Acabámos de escutar no
Evangelho, “vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”! Duas afirmações
de Jesus que não podem deixar de nos ser repetidas todos os dias, que não
podemos deixar de assumir na nossa vida. Elas são verdadeiramente fundamentais,
constituem-nos naquilo que somos como discípulos de Jesus.
Para termos uma maior
percepção do significado destas palavras, poderíamos dizer desta admoestação de
Jesus, necessitamos olhar o momento em que elas são proferidas e o peso que o
próprio Jesus lhes dá.
Neste sentido, não
podemos esquecer que nos encontramos no capítulo quinto do Evangelho de São
Mateus, no chamado discurso da montanha, e que Jesus alerta os seus discípulos com
estas palavras imediatamente a seguir à proclamação das bem-aventuranças, que
escutámos no domingo passado. Assim, umas e outras estão intimamente associadas,
e associam-se naquilo que podemos dizer que é a virtude mais intrínseca às
bem-aventuranças, a esperança.
Para nos ajudar a
compreender esta associação, temos que olhar também para a função do sal, para
a utilização do sal ao tempo de Jesus. É verdade que seria um condimento para a
comida, e portanto facilmente percebemos como somos chamados a condimentar a
vida com a nossa fé. Mas o sal era igualmente um conservante, o elemento usado
para conservar alguns alimentos, e é nessa dimensão e função que Jesus nos
interpela. Os discípulos de Jesus são chamados a conservar a esperança, a não a
deixar corromper pelos embates da vida.
Face às bem-aventuranças,
e nomeadamente às duas últimas que falam de perseguição, o desafio que Jesus
nos coloca é de não desanimar nem desistir, ainda que possamos fraquejar, que o
possamos negar. Ele não nos pode negar, não nos pode abandonar, e por isso essa
ordem de ser como o sal, de perseverar e preservar o dom recebido. Não é tarefa
fácil, podemos levantar o sobrolho um bocadinho cépticos, mas a verdade é que é
necessário, nós somos os continuadores dessa missão, somos os guardiões desse
tesouro.
A história de dois mil
anos mostra-nos que aqueles que perseveraram na esperança foram capazes de
mudar o mundo à sua volta, foram capazes de animar outros homens e mulheres a não
desistir, foram fonte de esperança e muitas vezes de alternativa ao que parecia
inevitável. Imediatamente brilham na minha memória a Madre Teresa de Calcutá, o
Papa João Paulo II, pois tivemos a oportunidade de os conhecer em vida, de conhecer
as suas palavras, a esperança que o alimentava e que contagiavam a outros
homens e mulheres.
Ao recordá-los,
instintivamente percebemos a dimensão de ser luz para os outros, a segunda
admoestação de Jesus aos seus discípulos depois das bem-aventuranças. A verdadeira
luz é o próprio Jesus, mas aqueles que o seguem e confiam na sua presença e
auxílio reflectem essa luz, quando e sempre que realizam as obras de
misericórdia inerentes às bem-aventuranças. Tal como nos diz o profeta Isaías que
escutámos na primeira leitura, aquele que mata a fome do próximo, aquele que o
acolhe, aquele que lhe dá de vestir, aquele que não vira as costas ao seu
semelhante, faz a luz acontecer, brilha como a luz nas trevas, pois é precedido
nos seus actos pela luz do amor de Deus que o alcançou e deixa com o seu gesto
e testemunho um rastro luminoso de uma outra realidade possível, a realidade do
Reino de Deus.
Esta missão que Jesus
nos confiou, de ser sal e luz no mundo, vive no entanto no fio da navalha,
sujeita as duas grandes tentações, que muitas vezes nos levam a desistir pois
frequentemente caímos nelas. São as tentações da grandeza de meios e do orgulho
egocêntrico.
São Paulo alerta-nos
para elas no trecho da Primeira Carta aos Coríntios que escutámos, quando nos
diz que não se apresentou com sublimidade de linguagem ou grandes títulos
diante daqueles aos quais anunciou a boa nova de Jesus. Foi com humildade, a
tremer de veras e com temor que se apresentou, porque se sabia ministro,
enviado de alguém maior que ele, com uma verdade que não lhe pertencia. Foi com
poucos meios que anunciou a Jesus Cristo.
Diante da convocatória
de Jesus para a missão somos muitas vezes tentados pela grandeza, pelo desejo
de ter grandes meios, uma grande eloquência, os melhores meios técnicos para
levar os outros a acreditar e a mudar de vida. E afinal Jesus e o testemunho de
São Paulo dizem-nos que não necessitamos nada disso, que é na pobreza e na
humildade que a obra de Deus se desenvolve. Como diz São Paulo, é quando sou
fraco que então sou forte.
Esta consciência
leva-nos também a perceber o orgulho, essa ilusão de que as coisas acontecem por
nós e pelas nossas forças e inteligência. Não somos nós que somos a luz, mas
apenas espelhos da luz, e por isso se há algum mérito é o do nosso esforço e
trabalho de busca constante, o nosso tentear para perceber cada vez melhor a
luz e deixá-la transparecer em nós. E ainda aqui, e neste trabalho, muito temos
a agradecer a Deus pelo que vai fazendo em nós.
A Palavra do Senhor
neste quinto domingo do Tempo Comum conduz-nos assim a cuidar a nossa
esperança, a tomar consciência deste tesouro que levamos e somos chamados a
oferecer aos outros, na simplicidade e na confiança, porque nessa partilha
activa e concreta nos transformamos em porta luz da grande Luz que é Jesus
Cristo, da total manifestação de amor de Deus aos homens seus filhos.
Ilustração:
1 – “O Recém-nascido”, de Georges de La Tour, Museu de Belas Artes, Ontário.
2 – Pormenor de “Madalena Penitente”, de Georges de La Tour, Louvre-Lens.
Mais uma muito boa e conseguida homilia em Igreja repleta. Espero bem que entre a assistência houvesse poucos "surdos" e também poucos com deficit de atenção. Quantas paróquias se poderão regozijar de possuir um pregador do gabarito do Frei José Carlos? Parabéns e obrigado pela "palavra".
ResponderEliminarLi com muito interesse a bela Homilia do V Domingo do Tempo Comum conduz-nos assim a cuidar a nossa esperança,a tomar consciência deste tesouro que levamos e somos chamados a oferecer aos outros,na simplicidade e na confiança,porque nessa partilha activa e concreta nos transformamos e porta luz da grande luz que é Jesus Cristo
ResponderEliminarObrigada,Frei José Carlos,pela maravilhosa partilha da Palavra.Desejo-lhe um bom fim de semana.Uns dias bem passados com os seus familiares e um feliz regresso.Que o Senhor o proteja o ilumine e o abençoe.
Um abraço fraterno.
AD