Ao terminar a leitura
do Evangelho de São Lucas deste domingo uma dúvida inquietante salta aos nossos
olhos; como interpretar estas palavras de Jesus, o que nos quer dizer, quando
por um lado parece que elogia a desonestidade do administrador e depois denuncia
a servidão ao dinheiro, a impossibilidade de servir a Deus e ao dinheiro.
Numa abordagem prévia
a uma resposta que nos elucide as palavras de Jesus, temos que olhar com um
pouco mais de atenção o início da parábola, pois o administrador aparece em
cena porque é denunciado como andando a desperdiçar os bens do seu senhor.
O problema de fundo é
assim a administração, a boa ou má administração que fazemos do que nos foi
confiado para administrar. E muitas vezes, temos que o assumir, a nossa má administração,
o desperdício, começa porque consideramos as coisas como nossas, como
propriedade nossa, e portanto não as vemos como bens em administração e dos
quais temos que dar contas. Será bom recordar aqui a parábola dos talentos, os
que produzem e os que são desperdiçados quando enterrados.
Atentos ao cuidado e
responsabilidade exigidos na administração, percebemos as palavras de Jesus
relativamente às acções desonestas do administrador. Não se trata de um elogio
do engano, da mentira ou da fraude, mas um elogio da diligência, da sagacidade
do mau administrador para não perder o que tão caro lhe era. Este homem, com
habilidade, procura assegurar o seu futuro.
As palavras de Jesus,
que nos provocam e destabilizam, visam assim e apenas marcar a diferença de
atitude, a forma como facilmente nos implicamos e esforçamos para alcançar os
bens deste mundo, a nossa segurança temporal, e a dificuldade que temos em
aplicar a mesma força e esforço relativamente às coisas do espirito, da vida
eterna. O administrador desonesto procurou precaver o seu futuro terminada a administração.
De que forma procuramos nós precaver o nosso futuro terminada a administração dos
bens que o Senhor nos confiou?
E, como se não
bastasse esta distracção ou preguiça administrativa, a leitura do profeta Amós
vem colocar diante de nós uma outra atitude, cuja gravidade supera o nosso
desleixo na administração. Tal como o profeta denuncia, muitas vezes usamos os
bens que o Senhor Deus nos concede para explorar o outro, para violentar o
outro, para o humilhar, como se não bastasse a sua pobreza ou desgraça. Outras vezes
fazemos uso até do sagrado para diminuir o outro, para o subjugar e explorar.
Diante desta tentação
violenta não podemos esquecer as palavras de Deus na profecia, o Senhor
recorda-se de todas estas acções, pois os pobres, as viúvas, os órfãos, os
emigrantes e os explorados estão sob o seu olhar atento, poderíamos dizer que
são a sua presença mais acutilante no meio da humanidade, a presença que nos
desafia no amor. E por essa razão, porque nos podem levar a Deus e até ao
tesouro da eternidade, Jesus recomenda que se conquistem amigos com o vil
dinheiro, não amigos que nos possam retribuir aqui o que lhes oferecemos, mas
amigos que nos abram as portas da eternidade e aí nos acolham com o que com
eles partilhámos.
E para aqueles que podem
retorquir que nada têm para poder partilhar, São Paulo deixa-nos um campo vastíssimo
de partilha e enriquecimento, a oração por todos os homens. Se não tivermos
mais nada para partilhar podemos partilhar a nossa oração, inserir todos os homens
e mulheres na nossa oração, os mais próximos e os desconhecidos, aqueles que
são nossos benfeitores e aqueles que nos perseguem.
Quando São Paulo escreve
a Timóteo esta recomendação da oração por todos os homens está preso nas
cadeias de Roma, à espera da sua pena capital. Contudo, e apesar dessa situação
São Paulo não deixa de ter presentes aqueles que o acompanharam e aqueles que
se preparam para lhe pôr fim à vida. São Paulo assume-os a todos na sua oração
e na petição que dirige a Timóteo porque quer que todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento da verdade, a essa verdade de que há um só Deus e um
único mediador que é Jesus Cristo.
Para que todos os
homens cheguem ao conhecimento desta verdade também nós temos que tomar a sério
a nossa fidelidade cristã, a administração dos dons e bens que o Senhor nos
concede em cada dia, a integração de todos os homens e mulheres na nossa
relação com Deus.
Se soubermos cuidar a nossa
humanidade e a humanidade dos nossos irmãos, se formos fiéis aos dons que o
Senhor nos concede, receberemos o que é nosso, tal com o Senhor promete. Receberemos
a glória da eternidade porque nela tivemos sempre postos os nossos olhos e o
nosso cuidado quotidiano, por ela fomos diligentes e sagazes administradores.
1 – “Parábola do administrador desonesto”, de Andrey Mironov.
2 – “O pobre Lázaro”, de Jacopo Bassano, Kunsthistorisches Museum, Viena.
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