Caríssimos irmãos
Estamos a celebrar a
Solenidade de Cristo Rei, uma solenidade instituída pelo Papa Pio XI em 1925
depois das atrocidades vividas na Primeira Guerra Mundial e a implantação do
estado comunista na Rússia; e que visava não só realçar a realeza de Jesus
Cristo, mas também o ministério dos leigos no mundo como construtores do Reino
de Deus nas mais diversas realidades humanas, como a política ou a economia.
Este conceito e estatuto
da realeza de Jesus Cristo não é, contudo, novo, pois na Idade Média
encontramos diversas representações de Jesus crucificado e coroado com uma
coroa de ouro, como um rei, fruto da própria narração que encontramos no
Evangelho, e neste caso em particular do momento da paixão e morte de Jesus e do
pedido do bom ladrão, “lembra-te de mim quando estiveres no teu reino”.
Este momento, e este
pedido, é paradigmático da realeza de Jesus, uma realeza escondida aos olhos do
mundo, mas visível aos olhos do coração e daqueles que procuram a justiça. Todo
o Evangelho se constrói, nesta questão, numa espécie de equívoco que visa cegar
os que procuram o poder do mundo e iluminar os que procuram a sabedoria e a
humanidade.
Já na narração do
nascimento de Jesus encontramos este jogo de escondidas, quando os reis vindos
do oriente chegam a Jerusalém à procura de um rei que tinha nascido e nada
encontram do que buscavam. Será numa manjedoura, envolto em paninhos, que irão
encontrar esse rei tão desejado e procurado, num recém-nascido frágil e
indefeso, humilde e pobre.
A entrada de Jesus em Jerusalém,
aclamado como rei pela multidão, é igualmente uma cena equívoca, pois aquele
que é aclamado como rei apresenta-se montado num jumentinho, e uma vez mais
numa fragilidade e vulnerabilidade que escondem aos olhos do mundo o poder e a
realeza daquele que vem ao encontro da cidade santa com o dom da sua vida, para
a sua salvação e redenção de todos os homens.
É esta mesma realidade
escondida que nos é apresentada no Evangelho de São Mateus que escutámos, pois tanto
aqueles que entram na glória do reino como aqueles que são condenados não sabem
dizer nem têm consciência de quando se encontraram ou desencontraram com o
Senhor. Quando é que te vimos?
Talvez, por esta razão,
não encontremos nos Evangelhos nenhuma descrição física de Jesus, nenhum esboço
do seu rosto, pois afinal é em cada um de nós que se encontra o seu rosto, e de
modo muito especial após a ressurreição. Na manhã de Páscoa Maria Madalena não
reconhece o rosto do amado na figura do jardineiro, no caminho de Emaús os discípulos
não reconhecem o caminhante que se junta a eles, nas margens do lago Pedro não
reconhece aquele que lhes pergunta se pescaram alguma coisa.
Hoje, e ainda hoje, é
desta forma que Jesus se nos apresenta e nos oferece a sua realeza, no rosto
dos nossos irmãos, nas suas mãos estendias e nas suas necessidades. É quando
vamos ao encontro do outro e das suas necessidade e fragilidades, quando
percebemos aí o apelo de Deus, que Ele se nos revela, é nessa humildade e
pobreza, nessa fragilidade. A realeza de Jesus é como um vazio que necessita
ser preenchido, por algo de nós que partilhamos com o que os outros partilham
connosco.
Quanta beleza e poder de
Jesus Cristo podemos descobrir na dança alegre e esfusiante de uma criança com
trissomia, uma alegria e efusão que nos contagiam, que nos fazem sorrir, que
nos ajudam a relativizar os nossos problemas e dificuldades. Como necessitamos
ter os olhos bem abertos, os olhos do coração, porque há verdades que só os
olhos do coração podem ver.
Olhos que nos permitem
ver também que este rei que é Nosso Senhor, caminha connosco, vem ao nosso
encontro como o pastor de que nos falava a leitura do profeta Ezequiel, para nos
cuidar, para nos reconduzir ao bom caminho, para impedir que nos desgarremos
numa noite de nevoeiro, nas incertezas da nossa vida, no desalento e desespero
face às dificuldades.
E neste sentido, é bom
recordar uma realidade e conceito da época medieval, posteriormente criticado,
mas que nos ajuda a perceber esta dinâmica de Deus connosco na sua realeza, e
que se trata da chamada vassalagem. Tal como os vassalos colocavam ao serviço
do senhor as suas forças e armas, assim o senhor garantia a cada um deles a
protecção e a segurança. Havia uma partilha e responsabilidade mútuas, uma corresponsabilidade
e fidelidade.
Com Jesus Cristo, Rei do Universo,
o processo é semelhante, uma vez que colocando ao serviço da construção do
Reino as nossas forças e capacidades, manifestas na vigilância e atenção ao
outro, assim o mesmo Senhor coloca ao nosso serviço a sua graça divina para desenvolvermos
estas forças e capacidade de modo a sermos acolhidos no seu Reino, como amigos
convidados a partilhar do seu banquete.
Assim, nestes dias que nos vão conduzir ao início do Advento e através dele à celebração do nascimento do Filho de Deus feito homem, que o nosso olhar sobre os nossos irmãos seja um olhar vigilante, atento, mas pleno de ternura, para encontrar e reconhecer essa presença real de Jesus em cada um dos homens e mulheres com quem partilhamos a vida. E colocando todas as nossas forças e capacidades em acção, possamos, pelos nossos gestos e palavras em desenvolvimento, transformar um pouco o mundo de modo a que ele seja cada vez mais Reino de Deus.
Ilustração:
1 – Cristo do Calvário de Atienza, Espanha.
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