domingo, 9 de maio de 2021

Homilia Domingo VI da Páscoa - Ano B

Caros Irmãos

Estamos a celebrar o sexto domingo da Páscoa, um domingo que podemos denominar do Amor, pois a leitura da Primeira Carta de São João diz-nos que Deus é amor e depois o Evangelho, igualmente de São João, convida-nos a viver nesse amor.

São textos extremamente ricos, cada versículo permite-nos uma meditação longa, uma reflexão profunda sobre a nossa vida e a forma como estamos a viver o amor e no amor, e por isso, porque nos podemos dispersar, convém que nos centremos em algumas notas, em apenas alguns elementos para iluminar e orientar a nossa vida destes dias.

Assim, e antes de mais, olhamos para o texto dos Actos dos Apóstolos e para essa grande e maravilhosa constatação que Pedro faz sobre a acção do Espírito Santo, uma acção que precede os gestos formais e rituais que acreditavam necessários para a sua recepção. Na casa de Cornélio o apóstolo Pedro verifica que o Espírito Santo tinha já actuado naquele pagão, sem qualquer intervenção da sua parte. O Espírito Santo precede-os, tal como Jesus lhes tinha anunciado que os precederia na Galileia depois da ressurreição.

O Evangelho de São João ao dizer-nos que não fomos nós que escolhemos Jesus, mas que foi o Pai que nos escolheu para amigos dele, somos confrontados com a mesma ideia e precedência, o amor de Deus, o Espírito Santo, precede-nos na nossa missão, na nossa vida, nos nossos gestos e palavras.

E desta realidade e afirmação resultam consequências inevitáveis para a nossa vida, e sobretudo quando vivemos momentos de sofrimento, de instabilidade, de insegurança ou incerteza; Deus vai à nossa frente, precede-nos e de todas as maneiras espera que o encontremos, que no meio da tempestade façamos a experiência do seu amor presente e actuante. Como temos que abrir bem os olhos e o coração para nos encontrarmos com o seu amor.

Um amor que é o maior mistério da nossa condição de cristãos, um amor que revoluciona todas as nossas concepções e imagens de Deus. Quem poderia imaginar que Deus é amor? Só alguém que pôde fazer a experiência desse amor, que o pôde sentir quando encostou a sua cabeça sobre o peito do mestre na última ceia, só ele nos poderia fazer esta afirmação e revelação.

Mas o discípulo amado, que conhece o coração de Jesus, que o sentiu bater, conhece também o coração dos homens e o que eles são capazes de fazer com o amor, de como são capazes de rebaixar ao seu nível mais medíocre as realidades mais elevadas e sublimes. A experiência da condenação de Jesus e da sua morte, a morte de um inocente, é a prova cabal para o discípulo amado do que se pode fazer com aqueles que amam e vivem na verdade.

O amor pela sua sublimidade e fragilidade é aquela realidade que mais facilmente pode ser transformada à nossa proporção e dimensão, que mais facilmente pode ser adulterada, que pode resultar numa contrafacção. E quer queiramos ou não, mais ou menos todos vivemos alguma espécie de contrafacção do amor; quer seja pelo sentimentalismo passivo, que não nos leva a empenhar em transformar a realidade; quer seja pelo activismo sem alma, em que realizamos o trabalho sem paixão, sem sentido de cooperação na obra de Deus; quer seja pela vagabundagem afectiva, procurando ternura e afecto em qualquer outro sem qualquer compromisso comum; quer seja pelo sensualismo desenfreado, explorando o prazer que no dá o nosso corpo sem qualquer dignidade; quer seja pela possessividade narcisista, em que buscamos o outro como uma propriedade e para nossa única satisfação.

Todas estas experiências de amor, contrafacções do amor levam à destruição do verdadeiro amor, tanto naquele que está chamado a dá-lo como naquele que é convidado a recebê-lo. São as experiências do amor na nossa dimensão finita, mortal, e que Jesus no convida a ultrapassar, a procurar que se assemelhem cada vez mais ao amor de Deus, que se entrega sem qualquer exigência, sem esperar nada em troca, apenas para o bem do outro, para o crescimento e plenitude do outro, para que o outro seja amigo e não servo, para que a alegria habite em nossos corações de uma forma completa como habitava no coração de Jesus.

Este convite de Jesus a permanecer no seu amor, a que nos amemos uns aos outros como ele nos amou, é um convite à transformação, porque ou nos deixamos transformar pelo amor, pelo amor de Deus, e com ele nos dignificamos e alcançamos a alegria plena, ou rapidamente transformamos o amor, adulterando-o, e dessa forma conduzimo-lo às dimensões mais vis e aviltantes da nossa condição de homens e mulheres.

E se o mandamento do amor que Jesus nos apresenta é exigente, é porque menos que tudo é intolerável tanto para nós como para Deus; no amor não nos contentamos com pouco e Deus também não, afinal fomos feitos à sua imagem e semelhança e as nossas exigências amorosas não são mais que espelho das amorosas exigências de Deus.

O cardeal suíço Charles Journet escreveu que se Deus nos dá mais um dia de vida é porque tem necessidade ainda de um acto de amor nosso. Procuremos, pois, nestes próximos dias aproveitar cada ocasião para viver e realizar esse acto de amor, imbuindo o nosso trabalho, as nossas amizades, a nossa ternura, os outros que partilham a vida connosco, com o amor de Jesus, o amor que nos alegra desde o mais fundo do coração.

 

Ilustração:

1 – A Última Ceia, Anónimo, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

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