Caríssimos Irmãos
A leitura do Evangelho que escutámos,
coloca à nossa consideração, neste domingo da Quaresma, o acontecimento
designado como expulsão dos vendilhões do templo, um acontecimento que podemos
dizer escandaloso pela marca de violência que encerra nos gestos de Jesus.
Sabemos que é um dos gestos radicais
de Jesus, ou pelo menos o que é recordado com traços de violência, que vai
precipitar a sua prisão e condenação, e por isso os Evangelhos Sinópticos,
Mateus, Marcos e Lucas, colocam este episódio na semana imediatamente anterior
à prisão de Jesus.
Contudo, o Evangelho de São João, que
escutámos hoje, coloca este acontecimento no início da sua narração; e, não
fosse a insistência da mãe a Virgem Maria nas bodas de Caná, este era
verdadeiramente o primeiro facto da vida pública de Jesus do Evangelho de São
João, um facto que marca e faz a diferença.
Assim, não podemos ler este
acontecimento e gesto intempestivo de Jesus como um acto de rebelião ou
condenação do sistema religioso, uma condenação do templo, ou dos rituais; e
isto, não só porque Jesus frequentou o templo em outras circunstâncias, como
nos é relatado pelos Evangelhos, como até se serviu dos gestos rituais para nos
ilustrar a mudança necessária na nossa relação com Deus, como no caso do
publicano e do fariseu que se contrapõem na sua justificação e na sua
penitência, ou da oferta da viúva pobre e do rico ofertante.
Jesus não pode condenar aquilo que é
antropologicamente, humanamente, necessário ao homem, o rito, o culto, os
templos, que são meios que o homem necessita para a sua vida, para ser
verdadeiramente homem, para se encontrar com os outros homens, para iluminar a
sua caminhada comum, para dar um horizonte comum, como ainda agora pudemos
testemunhar nesta viagem do Papa ao Iraque, e como podemos constatar também na
primeira leitura do Livro do Êxodo, onde encontramos um conjunto de preceitos que
são comuns a quase todos os povos e culturas, antropologicamente fundamentais,
e por isso assumidos como sagrados, de origem divina na história bíblica.
O gesto violento de Jesus, e que São
João coloca logo no início do seu Evangelho quer dizer-nos que a nossa relação
com Deus, ainda que mediada por gestos ou ritos, por construções ou ofertas,
não pode reduzir-se a isso, não pode ficar limitada a essa exterioridade, uma
vez que se torna uma idolatria na disfuncionalidade que pode provocar.
O verdadeiro culto é o que é prestado
desde o coração, desde a nossa totalidade de homens e mulheres, com as nossas
fragilidades e dons, como nos é dito pelo salmista no Salmo 40: “Tu não desejas
sacrifícios nem oferendas, mas abriste-me os ouvidos, tu não pedes nem holocaustos
nem sacrifícios pelos pecados, e eu digo eis-me aqui para fazer a tua vontade,
para cumprir a lei que colocaste no fundo do meu coração”.
A apresentação que São João nos faz
deste acontecimento no início do Evangelho vai conduzir-nos a essa realidade
que Jesus assume de forma perentória e paradoxal, o verdadeiro templo de Deus é
o seu corpo, podemos dizer como ele, é o nosso corpo, este conjunto de matéria
perecível no tempo, mas habitada por uma vida, um desejo de felicidade e
plenitude que a relação com Deus ilumina e realiza. E por isso o apelo de Deus
a viver bem, à realização plena através da colaboração na obra da criação. Os
preceitos e mandamentos são instrumentos para essa realização.
A narração de São João e a sua lógica
estrutural conduz-nos também a essa novidade de que em Jesus pelo amor da sua
vida e da sua entrega se realiza o verdadeiro e pleno sacrifício e os homens
não necessitam de realizar mais holocaustos, mas apenas necessitam assumir a
sua oferta, querer participar dela, ser beneficiários dela.
A leitura deste domingo do Evangelho
termina com a afirmação de que Jesus bem sabia o que há no homem, de bom e de
menos bom, e por causa do zelo e ciúme de que nos falava o livro do Êxodo Deus
não deixa de vir ao nosso encontro, de nos procurar no pouco que podemos fazer
para nos incentivar e desafiar a mais. Podemos dizer que é a fraqueza de Deus,
o seu amor louco por nós, obra das suas mãos.
Procuremos, pois, beneficiar dessa
loucura, deixando que com a sua graça o Senhor faça crescer em nós o bem que
fazemos, o bem que podemos realizar.
Ilustração:
1 – A Purificação do Templo, de El
Greco, The Frick Collection, Nova York.
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