Hoje celebramos
a Festa da Apresentação de Jesus, uma festa que raramente coincide com o
domingo. Temos assim a oportunidade de olhar para este acontecimento da vida de
Jesus que habitualmente meditamos nos Mistérios Gozosos da oração do Rosário.
O Evangelho
de São Lucas que escutámos apresenta-nos o acontecimento na órbita do
cumprimento dos preceitos legais, do que estava estipulado na Lei de Moisés
face ao nascimento de um filho primogénito. Contudo, este enquadramento
rapidamente é ultrapassado pela mensagem do mistério, pela novidade do próprio
menino que é apresentado no templo.
Neste
sentido, convêm notar o que é oferecido em sacrifício pelo resgate do menino. A
Lei de Moisés dizia que o primogénito devia ser resgatado com o sacrifico de um
cordeiro, e apenas no caso de a família não ter condições para o poder fazer, o
resgate podia ser substituído por um par de pombas ou rolas. Maria e José
oferecem duas pombinhas, significando dessa forma a sua pobreza, apresentando-se
como os pobres de Deus, aqueles aos quais Deus se oferece e para os quais Deus
é a única resposta.
Contudo,
a apresentação de duas pombinhas tem um significado mais forte e
intrinsecamente relacionado com Jesus, o menino que é apresentado. Tal como
será dito por João Baptista no momento do baptismo de Jesus no rio Jordão, este
é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O Cordeiro de Deus não pode
ser substituído por outro cordeiro, o resgate que vai realizar com o seu
sacrifico de vida não pode ser subtraído pelo resgate de um animal.
Mas o
evangelista Lucas vai mais longe na sua interpretação do acontecimento; e assim,
quando Jesus é trazido ao templo não é acolhido pelos sacerdotes, mas poderíamos
dizer por quase dois marginais, duas figuras que desempenham um papel
representativo, Simeão e Ana. Este facto inusitado mostra-nos também como o verdadeiro
templo, aquele templo que será reconstruído em três dias, e o verdadeiro e único
sacerdote, de que nos fala o autor da Epístola aos Hebreus, não podia ser
subjugado às representações e figuras do antigo culto.
Estamos
perante uma nova realidade, uma nova e radical forma de Deus se apresentar e
relacionar com os homens, perante o mensageiro de que nos falava a leitura do
profeta Malaquias, um enviado que vem estabelecer uma nova aliança, um novo
templo, um novo povo, uma nova vida, alguém que vem realizar um corte com o
passado obsoleto e dar início a uma nova era. Ao ser apresentado no templo
Jesus abre a porta à novidade da Aliança que Deus quer estabelecer com a humanidade.
Esta novidade
é também hoje desafiante para cada um de nós e neste sentido o velho Simeão que
acolhe Jesus no templo pode ajudar-nos a compreender a necessidade que temos de
viver em esperança, em vigilância atenta e fiel.
Hoje,
mais do que nunca, vivemos na lógica do imediato, tudo tem de ser para já,
temos de dar uma resposta imediata, e somos de tal maneira pressionados pela
urgência que acabamos por não ter tempo para gerar as próprias respostas que
necessitamos dar. E assim, imediatamente nos esquecemos do que respondemos, dos
compromissos que assumimos, somos sugados pela voragem do tempo e do
imediatismo acabando num sentimento de incapacidade e frustração face ao que
nos é pedido.
O velho
Simeão do templo de Jerusalém, impelido pelo Espírito Santo a ir ao encontro do
menino, mostra-nos a necessidade que todos temos de dar tempo, de resistir à
pressão, de aguentar, de viver na esperança de algo que virá, mas que não
sabemos quando nem de que modo. O velho Simeão convoca-nos a viver o tempo de
espera como um tempo divino, um tempo de gestação de algo que desconhecemos e
não controlamos, mas que podemos dizer que nos é oferecido por Deus, pois não é
fruto das nossas mãos. Com o velho Simeão somos convidados à persistência na
espera, a um vazio à espera de ser preenchido.
E de
tal maneira este vazio é próprio e essencial ao nosso ser de pessoas que os
agentes de publicidade e vendas não cessam de nos tentar preencher este vazio
com novos produtos, novas ofertas, remédios milagrosos para a nossa satisfação
imediata. Quantas vezes nos apercebemos que temos muitas coisas, temos muitos
eventos e compromissos, estamos com muita gente, mas há um vazio em nós que aguarda
um preenchimento!
O velho
Simeão inspirado pelo Espirito de Deus a vir ao templo é um homem do vazio
expectante, poderíamos dizer do apetite que deseja ser saciado, e corajosamente
vive os acontecimentos na expectativa de uma realização, que acaba por
acontecer no acolhimento de um menino nos braços, o filho de um casal pobre que
se apresenta para consagrar o seu primogénito a Deus.
Simeão,
e Ana na sua velhice, mostram-nos a necessidade que temos de cuidar e até
cultivar a espera, o desejo ou apetite de Deus que preenche a nossa sede de
infinito, e ainda que isso exija anos e lutas, momentos de jejum e oração como
nos é dito que Ana realizava. Contudo, será através desse cuidado que poderemos
abraçar a verdade do Menino em nossos braços, perceber a vida de Deus que se
aproxima de nós, não como um trovão mas como uma brisa suave da tarde.
Deus vem
ao encontro daqueles que o procuram, que aguardam a sua vinda, que lhe deixam
espaço para se fazer vida com eles.
Ilustração:
1 –
Apresentação de Cristo no Templo, de Francesco Bassano o Jovem, Colecção
Privada.
2 – O
Cântico de Simeão, de Aert de Gelder, Mauritshuis, Holanda.
SAudades de andar por aqui. Que Deus me ajude a vir cá loggo, logo. Tudo de bom
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