As leituras que
escutámos neste segundo domingo do Advento estão marcadas pela necessidade de
nos empenharmos na preparação da vinda do Senhor Jesus, de endireitarmos os
nossos caminhos tortuosos para que o Senhor possa chegar até nós.
Após o convite à
vigilância, do domingo passado, apresenta-se-nos hoje o convite ao empenho e ao
esforço para que os caminhos da vinda do Senhor estejam desimpedidos dos
obstáculos que lhe dificultam ou barram a passagem.
Este empenho e esforço
estão personificados na figura de João Baptista que o Evangelho de São Marcos
nos apresenta logo no início do Evangelho sem qualquer referência, sem qualquer
história, sem qualquer enquadramento. Se não conhecêssemos algo mais de João
pelos outros Evangelhos seria totalmente um estranho.
Contudo, o seu
aparecimento no início do Evangelho de São Marcos é bastante significativo,
pois estabelece a ponte entre a novidade e a tradição, entre a profecia de Isaías
que escutávamos na primeira leitura e o seu cumprimento, entre um projecto e a
sua concretização plena. João é um apelo e uma convocação que nos vêm do futuro
para uma vida nova, para a participação livre e activa na plenitude da
realização do prometido por Deus.
Assim, o facto de João
se encontrar no deserto e ali desenvolver a sua pregação, como nos apresentava
o Evangelho, não é de estranhar. O deserto é o lugar de passagem, o lugar do
êxodo, e com João inicia-se uma nova passagem, entramos numa nova caminhada
histórica, num novo tempo, o tempo da realização da promessa.
A nossa vida, na expectativa
do encontro face a face com Deus, o advento que é toda a nossa vida, e de que o
Advento de preparação para o Natal é uma imagem sintética, é também um êxodo,
uma nova e constante caminhada diária, que nos deve levar sempre mais além. No
deserto ninguém permanece muito tempo, é passagem para outro lugar e assim deveria
acontecer connosco, de modo a chegarmos ao Natal e ao fim da vida completamente
outros.
A pessoa de João
Baptista e a pregação que desenvolve no deserto são um convite ao êxodo das
nossas satisfações e vaidades, dos nossos orgulhos e egocentrismos, são um
convite a sairmos de nós próprios para ir ao encontro do Outro que é Deus e dos
outros que são suas imagens e semelhança.
Para tal, contudo,
necessitamos despojar-nos, abandonar as nossas roupagens habituais, as nossas satisfações
tantas vezes gulosas e, como João, revestir-nos de uma outra roupa, alimentar-nos
de outros alimentos. Só na austeridade do despojamento, da libertação do que
nos encerra e alimenta egoisticamente, podemos estar disponíveis para o
encontro e o acolhimento Daquele que vem.
Como nos recordava o
profeta Isaías na primeira leitura, o Senhor vem, vem ao nosso encontro, mas
tal vinda e encontro necessitam do nosso consentimento, do nosso assentimento,
da disponibilização de um espaço e de um tempo, de um modo de ser.
Aquela conversão e
mudança de vida de que tantas vezes falamos, de que tantas vezes fazemos eco à
luz da Palavra de Deus, não pode ser uma realidade abstracta, algo do género do
amor platónico, um processo que uma vez mais não deixamos de centrar em nós
próprios. A nossa conversão, o nosso êxodo, a nossa caminhada ao encontro do
Senhor, deve ser uma disponibilização para o outro, para um caminhar com o
outro, para o encontro com o outro que nos revela Deus na sua pessoa única e
irrepetível.
É esta presença de Deus
entre nós que igualmente João Baptista nos recorda. Deus está já presente entre
nós, de uma forma oculta, e muitas vezes de um modo que nos destabiliza, que nos
questiona e interpela numa nova compreensão, numa outra abertura e disponibilidade.
Deus vem até nós, até cada um de nós, mas para o perceber necessitamos estar
atentos, vigilantes, preparados, livres e ágeis para reconhecer essa vinda e
presença.
Por esta razão não
podemos viver na ansiedade e no medo de que a leitura da Segunda Carta de São Pedro
nos fazia eco. Conscientes e crentes da vinda do Senhor, que é paciente para connosco,
vivemos na paz, procuramos viver na santidade e na piedade, e dessa forma
realizamos a essência do baptismo no Espirito Santo que recebemos. Mortos para
o pecado vivemos para Deus, procuramos cada dia ser fiéis ao dom recebido,
renovando-nos e alimentando-nos na magnanimidade do amor de Deus para connosco
e de nós para com todos.
Que nesta segunda
semana de Advento do Natal do Senhor Jesus nos saibamos despojar do supérfluo,
do que nos prende e impede de caminhar, e mais livres e de coração pacificado
possamos ir ao encontro do outro para nele encontrarmos a presença de Deus que
é o totalmente Outro.
1 – “Pregação de São João Baptista”, de Jan Reisner, igreja de São Francisco de Sales, Cracóvia.
2 – “Paisagem com a Pregação de São João Baptista”, de Abraham Bloemaert, Rijksmuseum, Amesterdão.
Sem comentários:
Enviar um comentário