
Consentir na sua fragilidade é consentir em reconhecer a falha no interior de nós, é tomar o caminho do outro. Se a nossa vocação de cristãos é formar o corpo de Cristo, então a experiência da falha é o laço fundamental que nos une a todos.
Véronique Dufief,

Ilustração: Rebentação das ondas nas rochas da Foz do Douro

domingo, 4 de maio de 2014

Homilia do III Domingo do Tempo Pascal

O Salmo que cantámos na Liturgia da Palavra deste domingo tinha como refrão “Mostrai-me senhor o caminho da vida”. Um refrão e um pedido que todos dirigimos a Deus, não só aqui e agora, mas muitas vezes e em outras circunstâncias e lugares. É um desejo que nos habita e que não podemos negar, aspiramos à vida e à vida em plenitude.
Não podemos negar também que Jesus Cristo se oferece como caminho verdade e vida, e portanto esse nosso desejo de vida, essa aspiração profunda, apenas encontra eco e satisfação verdadeira quando assumimos que Jesus é o caminho, quando nos colocamos em caminho com Jesus.
Neste sentido, a leitura do Evangelho de São Lucas e a narração do encontro dos discípulos com Jesus em Emaús, mostra-nos que Jesus caminha connosco mesmo nos nossos momentos de desalento, de decepção e dúvida. Jesus vem ao nosso encontro e caminha connosco, questiona-nos e interessa-se pelos nossos problemas, pelas nossas questões e dúvidas. Jesus ressuscitado faz-se próximo da nossa fragilidade humana.
Contudo, percebemos também pela leitura do Evangelho que a presença de Jesus, o seu caminhar ao nosso lado, apenas se torna evidente quando partilhamos o pão que ele abençoou. É na partilha do pão que o ardor do coração face à Palavra, face ao testemunho, face às explicações, se revela como um indicativo da sua presença, do seu caminhar connosco.
A Eucaristia, a celebração da Santa Missa, é a oportunidade que temos em comunidade de partilhar este pão, o pão que o Senhor abençoa e pela acção do Espirito Santo se transforma para cada um de nós em corpo e sangue do Jesus Ressuscitado. Na Eucaristia experimentamos a presença viva do ressuscitado entre nós e temos a oportunidade de nos alimentarmos do verdadeiro pão, do Pão da Vida.
Mas também no nosso dia-a-dia, quando partilhamos o nosso pão material com aqueles que não têm com que se alimentar ou subsistir, e o fazemos pelo amor que nos é inerente como filhos de Deus, podemos fazer a experiência de Jesus que caminha connosco, podemos sentir o ardor no coração que indicia a sua presença.
Certamente muitos de nós já fizemos essa experiência, já sentimos que uma alegria insuspeitada despertou em nós depois de termos partilhado alguma coisa com um outro que de distante se fez próximo. Essa alegria, tal como o ardor do coração dos discípulos é um sinal da presença de Jesus ressuscitado caminhando connosco.
Há no entanto uma outra experiência de partilha que nos faz sentir de uma forma mais profunda a presença de Jesus ressuscitado, que nos faz sentir actores de Emaús, é a experiência da partilha pessoal, do saber-se e fazer-se pão e alimento para aqueles que nos rodeiam.
Quando somos capazes de nos dar aos outros, de alimentar a vida e a esperança dos outros com o nosso amor, aproximamo-nos de Jesus que se fez alimento e se deixou como alimento para a nossa caminhada.
De cada vez que somos capazes de nos partilharmos com os outros, assumimos e vivemos na nossa própria condição carnal as palavras de Jesus na última ceia, “este é o meu corpo entregue por vós”. Então Jesus não só caminha connosco mas faz-se vida e verdade em cada um de nós, faz-se alimento de amor no nosso amor.
Desta forma, de cada vez que pedimos ao Senhor que nos mostre o caminho da vida estamos a pedir que o Senhor nos ensine como ser alimento, como transformarmo-nos em pão para a vida dos outros. E se arriscamos de verdade em ser alimento assumimos que o Senhor é o nosso refúgio, a nossa herança e que o nosso destino está nas suas mãos.
Um destino que não tem nada de trágico, ainda que possa atravessar vales de dor e sofrimento, mas que é uma realidade de delicias eternas, de alegria plena, pois a nossa felicidade realiza-se à semelhança da doação total de Deus, que se fez tudo em nós para que pudéssemos ser tudo nele.
Como os discípulos de Emaús saibamos descobrir na partilha que Deus abençoou com o seu amor a presença viva e caminhante de Jesus connosco.

 
Ilustração: “A Ceia de Emaús”, Pintor anónimo italiano do século XVII.

 

Estamos de passagem

 
A Páscoa ensina-nos que nós estamos de passagem e que o que nos é dado nesta terra é efémero. É justamente no momento em que aceitamos o facto que a vida nos escapa que, paradoxalmente, entramos no campo da ressurreição, ou seja do ilimitado.
Véronique Dufief,

Ilustração: Parada de Francos no Caminho Português de Santiago.

sábado, 3 de maio de 2014

A relação singular de Deus

 
Deus oferece-nos um encontro de amor na intimidade de uma relação absolutamente singular, uma relação que respeita a falha que nos habita. Ele é essa Palavra que sacia a sede e a aviva ao mesmo tempo.
Véronique Dufief,

Ilustração: Fonte dos espelhos de água do Jardim de Serralves.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Deus proíbe o excessivo

 
Perdida na minha megalomania errava como uma alma penada. Não tinha ainda compreendido que se o Senhor nos proíbe o que é excessivo é simplesmente por amor.
Véronique Dufief,

Ilustração: Lírio e tulipa do jardim da casa dos meus pais.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dialogar é sair de si

 
Não há diálogo sem movimento extático. Quando um sai de si mesmo para chegar ao outro, não deixa de ser o que é, mas empreende uma viagem que não controla, explora terrenos de risco, assume a possibilidade de equivocar-se e de fracassar.
Francesc Torralba Roselló

Ilustração: Caminho do Jardim de Serralves no outono de 2013.