A leitura do Evangelho
de São Mateus que escutámos apresenta-nos o início do ministério público de Jesus,
os primeiros momentos da sua vida pública, aquilo que poderíamos dizer o lançamento
da exposição aos olhos de todos.
Por esta razão, São Mateus
apresenta nesta passagem os grandes tópicos da vida de Jesus, os elementos que
vão marcar o seu ministério e que nos próximos domingos iremos encontrar nas
leituras do Evangelho, como são o apelo à conversão, o ensino da nova Lei, a
proclamação da presença do Reino dos Céus, e as curas e milagres que manifestam
essa presença a todos os homens sem excepção.
Neste início do ministério
de Jesus, São Mateus tem também a preocupação de nos situar, de nos
contextualizar estes primeiros momentos, não só a nível geográfico mas também a
nível histórico, poderíamos dizer circunstancial, e assim nos informa que Jesus
passou de Nazaré para Cafarnaum após a prisão de João Baptista.
Perante esta informação
poderíamos supor algum medo por parte de Jesus, algum temor relativamente à sua
vida, mas tal não está em causa, porque a migração para Cafarnaum representa um
dado mais do assumir de Jesus da profecia de Isaías de que nos fala o
Evangelista e que mais tarde, no regresso à sua terra natal, Jesus vai assumir
verbalmente diante de todos provocando o escândalo e a rejeição por parte
daqueles que o conheciam desde a infância.
A opção geográfica de
Cafarnaum como local para início das actividades prende-se inevitavelmente com
a pujança económica e o desenvolvimento da cidade, mas também com a abertura
cultural, uma certa marginalidade religiosa que deixa terreno para uma
convocatória, para um anúncio de algo novo a acontecer. Como Jesus dirá num outro
momento, não são os bons que necessitam de cura! Aquele caminho do mar onde
circulavam povos tão diferentes, aquela Galileia dos gentios, estavam preparados
na sua diversidade para escutar.
E é por um apelo que
Jesus inicia a sua actividade, um apelo à conversão, à semelhança e na
continuidade de João Baptista e da sua pregação junto do rio Jordão. Jesus vai
ao encontro das expectativas e desejos daqueles homens que certamente se
encontravam desorientados, como ovelhas sem pastor, face ao que acreditar, em
que Deus acreditar, pois eram tantos e cada um com a sua singularidade.
É com uma pregação
curta e incisiva, directa, com este apelo à mudança de vida, e sem qualquer
discurso moralista, que Jesus consegue captar a atenção, consegue distinguir-se
e fazer-se ouvir, consegue captar a benevolência de uns quantos que decidem
deixar tudo para o seguir quando os chama no meio dos seus afazeres e
trabalhos.
As redes que Pedro e
André lançavam e que Tiago e João concertavam representam na perfeição a situação
em que se encontravam todos aqueles homens e mulheres aos quais Jesus se dirige
e apela a uma mudança de vida. Afinal também eles andavam enredados com
diversas realidades que não lhes permitia viver em liberdade e dignidade,
também eles estavam presos nas malhas da rede de uma vida sem sentido.
E por incrível que
pareça continuamos envolvidos nessas mesmas redes, continuamos a ser capturados
por aquelas redes que nos quartam na nossa liberdade, na nossa dignidade, que
nos impossibilitam de viver em plenitude. São as redes do nosso egoísmo, da
nossa injustiça ou violência, da nossa preguiça, da exploração e utilização do
próximo como um objecto ou uma mercadoria. Tantas realidades que nos
aprisionam.
E Jesus vem lançar-nos
o desafio de assumirmos ser pescadores de homens, de entrarmos numa nova rede, Jesus
vem oferecer-nos a liberdade optando por constituir uma malha da rede do amor,
por ser uma pedra viva da Igreja que é o seu corpo. Opção pessoal e intransmissível
que não se fundamenta em doutrinas ou discursos, mas apenas e exclusivamente
num encontro de intimidades, se assim podemos falar.
São João, testemunha
privilegiada destes primeiros chamamentos junto às margens do lago, conta-nos
que a resposta de Jesus face à disponibilidade dos pescadores para o seguir foi
“vinde ver”, vinde viver na intimidade a experiência e então sabereis como ser
pescadores de homens, como partilhar a minha missão, como a vossa vida pode ser
outra.
São Paulo, na Carta
aos Coríntios que lemos, não deixa de assinalar a mesma necessidade, pois com a
sabedoria das palavras corremos o risco de desvirtuar a cruz de Cristo. É a
vida, a intimidade da relação com Deus e o testemunho na relação com os irmãos que
podem despertar no outro a curiosidade por Jesus, o desejo de largar as redes que
nos prendem, que nos transforma em pescadores de homens.
Peçamos a Deus Pai a
luz do Espirito para sermos verdadeiramente anunciadores do Evangelho, de Jesus
crucificado que nos salvou, não com palavras mas com obras de misericórdia.
“os Pescadores Valencianos”, de Joaquin Sorolla y Bastida.
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