Estamos a iniciar um
novo ano litúrgico e um novo Advento que nos deverá preparar para a celebração do
Natal do Senhor. O Evangelho de São Marcos que escutámos e nos vai acompanhar
neste novo ano litúrgico convidava-nos a vigiar, a ser como porteiros que
vigiam na expectativa da vinda do dono da casa.
Esta vigilância não é
contudo fácil, nem certamente tão simples como muitas vezes a assumimos, e por
essa razão o Santo Cardeal Henry Newman escreveu num sermão: “não devemos
apenas acreditar, mas vigiar; não devemos apenas amar, mas vigiar; não devemos
apenas obedecer, mas vigiar”!
Vigiar é assim um
desafio, uma proposta divina, que não pode deixar de estar presente de uma
forma acutilante, porque muitas vezes no nosso amor, na nossa caridade, na
nossa fé, na nossa vida quotidiana nos esquecemos daquele que é o Senhor da
casa, daquele que é o Principio, o Caminho e o Fim, tal como encontramos explicitado
no livro do Apocalipse, o alfa e o ómega, o princípio e o fim.
Podemos de facto
procurar fazer as coisas bem-feitas, viver com os valores cristãos, praticar a
justiça e a verdade, amar o próximo, mas corremos o risco de fazer tudo isso de
uma forma imperfeita, incompleta, apenas pro nós próprios e sem o pleno sentido
da divinização que Deus nos oferece com a necessidade de vigiar. Afinal, o que
Deus nos pede é que todas as nossas obras Nele tenham começo, Nele se desenvolvam,
e Nele alcancem a plenitude.
Este sentido da participação,
da união divinizante, é manifestado na própria celebração da Eucaristia quando
na aclamação final da consagração o sacerdote diz que tudo o que se realizou é
por Cristo, com Cristo e em Cristo para louvor e honra de Deus Pai. E assim
deve acontecer com tudo o que fazemos, desde o nosso trabalho, a nossa amizade,
a nossa missão, até à própria vida afectiva do casal ou de cada um de nós
celibatários.
Esta vigilância atenta
e divinizante faz-nos perceber também como Deus não cessa de vir ao nosso
encontro, de sair ao nosso encontro em todas as situações, mesmos as da
fragilidade e do pecado, como escutávamos na leitura do Profeta Isaías. Deus
vem e é necessário estar atento para intuir essa vinda, de que o Natal é afinal
a manifestação mais esplendorosa, mas que não é a única.
Estas visitas de Deus
ao encontro da nossa humanidade têm
contudo a fragilidade do maná, daquele alimento que o povo de Israel colhia no
deserto mas que não podia armazenar para o dia seguinte, que não podia ser
acumulado mais que o necessário para alimento de cada família. Cada experiência
da vinda do Senhor ao nosso encontro é também única, pessoal, e por isso mesmo frágil,
sem possibilidade de acumulação, mas que nos prepara e nos deixa desejosos da
próxima. Tal como dizia Santa Catarina de Sena, impele-nos a mergulhar mais e
mais no seu mistério.
Fragilidade que
aumenta na medida em que somos levados como a folha seca no remoinho do vento,
em que nos deixamos dispersar pelas realidades do mundo, pelas tentações que
nos distraem e ofuscam da verdadeira e plena realização, na medida que em que
não assumimos o princípio de onde vimos, o caminho que se nos oferece e o fim a
que estamos destinados. Bailamos ao sabor do momento, dos interesses mais
imediatos, das imagens e dos conceitos que os outros podem fazer de nós,
desorientados no caminho.
E contudo, tal como nos
diz São Paulo na Carta aos Coríntios que escutámos, fomos enriquecidos em tudo,
já não nos falta nenhum dom da graça, podemos dizer que estamos preparados e
equipados verdadeira e dignamente para vigiar, para guardar a porta na
expectativa do Senhor que vem.
Nos ambientes
monásticos e conventuais este tempo de Advento é vivido com alguma austeridade;
coloca-se uma capa negra para recordar a finitude da vida, cuida-se com maior
intensidade o silêncio, a oração é mais prolongada, e até as refeições são mais
ligeiras, quase um jejum, e tudo para afinar a atenção, a escuta, a vigilância.
Necessitamos despojar-nos, libertar-nos, para estar mais ágeis para vigiar e
para guardar e aguardar a vinda do Senhor.
Ao iniciarmos este
Advento quais vão ser os meus propósitos? Com os dons da graça que o Senhor nos
concedeu como me vou preparar individual e familiarmente para o nascimento do
Filho de Deus? De que modo vou orientar os meus pensamentos, as minhas palavras
e as minhas acções pelo coração de Jesus Cristo?
Que não sejamos como
aquele administrador da parábola que começou a comer e a beber, a bater nos
servos que lhe estavam confiados, porque já não acreditava na vinda do seu
senhor. Tal como a sentinela que vigia entre as ameias da muralha estejamos nós
atentos, despertos, ágeis, irrepreensíveis, de modo a responder prontamente ao
grito: eis o Senhor que vem, ide ao seu encontro!
1 – “A rendição de Breda”, de Diego Velázquez, Museu do Prado (Pormenor).
2 – “Legionário adormecido”, de Ubaldo Gandolfi.
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