domingo, 14 de março de 2021

Homilia Domingo IV da Quaresma - Ano B

Queridos Irmãos

Continuamos a nossa caminhada quaresmal, a nossa preparação para a celebração da Páscoa, que em cada domingo da Quaresma se desenha no horizonte, tal como acontece hoje na leitura do Evangelho de São João e nesta cor festiva que quebra o roxo penitencial e nos convida a uma renovada alegria, a um espírito renovado da conversão. É a alegria, é a festa que nos espera ao fim desta caminhada.

A história de Nicodemos que escutámos na leitura do Evangelho de São João é a história de todos e cada um de nós, uma história de homens e mulheres que se encontram na noite, ainda que povoada de conhecimento e de sabedoria, mas obscura, sem a verdadeira sabedoria que dá a luz para o sentido da vida Nicodemos vem de noite, mas tal como lhe diz Jesus, ele é um mestre, é alguém que transporta um conhecimento que lhe deveria permitir dar um passo mais. Mas falta-lhe algo para que isso possa acontecer.

Nesta noite e neste encontro, que no seu términus parece não ter alterado muito a pessoa de Nicodemos, algo acontece, algo extraordinário, que leva à passagem da noite à luz, do encontro escondido à manifestação pessoal e convicta, ao testemunho presencial.

No Evangelho de São João, Nicodemos aparece por três vezes, neste primeiro encontro nocturno, às escondidas, no momento em que se decide a morte de Jesus e no qual Nicodemos sai em defesa de Jesus invocando a lei e o direito à defesa, portanto numa manifestação pessoal convicta que leva à acusação e suspeita de que possa ser dos influenciados por Jesus, e por fim no momento da sepultura do corpo de Jesus, em que aparece com as de mirra e aloés, uma quantidade de perfume e essências próprias para a sepultura de um rei.

Neste encontro de Nicodemos com Jesus que o Evangelho nos apresentou, a resposta de Jesus é feita de um conjunto de conceitos, expressões de vida, como o amor, o julgamento, a verdade e a luz, que estão de tal modo imbricados, torcidos, que tal como numa corda não poderão ser separados, pois tornar-se-iam demasiados frágeis e insustentáveis. E esta unidade, este entrançado, aparece num único nome que nos é proposto e poderemos assumir impronunciável, e que é o nome de Deus. É no nome de Deus que se unem o amor e o juízo, a verdade e a luz.

E é perante esta realidade, este nome que cada um de nós deve procurar a melhor atitude, a melhor resposta, que numa relação com a luz não poderemos deixar de apresentar como a lucidez. É esta atitude, esta virtude que em cada um de nós pode de certa maneira corresponder ao que Deus nos manifesta na nossa capacidade de acolhimento.

A lucidez é um trabalho, um processo de consciência que tende a colocar à luz, a iluminar, o que em nós não é fácil de iluminar, de se revelar. E Jesus, muito antes de Freud, revela esta dificuldade humana do nosso psiquismo que exerce o seu poder de esquecimento e de ocultamento daquilo que de uma maneira ou outra foi para nós doloroso, temeroso, humilhante, no conjunto das pretensões da nossa personalidade.

E por isso, como diz Jesus, nós preferimos as trevas à luz, pois ao mantermos na escuridão no profundo do nosso ser e do nosso medo as falhas e feridas, as frustrações das nossas ilusões, nós esperamos evitar a lâmina cortante da verdade e do julgamento

Contudo, como podemos encontrar sem a lucidez face a estas realidades fracturantes que conduz à verdade, ao julgamento e à luz e finalmente ao amor. Ao amor de nós próprios e ao amor dos outros. Como podemos verdadeiramente amar sem nos conhecermos, e conhecer nos ombros dos outros as nossas próprias sombras, falhas e faltas, nos seus julgamentos sobre cada um de nós as nossas próprias intransigências para connosco próprios?

Deus não enviou o seu Filho ao mundo para o julgar, mas para que o mundo seja salvo. A salvação vem de Deus como nos diz a leitura da Carta aos Efésios. O filho Jesus Cristo, é, portanto, essa luz que desde o prólogo do Evangelho de São João nos é apresentada como para a nossa salvação, para a nossa iluminação, que nos é oferecida para o nosso acolhimento.

Deus renuncia ao julgamento da condenação, porque o seu juízo é uma iluminação, é um colocar à luz do que é o seu amor, o seu desejo de realização, e as nossas potencialidades.

E no seguimento de Nicodemos, o que Jesus nos pede é de aceitar sem medo esta luz, esta iluminação, este deixar sair à luz os nossos medos e fracassos, porque a luz que nos é oferecida é amor, é o amor de Deus.

Como já dissemos, a experiência desta luz que Jesus nos traz, vai remodelar a vida de Nicodemos, não é num momento mágico que tudo se resolve, e a remodelação é de tal modo que o leva a não ter medo de se opor à forma como o pretendem condenar e depois, já elevado na cruz, de receber o seu corpo como um tesouro, como o corpo de um rei, poderíamos dizer como o corpo da eucaristia que cuida e recebe com a maior das devoções e consideração.

Que a luz de Jesus ilumine os nossos recantos escuros, os nossos medos, de modo a que o possamos acolher como vida, como luz, como verdade, que nos encoraja e seguir em frente, a lutar pelo bem que Deus coloca no nosso coração e espera de nós nas nossas obras.   

Ilustração.

1 – Nicodemos e Jesus, de Henry Ossawa Tanner. USA.

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