domingo, 11 de novembro de 2012

Homilia do XXXII Domingo do Tempo Comum

As leituras que escutámos na Liturgia da Palavra deste domingo colocam-nos uma questão da qual não podemos escapar. Poderão os nossos olhos enganar-nos? Poderá o nosso sentido da visão conduzir-nos a um equívoco? Possivelmente sim e talvez por essa razão diz a sabedoria popular que temos dois olhos e dois ouvidos e apenas uma boca, porque necessitamos ver duas vezes e ouvir duas vezes para falar apenas uma vez a verdade.  
No Evangelho de São Marcos, Jesus chama a atenção para este equívoco, para esta possibilidade de engano e por isso manda acautelar-nos, pois há pessoas que fazem as coisas para receber elogios, para serem cumprimentadas nas praças, para serem louvadas pelos outros, reconhecidas e distinguidas.
E não é porque o que elas fazem seja mau, no caso concreto do Evangelho trata-se dos escribas e portanto do estudo da Palavra de Deus, da busca do seu conhecimento, mas porque o fazem por segundos interesses, por outro fim para além daquele que é o normal de tal exercício ou obra, com o objectivo de obterem imediatamente uma recompensa por parte da consideração dos outros.
Esta farsa torna-se mais grave na medida em que se vive no âmbito da fé e da relação com Deus, uma vez que os actos praticados, o culto não se destina verdadeiramente Deus mas à visão dos outros, aos olhos dos outros e ao seu elogio. Por esta razão e por várias vezes Jesus chama a atenção para o facto de tais comportamentos, tais atitudes, já terem a sua paga, a sua recompensa, que é o reconhecimento dos outros.
Da parte de Deus não há nada a retribuir, porque nada lhe foi destinado, e por consequência apenas uma sentença mais severa, uma vez que Deus não foi servido mas serviu, Deus foi o meio e não o fim das obras e actos praticados.
Assumindo o papel de observador das obras dos outros e do qual tinha falado, Jesus coloca-se no templo a observar as ofertas e esmolas que são entregues pelos fiéis e assim tem a possibilidade de ver como alguns deitam grandes ofertas para que os outros os possam elogiar, enquanto outros oferecem do pouco que têm, envergonhadamente, e quase com receio de serem vistos.
Perante tais ocorrências Jesus chama a atenção dos discípulos para a verdade da doação, para a verdadeira oferta, pois não são aqueles que dão muito que verdadeiramente dão, uma vez que entregam o que lhes sobra, mas aqueles que dão do pouco que têm ou até do que lhes pode fazer falta. O dom da oferta, a valorização da oferta, não pode portanto partir do que é dado mas do que é despendido, do que a pessoa verdadeiramente prescinde, deixa de ter para si para que outro possa ter ou usufruir.
Neste sentido é paradigmático o caso da viúva de Sarepta que encontramos no Primeiro Livro dos Reis, pois tendo apenas um punhado de farinha ela partilha-o com o profeta, correndo desse modo o risco de uma morte antecipada.
Temos assim que assumir que a verdadeira oferta é uma experiência de morte e portanto deve acontecer no recato da intimidade, no desconhecido e no invisível aos outros, longe de qualquer possibilidade de reconhecimento ou elogio.
No Evangelho, ao apontar a oferta da pobre viúva, Jesus coloca em evidência esta mesma fragilidade e experiência de morte, pois não só chama a atenção para a viúva, símbolo da fragilidade e precaridade, como diz que ela entregou tudo o que tinha para viver.
Face a esta chamada de atenção de Jesus não podemos querer que a nossa solidariedade e a nossa caridade sejam algo fácil, que as nossas ofertas não impliquem uma dimensão de sofrimento e de morte, de fragilização da nossa própria situação e segurança. Por outro lado não podemos deixar de ter em conta que a nossa fragilidade não é impeditivo de partilha, que apesar da nossa pobreza, em qualquer dos sentidos, podemos sempre dar alguma coisa, partilhar a fragilidade e a pobreza do outro.
E tal como aconteceu com a viúva de Sarepta o risco da morte conduz à vida, pois foi a sua generosidade que serviu posteriormente ao profeta de justificação para alcançar de Deus a ressurreição do seu único filho, prefiguração da ressurreição de Jesus, também ela consequência da doação total mas invisível aos olhos dos homens.
Procuremos pois viver as nossas possibilidades de partilha e de oferta com espirito generoso, subtraídas à vaidade e ao orgulho, à visibilidade, confiantes que apesar da dor do desprendimento que acarretam não deixarão de ser retribuídas por Deus, se por Ele foram realizadas.
 
Ilustração: “Profeta Elias e a viúva de Sarepta”, de Bernardo Strozzi, Kunsthistorisches Museum, Viena de Áustria.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A liturgia da Palavra deste domingo e o texto da Homilia que teceu são intemporais, profundos. Ajudam-nos a entender o que recebemos de graça, e ensinam-nos a partilhar de forma livre, discreta, solidária, levados pelo amor a Deus e ao próximo.
    Como nos afirma ...” O dom da oferta, a valorização da oferta, não pode portanto partir do que é dado mas do que é despendido, do que a pessoa verdadeiramente prescinde, deixa de ter para si para que outro possa ter ou usufruir. (…)
    (...) a verdadeira oferta é uma experiência de morte e portanto deve acontecer no recato da intimidade, no desconhecido e no invisível aos outros, longe de qualquer possibilidade de reconhecimento ou elogio. (…)
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e …”Procuremos pois viver as nossas possibilidades de partilha e de oferta com espirito generoso, subtraídas à vaidade e ao orgulho, à visibilidade, confiantes que apesar da dor do desprendimento que acarretam não deixarão de ser retribuídas por Deus, se por Ele foram realizadas.”
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Votos de uma boa semana, com paz, alegria, confiança e esperança.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S: Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Walter Rauschenbusch.

    Um novo dia está diante de nós

    Mais uma vez um novo dia está diante de nós, nosso Pai.
    Ao sairmos para o nosso trabalho,
    E ao tocarmos com as nossas mãos
    As mãos e a vida de nossos companheiros,
    Faz de nós, pedimos-te,
    Amigos de todo mundo.
    Salva-nos de entristecer um coração
    Com uma palavra de raiva
    Ou com um ódio secreto.
    Que não arranhemos o amor-próprio de ninguém
    Com o nosso desprezo ou malícia.
    Ajuda-nos a alegrar, com o nosso afeto,
    Aqueles que estão sofrendo;
    E a animar os que estão abatidos, com a nossa esperança,
    E a fortalecer em todos
    O sentido do valor e da alegria da vida.
    Salva-nos do veneno mortal da arrogância de classse.
    Permite que possamos olhar todas as pessoas face a face,
    Com os olhos de um irmão.
    Se alguém necessitar de nós,
    Permite que o ajudemos sem relutância, se for possível.
    E que possamos nos alegrar
    Porque temos em nós este dom
    De servir os nossos companheiros

    Fonte: F. Teixeira & V.Berkenbrock. Sede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 239

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