Caríssimos Irmãos
A leitura que escutámos
do Evangelho de São Marcos apresenta-nos o início da vida pública de Jesus, o
seu debutar como pregador, e a sua primeira demonstração de poder sobre os
demónios e os espíritos impuros.
É interessante registar
que ainda que estejamos no primeiro momento da vida pública de Jesus, na sua
primeira acção com a massa do povo, o evangelista grava sem pudor que a
assembleia se maravilhava com o que Jesus dizia, que ele ensinava com
autoridade. Não houve preocupação em registar as suas primeiras palavras, o seu
primeiro discurso, mas os ecos e os sentimentos que elas geraram, e mais ainda,
confrontando-as com as palavras dos escribas.
Assim, desde o primeiro
momento da sua pregação, Jesus impõe-se pela sua palavra, porque ela tem autoridade,
responde à promessa feita ao povo de Israel por Deus, como escutámos na
primeira leitura, de que lhes haveria de ser enviado um profeta com poder de palavra,
que fosse verdadeiramente escutado, pela sua própria autoridade.
Neste sentido, é útil
perceber o significado que o autor grego utiliza para falar da autoridade de Jesus,
da autoridade da sua palavra; ao utilizar o termo exousia quer
significar que o seu poder, a sua autoridade é uma emanação ex da sua essência
ousia. A autoridade de Jesus procede assim das profundezas do seu ser,
da sua própria essência e natureza.
O que Jesus ensina com
autoridade, que é reconhecido como novidade surpreendente, não é um catecismo,
um conjunto de preceitos e valores aprendidos e apreendidos à superfície da pele,
mas é uma difusão do seu ser, um prolongamento da sua própria pessoa e essência.
Jesus é o que prega e prega o que é.
Face a esta realidade não
podemos disfarçar o desafio e o apelo que nos é feito quando falamos, quando
pregamos, quando nos lançamos na missão de anunciar e oferecer a verdade de Jesus
aos outros. Quanto do que anunciamos é verdadeiramente fruto da autoridade da
nossa pessoa, da nossa intimidade e vida com Deus? Tantas vezes nos queixamos
que os outros não nos ouvem e tão poucas vezes nos acusamos de que falamos como
papagaios.
Prosseguindo com a
autoridade de Jesus não é de todo despiciente anotar o sentido latino da
autoridade, que em latim provém do verbo augere que significa fazer crescer.
A verdadeira autoridade é aquela que liberta o outro, que o faz crescer,
desenvolver nas suas potencialidades e capacidades.
E é por isso que imediatamente
à apreciação da autoridade da palavra de Jesus o evangelista São Marcos nos
apresenta o exorcismo daquele homem que tinha um espírito impuro. A palavra com
autoridade, verdadeiramente essencial, tem esse poder de libertar o outro, de o
dignificar, de o transformar e fazer crescer. A palavra de Jesus realiza o que
significa, tal como tinha acontecido no momento da criação quando a Palavra deu
origem a todas as coisas, tal como acontece hoje nos sacramentos em que as palavras
de Jesus proferidas pelo sacerdote realizam aquilo que significam, perdoando os
pecados, transformando os dons do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo.
Este exorcismo realizado
por Jesus manifesta, logo no princípio do Evangelho de Marcos, o objectivo do
mistério da encarnação do Verbo de Deus, uma missão de libertação do homem
daquilo que o impede de ser verdadeiramente homem e mulher, que o diminui e
escraviza, o mal, o pecado, o demónio.
Assim, e como também nos
dizia São Paulo na leitura da Carta aos Coríntios que escutámos, as nossas palavras
para o outro devem sempre ser orientadas pelo interesse maior do outro, pelo
seu bem, de modo a que não provoquem maior divisão ou instabilidade interior. É
a caridade que devemos uns aos outros, ajudar-nos à libertação daquilo que nos
divide, que nos destabiliza.
Que nesta semana que vamos iniciar possam as nossas palavras ser imbuídas de autoridade, da autoridade da nossa experiência de vida, da nossa própria fragilidade, na qual Deus também vem habitar, mas sobretudo e pela graça de Deus que sejam imbuídas de esperança, de uma grande confiança no amor de Deus para com todos e cada um de nós.
Ilustração:
1 – Jesus cura o possuído de um espírito, vitral da catedral Notre Dame de Strasbourg.