domingo, 9 de maio de 2010

Villafranca Montes de Oca - Burgos Nona Etapa

Já cheguei à cidade de Burgos, mas para tal foi necessário fazer quarenta quilómetros, mais ou menos o equivalente a duas etapas do Caminho e dos guias oficiais.
Saí cedo de Villafranca uma vez que queria chegar aqui e sabia como é longo o percurso e sobretudo penoso, pois se as primeiras horas das manhã são passadas a subir os montes de oca até ao Monastério de San Juan de Urtega, para o qual é necessário pernas, as últimas são passadas a entrar em Burgos, a atravessar toda a zona industrial da cidade e para tal é necesária muita paciência. Anda-se e anda-se e nunca mais se chega... e hoje para "ajudar um pouco mais" apareceu a chuva fria e forte, que veio fazer-nos companhia nos últimos quilómetros.
Foi uma etapa muito solitária e portanto propícia ao pensamento e à meditação. Pensei imenso na celebração da Eucaristia de ontem à tarde no albergue.
Um grupo de italianos que fazem o Caminho em bicicleta, um espanhol, uma mexicana que parece ter já uma boa idade e um casal de coreanos, eram os participantes para além de mim. Todos sentados à volta de uma mesa sob um telheiro do jardim porque ameaçava chuva e fazia frio. Um italiano que me pede que espere um pouco pelos companheiros que chegam, que participam na celebração antes de mudarem de roupa e tomarem banho, antes mesmo de se inscreverem no albergue. Um casal de coreanos que responde ao presidente da celebração ainda que não entendam nada do que ele está a dizer em português. Um espanhol, com quem mais tarde tomo uma cerveja e comenta pelo telemóvel com a esposa que devia ter estado na Eucaristia que celebrámos.
Unidos na celebração do mesmo mistério ainda que todos tão diferentes, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximos para além do lugar que ocupávamos. Membros diferentes mas vivos do mesmo Corpo e que se alimentam do Pão da Vida neste Caminho e nos seus caminhos.
Depois a questão, o que fizemos nós da celebração eucarística? Como é possivel que tenhamos perdido o toque de intimidade, de partilha de uma vida comum? Porque são as nossas celebrações tão indiferentes às pessoas?
Na caminhada desta manhã e depois da leitura do Evangelho deste domingo, rodeado de tanta paz, de tanto silêncio, a paz interior que o Senhor nos dá. Podemos isolar-nos, podemos procurar locais e Caminhos para buscar a paz, mas a verdade é que ela é um dom, um dom interior, um dom do Espirito Santo, e por isso mais que buscá-la temos que pedi-la. Podemos estar rodeados da maior paz, da maior tranquilidade, do maior silêncio, mas se não nascer a paz no nosso coração tudo o resto não passará de distracção, até mesmo o silêncio e a paz exterior.
Neste aspecto temos muito que aprender com os irmãos de vida contemplativa, com os monges da igreja ortodoxa, que procuram essa paz interior através do despojamento de qualquer ideia, até mesmo da ideia de Deus. O nosso Mestre Eckhart está na mesma linha, porque de facto até uma ideia de Deus nos pode distrair do verdadeiro Deus, da verdadeira essência de Deus.
Contudo, e apesar do dito, é inevitável uma ascese, um cuidado exterior para que nos possamos encontrar com a paz interior. Distraídos exteriormente será dificil olharmos o nosso coração e encontrarmo-nos com a paz interior.
Terminada a marcha do dia e o descanso possivel por agora, vou celebrar a Eucaristia, ver se me deixam concelebrar na Eucaristia dos peregrinos da catedral.
Que São Domingos me ajude, ele que é patrono e filho destas terras.

4 comentários:

  1. Boa noite Frei José Carlos,

    Leio e medito na partilha de hoje que para além do diário do Caminho, interpreto-a como uma Homilia que tivesse escrito para este Domingo VI da Páscoa. Distante fisicamente continua a interprelar-nos. ... “o que fizemos nós da celebração eucarística? Como é possivel que tenhamos perdido o toque de intimidade, de partilha de uma vida comum? Porque são as nossas celebrações tão indiferentes às pessoas?”…

    Concordo com o que afirma : ..” Podemos isolar-nos, podemos procurar locais e Caminhos para buscar a paz, mas a verdade é que ela é um dom, um dom interior, um dom do Espirito Santo, e por isso mais que buscá-la temos que pedi-la.” Mas …. Se não estivermos abertos, receptivos a que ela nasça nos nossos corações, …“tudo o resto não passará de distracção, até mesmo o silêncio e a paz exterior”, ainda que a conciliação destas duas dimensões seja necessária. O importante é “conseguir estar aqui e agora”.
    Meditando no Evangelho deste Domingo, relera esta tarde a Homilia que, em 2009, o Frei José Carlos escrevera. É um texto intemporal, para meditar e praticar todos os dias. Bem haja.
    Antes de terminar pergunto, porque são algumas Eucaristias tão diferentes de outras, particularmente em Portugal, mas não só, pois falo com conhecimento da vivência noutros países? Não é também isto que tem afastado muita gente da igreja, em particular, os jovens?
    Ficamos satisfeitos por continuar a avançar no Caminho mais do que é expectável. Que Jesus recompense este esforço acrescido, mas que deve ser ponderado, se me permite.
    Desejo que o Frei José Carlos consiga concelebrar na Eucaristia dos peregrinos da Catedral de Burgos.

    Rezaremos para que o Senhor Jesus Cristo e São Domingos ajude o Frei José Carlos e todos os peregrinos a continuar o Caminho nas melhores condições.
    Um Santo descanso.

    Saudações amigas. MJS

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  2. Frei José Carlos,
    No fim de uma caminhada tão penosa, a reunião de todos diferentes, mas iguais na união com o Corpo de Cristo que nos alimenta. Se bem entendemos, a Eucaristia a que se refere foi marcante pela forma que tomou, tão marcante quanto inesquecível para quem dela participou. Somos capazes de sentir que gerou intimidade e iluminou os que talvez já se tivessem deixado tomar pela indiferença. Foi luz de mudança e nada vai ser como dantes a partir de então.É o que fazem os filhos de São Domingos: quando nos abeiramos das suas celebrações sentimo-nos mais intimamente ligados a Deus.
    E a paz interior a que se refere e de que tanto necessitamos, um dom do Espírito Santo,ajude-nos a pedi-la para nós também que o seguimos de longe. Que Ele nos ajude a despojar-nos do supérfluo, a querer só o essencial para que ela possa germinar num coração despojado e livre.
    Que a Graça do Senhor continue a acompanhar os seus passos.
    Um abraço,
    GVA

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  3. Frei José Carlos,
    "No news, good news": é a expressão inglesa para sossegar quem espera notícias de quem está longe, sem as receber.
    Nós por cá continuamos a rezar por si.
    Um abraço,
    Graciete

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  4. Frei José Carlos,

    A Graciete, se me permite, foi mais corajosa do que eu ... Também desejo ao irmão que as razões do silêncio sejam as melhores.
    Tem estado particularmente presente nas nossas orações diárias assim como todos os peregrinos que caminham não importa o lugar e o momento.
    Que o Senhor Jesus Cristo o proteja e lhe dê coragem para atingir o objectivo que traçou.

    Saudações amigas.MJS

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