Durante as semanas da
Quaresma fomos realizando uma caminhada, uma preparação em ordem a chegar a
este pórtico, como é o Domingo de Ramos, que nos introduz na grande semana que
hoje começamos a viver e na qual recordamos e fazemos presente o mistério da nossa
redenção. Iniciamos a Semana Santa, a semana dos mistérios, e para nos
ambientar ao que vamos celebrar o Evangelho de São Lucas que lemos recordava-nos
não só a Paixão de Jesus mas também a Última Ceia.
Esta narração dos dois
momentos coloca-nos de sobreaviso relativamente ao que vamos celebrar, à
unidade intrínseca entre os momentos que se sucedem no tempo, na história e na celebração
litúrgica. A memória da Última Ceia ajuda-nos a compreender que todo o
sofrimento, toda a derrota que parece acontecer, a paixão e a morte, têm um
fundamento, um sentido, que é o amor.
Sem o amor tudo o que
escutamos e tudo o que vamos viver não tem sentido, é apenas mais uma tragédia
que pode ser esquecida tal como tantas outras que são esquecidas. Contudo, se desde
há dois mil anos a recordamos em cada Páscoa, e a partir dela em cada domingo e
em cada celebração da Eucaristia, é porque o amor a liberta dessa finitude,
dessa dimensão trágica e do esquecimento.
É o amor que faz
memória, assim como foi o amor que conduziu aquele que é o objecto de toda a
violência, Jesus Cristo. É o amor que o leva a celebrar a Páscoa com os seus discípulos,
a partilhar a refeição com o traidor, é o amor que proclama que o serviço é um
dom e uma grandeza, quando eles querem saber quem é o maior, é o amor que se
deixa conduzir sem resistência porque sabe que o bem gera sempre resistência da
parte do mal.
É o amor que recompensa
o amor, porque como semente lançada à terra esse amor não podia deixar de
florescer e frutificar e por isso passados estes dias memoráveis de dor e
sofrimento vamos encontrar na manhã de Páscoa o Senhor ressuscitado.
Celebrar assim a
Semana Santa e a Páscoa da Ressurreição é recordar o amor, é recordar o início
de um reino que não se funda sobre espadas, mas numa entrega aos outros para
que eles possam viver, para que tenham vida, é recordar o início do reino do
amor infinito, do amor a toda a prova.
Necessitamos por isso,
tal como afirmava o profeta Isaías, ter os ouvidos atentos, despertar para a
escuta, porque só escutando o bater do coração de Jesus neste drama podemos
atravessá-lo com confiança e ter a graça de o partilhar com os outros nossos
irmãos.
Necessitamos estar aos
pés da cruz, sem preconceitos nem expectativas, para tal como o centurião romano
intuir a presença da divindade naquele corpo chagado e maltratado, naquele
homem sem poder nem glória, mas que é verdadeiramente um homem justo, o Filho
de Deus.
Pedro e os outros
apóstolos estavam dispostos a seguir Jesus, a dar a sua vida por um reino que
era apenas uma ilusão das expectativas pessoais e da euforia da multidão que
subia a Jerusalém para a festa da Páscoa.
Saibamos nós seguir
Jesus nestes dias, na memória dos acontecimentos, para não desejar ou construir
um reino ilusório, mas para experimentar verdadeiramente o amor e a partir dele
e com o serviço que nos é pedido construir o verdadeiro Reino em cada dia do
resto do ano.
1 – “Judas abandona a Última Ceia”, de Carl Heinrich Bloch.