quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Homilia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria

Tal como um raio de sol que desponta sobre as montanhas e nos anuncia um dia pleno de beleza e de luz, assim a Imaculada Conceição nos anuncia a chegada da nossa salvação. É a aurora que anuncia a presença do sol divino que vem raiando. E por isso a celebramos neste tempo de Advento, nesta preparação para o Natal, como antecipação amorosa do grande mistério.
Como nos diz São Paulo na Carta aos Efésios “se Deus nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos”, em Maria essa escolha foi cuidada de forma especial, pois era necessário que alguém realizasse a promessa de vitória feita aos primeiros pais no paraíso, era necessário que alguém fosse capaz de dar corpo ao Filho, que houvesse alguém como um jardim paradisíaco para que brotasse nele a nova árvore da vida. Maria foi preservada da mancha do pecado para ser esse novo jardim, o paraíso, esse campo virgem ainda não cultivado onde pudesse nascer sem mancha nem ruga a semente da eternidade.
Maria na sua imaculada concepção é antecipadamente beneficiada do cumprimento do mistério pascal, é a primeira usufruidora da graça e da vida plena que o Filho nos vai alcançar com o seu sacrifício de amor, com a dádiva da sua vida para o resgate da nossa condição de exilados do paraíso e de espoliados da filiação divina.
Mas à nossa semelhança, e ainda que gozando antecipadamente dos benefícios do mistério da encarnação e da redenção, que nós gozamos à posteriori, Maria encontra-se livremente perante Deus para dar uma resposta, encontra-se na nossa mesma condição de aceitar ou rejeitar o convite de Deus.
A preservação face ao pecado não a limitou na sua liberdade de resposta e para que não houvesse qualquer possibilidade de constrangimento ou sedução, qualquer possibilidade de ausência de liberdade total, Deus não se lhe dirige pessoalmente, mas envia-lhe o seu mensageiro, correndo o risco de que alguma coisa falhasse, mas preservando-se desta forma de qualquer acusação de persuasão ou sedução. Deus quer a virgem Maria livre para uma resposta pura e livre.
E da mesma forma age connosco, não se nos dirigindo pessoalmente, mas através da nossa inteligência e da nossa consciência mostrando-nos e indicando-nos onde e como espera a nossa resposta ao seu chamamento, ao seu pedido de incarnação actual do Filho no mundo presente. Deus deixa-nos também livres, padecendo ainda os efeitos da culpa do pecado, mas com a possibilidade de superarmos esses efeitos por intermédio do remédio da sua graça na luz e na força do Espírito Santo. Deixa-nos livres para que de nenhuma forma o possamos acusar de nos ter seduzido ou nos ter constrangido.
E se alguma vez dizemos ou cantamos que o Senhor nos seduziu e nós nos deixámos seduzir, não é porque prescindimos ou nos foi retirada a nossa liberdade, mas porque na proposta de Deus encontrámos o prazer e a realização que aspirávamos encontrar. Há inevitavelmente um diálogo, uma proposta e uma resposta, e como no jogo humano da sedução aquele que seduz só avança depois do seduzido ter aceite, ter dado o sinal verde do seu consentimento e participação.
Como de Maria, Deus espera um sinal nosso e da nossa liberdade, e assim quanto mais nos pede a nossa resposta menos se faz determinante, menos se impõe, mais espaço nos deixa para essa mesma resposta. Deus é liberdade e quer a nossa liberdade e só a nossa recusa dessa liberdade nos conduz ao medo e ao receio que levaram Adão e Eva a esconderem-se quando ouviram os passos de Deus no jardim do paraíso. Não é Deus que nos priva da liberdade mas somos nós que nos privamos em cada recusa, em cada resposta negativa aos seus apelos e convites, à participação e à cooperação que espera de nós.
Ao celebrarmos a Imaculada Conceição celebramos os méritos e os frutos da redenção de Jesus, de que sua mãe é a primeira beneficiada por ter assentido ao convite de colaboração que Deus lhe fez. Mas celebramos também a liberdade humana no que ela tem de condição primordial para que o projecto de Deus se realize, para que a salvação aconteça de facto, celebramos afinal a nossa liberdade na resposta livre que Maria deu ao anjo Gabriel “faça em mim a sua vontade segundo a tua palavra”.
Que o Espírito Santo nos mantenha despertos e vigilantes para sabermos e encontrarmos as respostas livres e cooperantes que o Senhor nos solicita na incarnação presente do seu projecto de amor e salvação.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,
    A Homilia que escreveu no dia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria e que connosco partilha é um texto profundo e poético, muito belo. Na realidade é como nos afirma ...” Tal como um raio de sol que desponta sobre as montanhas e nos anuncia um dia pleno de beleza e de luz, assim a Imaculada Conceição nos anuncia a chegada da nossa salvação. É a aurora que anuncia a presença do sol divino que vem raiando. E por isso a celebramos neste tempo de Advento, nesta preparação para o Natal, como antecipação amorosa do grande mistério.”….
    É um texto que nos fala dos sinais de Deus, de amor, de disponibilidade, de confiança, de humildade mas também da liberdade de cada um de nós para a “participação e a cooperação que Deus espera de nós”.
    …”Deus deixa-nos livres para que de nenhuma forma o possamos acusar de nos ter seduzido ou nos ter constrangido.” …
    … “Como de Maria, Deus espera um sinal nosso e da nossa liberdade, e assim quanto mais nos pede a nossa resposta menos se faz determinante, menos se impõe, mais espaço nos deixa para essa mesma resposta.”
    ....” Ao celebrarmos a Imaculada Conceição celebramos os méritos e os frutos da redenção de Jesus (…) Mas celebramos também a liberdade humana no que ela tem de condição primordial para que o projecto de Deus se realize, para que a salvação aconteça de facto, celebramos afinal a nossa liberdade na resposta livre que Maria deu ao anjo Gabriel “faça-se em mim a sua vontade segundo a tua palavra”.
    À semelhança de Maria preparemo-nos , neste período de “Advento” e “sempre” para receber Jesus nos nossos corações e vivermos no quotidiano o Seu “projecto de amor e salvação”.
    Obrigada Frei José Carlos por esta interessante e muito bela Homilia. Bem haja.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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