Caríssimos Irmãos
O cântico de entrada da
nossa celebração dizia que “vimos para louvar o Senhor”, e se todos os domingos
e em cada Eucaristia nos reunimos com essa intenção, hoje o nosso louvor faz
eco desse dom que Deus concede a todos os homens, a santidade. Estamos reunidos
para celebrar a Solenidade de todos os santos, os que a Igreja reconheceu e reconhece
oficialmente e todos aqueles que no anonimato e no silêncio das suas vidas viveram
esse grande dom de Deus.
A cada uma das
Bem-Aventuranças que escutávamos na leitura do Evangelho podemos facilmente
associar um santo, alguém que conhecemos pela hagiografia e no qual
reconhecemos a encarnação de cada uma destas palavras de Jesus. Podemos dizer
que elas desenham, traçam o retrato de um homem cristão, de um fiel seguidor de
Jesus Cristo.
Mas se esta associação é
correcta, não podemos deixar de ter presente que as Bem-Aventuranças traçam
antes de mais o retrato de Jesus, ele é o primeiro bem-aventurado, o protótipo
da nossa vida e busca da plenitude, porque ele foi o que viveu em primeiro
lugar e plenamente cada uma destas Bem-Aventuranças. Até a da perseguição e do
ódio pela sua própria pessoa, que por momentos parece que nos vai caber a nós
também viver.
Contudo, muitas vezes,
procuramos viver as Bem-Aventuranças como uma realidade negociável, numa óptica
da remuneração e recompensa, pois se procuramos a verdade ou a justiça temos
uma promessa de felicidade na eternidade à nossa espera. Outras vezes, e ainda
nesta mesma linha, vivemos as Bem-Aventuranças como uma necessidade de
sofrimento, uma via dolorosa que associamos inerente ao seguir Jesus, ao
carregar a cruz, neste mundo, para depois podermos gozar da felicidade eterna.
Face a esta perspectiva,
não é de todo descabido recordar o que nos dizia o frei Bernardo enquanto
estava entre nós, sobre a qualidade da vida eterna e a sua dependência e
relação intrínseca com a qualidade da nossa vida neste mundo. É a qualidade que
procuramos colocar nesta vida, através da verdade, da justiça, do amor que vivemos,
que nos alcançará a qualidade da vida eterna.
As Bem-Aventuranças são assim um convite a procurar fazer e viver como Cristo Jesus, são como que uma espécie de oito vias para nos assemelharmos a Deus na sua divindade feita humanidade para nossa instrução. Há assim um caminho para cada um, um processo, que cada um pode desenvolver e traçar na sua própria identidade e na fidelidade à graça que recebeu no baptismo e de que a simbólica que encontramos na leitura do Livro do Apocalipse nos faz menção.
Tal como encontramos na
leitura do Livro do Apocalipse, no baptismo fomos marcados com o selo de Deus,
com o sinal da cruz logo no início da celebração do sacramento, depois fomos
purificados no sangue do cordeiro e como símbolo dessa vida nossa e dignidade inerente
é-nos dada uma veste branca que devemos apresentar sem mancha na vida eterna. Como
nos recordava a leitura da Primeira Carta de São João, que também escutámos, passamos
a ser filhos de Deus, de uma forma misteriosa, mesclada na nossa fragilidade
pecadora, mas que se manifestará um dia na sua plenitude, quando formos semelhantes
a Deus, quando o pudermos ver cara a cara.
No Evangelho as
Bem-Aventuranças são uma nova lei, uma nova orientação, que não visa tornar o
mundo um pouco mais suportável na expectativa de um futuro, de uma eternidade, mas
visa tornar o mundo melhor, aqui e agora. As Bem-Aventuranças são uma proposta
de vivermos como Jesus e com Jesus e nele saborear a beleza e a grandeza dos
momentos presentes.
Os santos que hoje celebramos
foram homens e mulheres que tiveram esta capacidade, diríamos esta
inteligência, de se perceberem consagrados pelo amor de Deus e por causa desse
mesmo amor procuraram saborear na vida todos os momentos com fé, com verdade,
com esperança, na fidelidade. E este é o grande desafio que nos deixam, de não
deixarmos de acreditar no amor de Deus e de procurar olhar todas as realidades
com os olhos amorosos e confiantes de Deus.
Se eu der o melhor de mim, se fizer o melhor que sei, sempre com amor e esperança, a santidade de Deus estará a desenvolver-se em mim e naqueles com quem partilho a vida.
Ilustração:
1 – Coroação da Virgem
Maria, Fra Angélico, Uffizi, Florença.
2 – Juízo Final (Pormenor), Fra Angélico, Gemaldegalerie, Berlim.
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