domingo, 5 de dezembro de 2010

Homilia do II Domingo do Advento

O Evangelho deste segundo domingo do Advento apresenta-nos a figura de São João Baptista, aquele que vem anunciar que o Messias está já presente entre os homens, que as profecias antigas estão a ser cumpridas, que o rebento do tronco de Jessé anunciado por Isaías está já a despontar. João é o precursor de Jesus e o último dos profetas do Messias.
Face à sua condição profética e a esta proximidade da realização das promessas feitas ao povo eleito, João assume uma missão e um discurso que são provocadores, que visam levar os seus contemporâneos a despertarem para a realidade presente e para a conversão necessária, para essa necessidade de aplanar os caminhos e endireitar as veredas exigida pelo profeta Isaías.
Como modelo profético e protótipo de comunicação, João Baptista é a imagem perfeita, a plena realização, pois é simultaneamente uma ideia, uma imagem, uma testemunha e uma referência cultural, um todo ao qual acresce a profundidade da sua experiência, neste caso divina, que habitualmente não se encontra nos produtos ou imagens que nos são impingidas pela publicidade e o marketing.
Assim, como nos diz o Evangelho, encontramos João no deserto vestido com uma veste tecida de pelos de camelo e um cinto de cabedal. É a imagem da austeridade e do despojamento daquele que era filho de sacerdote e podia na sua missão profética fazer uso das roupagens tradicionais reservadas aos sacerdotes e aos oficiais do culto. Mas João opta por uma roupa menos confortável, podemos dizer por uma imagem de marca, que o diferencia do resto dos comuns.
Não é uma questão de somenos porque, à luz dos dados que nos são fornecidos pela antropologia, a roupa, a farda, a forma como nos apresentamos socialmente, determina e é determinada pela nossa própria missão e sentido de comunicação. Desta forma João assume pela extravagância do seu vestir a imagem de ruptura com a sociedade de que fazia parte e a hierarquia de que era membro pela progenitura. O vestido de pelo de camelo e o cinto de cabedal são também um sinal profético, um sinal da pobreza e austeridade que se exigia e da conversão necessária para o acolhimento do Messias.
E se o profeta Isaías diz que o rebento do tronco de Jessé será cingido pela justiça e pela lealdade, o cinto de cabedal com que João se cinge profetiza essa mesma lealdade e justiça na necessidade que sofre de um acolhimento verdadeiro, de uma prática fiel e consentânea com a lei divina.
Nesta forma de comunicação, neste assumir profético da vida, não podemos esquecer o lugar no qual João habita, o lugar no qual exerce a sua missão, o deserto, que é por excelência no mundo bíblico o lugar da comunicação de Deus. Ao falar no deserto João reivindica uma credibilidade que lhe é fornecida pelo mesmo deserto. Assim, se Oseias para reivindicar e tornar patente a prostituição do povo eleito se casa com uma prostituta, também João ao assumir a vida no deserto reivindica e patenteia o mesmo deserto em que o povo vive, porque o deserto é o mundo sem Deus, e os homens de Israel vivem à margem de Deus.
João vive como um marginal no deserto para mostrar a marginalidade do povo em relação a Deus, mas também para apelar ao regresso do povo ao deserto, à experiência do encontro do povo com Deus, à escuta da sua palavra. Tinha sido no deserto que Deus tinha dado a lei, tinha sido nesse mesmo deserto e momento que o povo tinha cometido o maior dos seus pecados ao fundir um touro em ouro para o adorar, mas tinha também sido nesse mesmo deserto e nesse mesmo momento que Deus salvador se tinha mostrado misericordioso e verdadeiramente Deus ao não aniquilar o povo pela falta cometida.
Ao clamar no deserto João faz-se voz de Deus, faz-se uma vez mais sinal da presença amorosa de Deus, presença salvadora e por isso quando os fariseus e saduceus se aproximam para receber o baptismo de penitência João não pode deixar de reclamar deles obras consentâneas com o que estavam a fazer publicamente. Não havia mais espaço nem tempo para contemporizações, para vidas duplas, porque Aquele que João anuncia virá para exercer a justiça e observar a fidelidade.
Esta fidelidade e justiça, anunciada pelo profeta Isaías como faixa e cintura do Messias, convertidas em necessidade de conversão no cinto de cabedal que segura as roupas de João, serão manifestadas de uma forma sublime no momento da última ceia quando Jesus se envolver com uma faixa de linho para lavar os pés aos seus discípulos e neles a toda a humanidade. Aí estará a verdadeira justiça e fidelidade, nesse momento de total abaixamento, de total serviço ao outro, de última manifestação do mistério de Deus que vem ao nosso encontro na humildade para nos libertar dos nossos pecados.
Por isso João clama no deserto, eleva a sua voz, faz premente a necessidade de mudança de vida e de coerência. Voz que também se dirige a nós, a cada um de nós, e nos exorta e apela a uma conversão, a um deixarmos queimar pelo fogo do Espírito as obras mortas como palha seca, para que possam ganhar vigor os rebentos que despontam de fidelidade e virtude.
Nesta caminhada adventícia para o Natal escutemos a voz de João e deixemos que o Espírito, esse fogo purificador que recebemos com a água do baptismo, nos vá purificando, nos vá renovando, nos vá aquecendo e iluminando na busca que fazemos do Senhor nos desertos tantas vezes ressequidos das nossas vidas. Que venha sobre eles o orvalho da Graça e a chuva do Justo para o pleno florescimento.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A Homilia que preparou e que connosco partilha neste segundo Domingo de Advento cujo Evangelho
    “apresenta-nos a figura de São João Baptista”, é um texto que nos leva à reflexão sobre nós próprios, sobre a realidade que construímos e que nos cerca, de apelo à conversão, “à necessidade de mudança de vida e de coerência”.
    O sentido metafórico das palavras de Isaías e João Baptista dirige-se a cada um de nós, ao coração de todo o Homem, à amarga realidade de cada um de nós. Aos nossos egoísmos, às barreiras de protecção que colocámos à nossa volta para nos sentirmos seguros, ao orgulho, à hipocrisia, à superficialidade das nossas relações, às humilhações sejam elas sofridas ou infligidas, à mentira, à hipocrisia, à embriaguez de todo o tipo com que tentamos disfarçar o vazio, o “deserto” que pode habitar as nossas vidas.
    E passo a citá-lo, se me permite ...” Ao clamar no deserto João faz-se voz de Deus, faz-se uma vez mais sinal da presença amorosa de Deus, (…). Não havia mais espaço nem tempo para contemporizações, para vidas duplas, porque Aquele que João anuncia virá para exercer a justiça e observar a fidelidade”.
    Permita que façamos nossas as palavras com que termina a Homilia …”Nesta caminhada adventícia para o Natal escutemos a voz de João e deixemos que o Espírito, esse fogo purificador que recebemos com a água do baptismo, nos vá purificando, nos vá renovando, nos vá aquecendo e iluminando na busca que fazemos do Senhor nos desertos tantas vezes ressequidos das nossas vidas. Que venha sobre eles o orvalho da Graça e a chuva do Justo para o pleno florescimento”.
    Obrigada Frei José Carlos, por esta profunda e bela partilha, ilustrada com uma pintura que documenta de forma tão realista uma das imagens de João Baptista. Bem haja.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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