Queridos Irmãos
Continuamos a nossa caminhada
quaresmal, a nossa preparação para a celebração da Páscoa, que em cada domingo
da Quaresma se desenha no horizonte, tal como acontece hoje na leitura do
Evangelho de São João e nesta cor festiva que quebra o roxo penitencial e nos
convida a uma renovada alegria, a um espírito renovado da conversão. É a alegria,
é a festa que nos espera ao fim desta caminhada.
A história de Nicodemos que escutámos
na leitura do Evangelho de São João é a história de todos e cada um de nós, uma
história de homens e mulheres que se encontram na noite, ainda que povoada de
conhecimento e de sabedoria, mas obscura, sem a verdadeira sabedoria que dá a
luz para o sentido da vida Nicodemos vem de noite, mas tal como lhe diz Jesus,
ele é um mestre, é alguém que transporta um conhecimento que lhe deveria
permitir dar um passo mais. Mas falta-lhe algo para que isso possa acontecer.
Nesta noite e neste encontro, que no
seu términus parece não ter alterado muito a pessoa de Nicodemos, algo
acontece, algo extraordinário, que leva à passagem da noite à luz, do encontro
escondido à manifestação pessoal e convicta, ao testemunho presencial.
No Evangelho de São João, Nicodemos
aparece por três vezes, neste primeiro encontro nocturno, às escondidas, no
momento em que se decide a morte de Jesus e no qual Nicodemos sai em defesa de
Jesus invocando a lei e o direito à defesa, portanto numa manifestação pessoal convicta
que leva à acusação e suspeita de que possa ser dos influenciados por Jesus, e
por fim no momento da sepultura do corpo de Jesus, em que aparece com as de
mirra e aloés, uma quantidade de perfume e essências próprias para a sepultura
de um rei.
Neste encontro de Nicodemos com Jesus
que o Evangelho nos apresentou, a resposta de Jesus é feita de um conjunto de
conceitos, expressões de vida, como o amor, o julgamento, a verdade e a luz,
que estão de tal modo imbricados, torcidos, que tal como numa corda não poderão
ser separados, pois tornar-se-iam demasiados frágeis e insustentáveis. E esta
unidade, este entrançado, aparece num único nome que nos é proposto e poderemos
assumir impronunciável, e que é o nome de Deus. É no nome de Deus que se unem o
amor e o juízo, a verdade e a luz.
E é perante esta realidade, este nome
que cada um de nós deve procurar a melhor atitude, a melhor resposta, que numa relação
com a luz não poderemos deixar de apresentar como a lucidez. É esta atitude,
esta virtude que em cada um de nós pode de certa maneira corresponder ao que
Deus nos manifesta na nossa capacidade de acolhimento.
A lucidez é um trabalho, um processo
de consciência que tende a colocar à luz, a iluminar, o que em nós não é fácil
de iluminar, de se revelar. E Jesus, muito antes de Freud, revela esta
dificuldade humana do nosso psiquismo que exerce o seu poder de esquecimento e
de ocultamento daquilo que de uma maneira ou outra foi para nós doloroso,
temeroso, humilhante, no conjunto das pretensões da nossa personalidade.
E por isso, como diz Jesus, nós
preferimos as trevas à luz, pois ao mantermos na escuridão no profundo do nosso
ser e do nosso medo as falhas e feridas, as frustrações das nossas ilusões, nós
esperamos evitar a lâmina cortante da verdade e do julgamento
Contudo, como podemos encontrar sem a
lucidez face a estas realidades fracturantes que conduz à verdade, ao
julgamento e à luz e finalmente ao amor. Ao amor de nós próprios e ao amor dos
outros. Como podemos verdadeiramente amar sem nos conhecermos, e conhecer nos
ombros dos outros as nossas próprias sombras, falhas e faltas, nos seus
julgamentos sobre cada um de nós as nossas próprias intransigências para connosco
próprios?
Deus não enviou o seu Filho ao mundo
para o julgar, mas para que o mundo seja salvo. A salvação vem de Deus como nos
diz a leitura da Carta aos Efésios. O filho Jesus Cristo, é, portanto, essa luz
que desde o prólogo do Evangelho de São João nos é apresentada como para a
nossa salvação, para a nossa iluminação, que nos é oferecida para o nosso
acolhimento.
Deus renuncia ao julgamento da condenação,
porque o seu juízo é uma iluminação, é um colocar à luz do que é o seu amor, o
seu desejo de realização, e as nossas potencialidades.
E no seguimento de Nicodemos, o que
Jesus nos pede é de aceitar sem medo esta luz, esta iluminação, este deixar
sair à luz os nossos medos e fracassos, porque a luz que nos é oferecida é amor,
é o amor de Deus.
Como já dissemos, a experiência desta
luz que Jesus nos traz, vai remodelar a vida de Nicodemos, não é num momento mágico
que tudo se resolve, e a remodelação é de tal modo que o leva a não ter medo de
se opor à forma como o pretendem condenar e depois, já elevado na cruz, de receber
o seu corpo como um tesouro, como o corpo de um rei, poderíamos dizer como o
corpo da eucaristia que cuida e recebe com a maior das devoções e consideração.
Que a luz de Jesus ilumine os nossos
recantos escuros, os nossos medos, de modo a que o possamos acolher como vida,
como luz, como verdade, que nos encoraja e seguir em frente, a lutar pelo bem
que Deus coloca no nosso coração e espera de nós nas nossas obras.
Ilustração.
1 – Nicodemos e Jesus, de Henry
Ossawa Tanner. USA.
Sem comentários:
Enviar um comentário