Lemos quase na íntegra
o capítulo vinte e um do Evangelho de São João, um capítulo que aparece no
Evangelho quando o autor do texto tinha dado já por finalizada a sua obra, e
por isso este capítulo denuncia, face à centralidade da figura de Pedro, uma
justificação, como que uma reabilitação do apóstolo Pedro.
Contudo, e ainda que
haja algum desejo de reabilitação de Pedro, este texto pode ser considerado uma
longa parábola, na qual todos estamos presentes na pessoa de Pedro, cada um de
nós individualmente e a Igreja enquanto corpo e comunidade.
Necessitamos por isso
de ler atentamente este texto e de perceber como à luz da ressurreição, somos
convidados a uma nova atitude, a uma outra abordagem da realidade e dos seus desafios.
Nesta nova abordagem,
o primeiro desafio a enfrentar é o da inserção na dinâmica da ressurreição,
inserção plasmada no contraste da noite infrutífera de trabalho de Pedro e dos
companheiros. Após a ressurreição de Jesus não nos podemos lançar ao trabalho
sem contar com a sua presença, sem contar com a sua palavra, sem ter presente o
fruto da sua paixão e da sua morte.
Pedro e os
companheiros não pescaram nada durante toda a noite porque se esqueceram de
contar com o Senhor, e sobretudo esqueceram-se de contar com a necessidade de
lançar as redes para a direita. Pode parecer um pormenor, mas é extremamente significativo,
porque na simbólica da literatura bíblica a direita associa-se à justiça de
Deus.
Deste modo Pedro, e
com ele a Igreja e cada um de nós, é convidado a realizar a sua pesca, o seu
trabalho, a missão solicitada, à luz da justiça de Deus, pois só assumidos
nessa justiça o trabalho e a missão podem verdadeiramente dar frutos, a pesca
pode ser verdadeiramente milagrosa.
Inevitavelmente, para
que tal aconteça, temos que estar atentos à Palavra, temos que perceber tal
como o discípulo amado que Jesus caminha muitas vezes nas margens da nossa vida
e que é desde aí que nos manda lançar as redes na justiça que nos alcançou do
Pai. A escuta atenta da Palavra, o estudo e a leitura da Sagrada Escritura,
faz-nos mais atentos ao que o Senhor nos pede ou oferece.
Esta atenção ajuda-nos
também a perceber o amor que o Senhor nos solicita, um amor novo, radical e
fundamentado, um amor que não pode ficar apenas pela facilidade e pelo poético,
pela resposta às nossas expectativas. E é esse amor que está em causa quando
Jesus pergunta três vezes a Pedro se o ama.
Podemos estabelecer um
paralelo entre estas três perguntas e as três negações de Pedro, mas não
podemos deixar também de estabelecer uma graduação, um desenvolvimento no
desafio colocado a Pedro. O objectivo do questionamento de Jesus é assim a passagem
de um amor voluntarioso, de um amor adolescente se assim se pode chamar, para
um amor que aceita e acolhe a vontade do outro, neste caso a vontade do Pai que
é Deus.
Por esta razão, e
ainda que o autor do texto diga que o objectivo é profetizar a morte de Pedro,
as palavras finais de Jesus são um sublinhado dessa necessidade de se deixar
conduzir, de se deixar levar pela mão de outro, ao contrário da juventude, do
amor voluntarioso em que cada um se conduz por si próprio e pelas suas paixões.
As três perguntar de
Jesus obedecem também ao objectivo de fazer perceber a Pedro e a cada um de nós
a necessidade de vivermos o amor não só numa dimensão vertical, em relação a
Deus que devemos amar sobre todas as coisas, mas também numa dimensão
horizontal, amando os irmãos, porque se não amamos aqueles que vemos como vamos
amar Aquele que não vemos.
É esta a razão de
Jesus, após cada resposta de Pedro, apresentar a necessidade de cuidar e olhar
pelas ovelhas e pelos cordeiros, por aqueles que constituem a comunidade e à
frente da qual Pedro tinha sido colocado.
Este capítulo vinte e
um do Evangelho de São João encerra assim em si, e neste acontecimento da
terceira manifestação de Jesus como ressuscitado, uma dupla profissão, uma
dupla declaração, primeiro de fé, em Jesus ressuscitado, e depois de amor em
Jesus presente nos irmãos.
Dupla profissão que
condiciona e ilumina o seguimento que Jesus propõe a Pedro e a cada um de nós
enquanto Igreja, um seguimento que assume a verdade da justiça alcançada do Pai
pelo Filho, e que nessa justiça assume igualmente o amor para com os irmãos
como uma tarefa fundamental.
Procuremos pois nesta
semana que agora iniciamos, e na qual somos convidados pela Igreja a rezar
pelas vocações consagradas, viver cada momento como um convite de Deus a
mergulhar na sua justiça e a cuidar dos irmãos como presença viva do
ressuscitado.
1 – “A pesca milagrosa”, de Gaspar de Crayer, Museu de Belas Artes de Lile.
2 – “Domine quo vadis?”, de Andrey Mironov.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarA partilha da Homilia do III Domingo do Tempo Pascal que teceu leva-nos a ver a aparição e o testemunho de Jesus para além de uma nova manifestação de Jesus como ressuscitado.
Como afirma, ...” Este capítulo vinte e um do Evangelho de São João encerra assim em si, e neste acontecimento da terceira manifestação de Jesus como ressuscitado, uma dupla profissão, uma dupla declaração, primeiro de fé, em Jesus ressuscitado, e depois de amor em Jesus presente nos irmãos.”...
Deste modo, ...” Necessitamos por isso de ler atentamente este texto e de perceber como à luz da ressurreição, somos convidados a uma nova atitude, a uma outra abordagem da realidade e dos seus desafios.”...
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, que nos leva a uma outra leitura e meditação do capítulo vinte e um do Evangelho de São João, ...” na qual todos estamos presentes na pessoa de Pedro, cada um de nós individualmente e a Igreja enquanto corpo e comunidade.”...
Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Um abraço mui fraterno,
Maria José Silva