A sequência das leituras
que a Liturgia da Palavra nos oferece hoje segue uma lógica que nos conduz à
mensagem de Jesus, a esse convite à conversão, porque o Reino está já no meio
de nós, e portanto exige uma outra atitude, uma transformação da nossa vida, um
seguimento em ordem à descoberta do nosso fim último.
Neste sentido o
Evangelho mostra-nos como Jesus permanece na sintonia de João depois de este
ter sido preso, uma vez que continua a pregação e o convite à conversão. Jesus prossegue
a missão profética, já exercitada por Jonas de apelar à conversão, de apelar a
uma mudança de vida.
Contudo, a prisão de
João coloca em evidência esse culimar do tempo de espera, um fim de época, a eminência
do novo tempo, em que algo mais é necessário que uma atitude de conversão. Não basta
já apenas mudar de vida, é necessário acreditar e acreditar que aquele Jesus é
a proximidade mais concreta e real do Reino de Deus.
Talvez por esta razão,
imediatamente ao anúncio da mensagem de Jesus, o Evangelista São Marcos narra-nos
a vocação dos quatro primeiros discípulos, os quais seguem Jesus depois de este
os ter chamado.
Relato de um situação
paradoxal, pois nada nos diz que houvesse qualquer conhecimento prévio,
qualquer intimidade ou familiaridade, que possibilitasse a resposta imediata e inquestionável
daqueles quatro homens. Ao apelo de Jesus deixam tudo e seguem o Mestre sem qualquer
reserva ou questionamento, o que não deixa de nos surpreender.
Esta liberdade e prontidão
no seguimento de Jesus são-nos no entanto explicadas e justificadas nas pessoas
de Tiago e João que deixam o pai com os assalariados a concertar as redes da
pesca.
De certa forma os dois
filhos encontravam-se na mesma situação dos assalariados, dos trabalhadores que
não deixavam de ser estranhos. Ao deixarem o pai com as redes junto ao barco e
ao seguirem Jesus entram numa lógica relacional completamente diferente, pois
deixam uma relação remunerada e recompensada, ainda que paternal, para
desenvolverem uma relação filial livre e sem contrapartidas.
É a partida para uma
experiência nova, completamente livre, inusitada, que se expressa para Pedro e
André numa pesca de homens, numa pesca completamente desconhecida e extraordinariamente
fora de qualquer comparação. Seguir aquele Jesus que se apresenta ali é uma
atitude verdadeiramente radical, uma atitude de fé, mas uma atitude de fé que
se explicita em gestos concretos.
Face a esta atitude
paradoxal, os quatro primeiros discípulos adequam-se ao que São Paulo recomenda
aos Coríntios, ou seja, que a transitoriedade e a precaridade deste mundo exigem
um desprendimento de todas as realidades ao mesmo tempo que exigem uma ancoração
fundamental na pessoa e verdade de Jesus Cristo.
As palavras de São
Paulo aos Coríntios, bem como o desprendimento dos discípulos face às
realidades que conheciam e dominavam são para nós um convite a um exame de consciência
sobre a forma como reagimos aos acontecimentos do mundo, à forma como
absolutizamos ou não as realidades que compõem a nossa vida. Estamos demasiado
presos ao que nos é conhecido, aprisionados na nossa zona de conforto?
A história de Jonas,
que escutávamos na Primeira Leitura, vem ajudar-nos a sair dessa zona de
conforto e a ter uma atitude mais liberal, mais desprendida, pois ajuda-nos a
perceber que na medida em que saímos dessa prisão, que na medida em que nos
colocamos em atitude de conversão e mudança de vida, o próprio Deus vem ao
nosso encontro, vem em nosso favor.
Para os habitantes de
Nínive à sua mudança de vida correspondeu o perdão de Deus, mas para nós a uma
mudança de vida, a qualquer conversão, corresponde a entrada numa órbita de
filiação, de uma outra relação de amor mais profunda e intensa.
Relação profunda e
intensa que se vai desenvolvendo, que se vai construindo, que não é dada à
partida, mas que se vislumbra apenas no inusitado da proposta e na graça
atractiva daquele que nos chama a seguir e a arriscar. Realizá-la em plenitude é
portanto o programa de toda uma vida.
Procuremos pois
dispor-nos a acolher o convite e apesar do desconhecido a responder-lhe de
oração aberto, seguindo aquele que nos chama e atrai com tanto amor.
Ilustração:
“O Chamamento de Pedro
e André”, de Duccio di Buoninsegna, National Gallery of Art, Washington.