Após as festas do
Natal estamos a iniciar um novo tempo litúrgico, um tempo que nos vai permitir
conhecer e acompanhar a vida pública de Jesus, e iniciamos esse novo tempo com
o relato do encontro de Jesus com André e João junto do rio Jordão.
É um momento
importante, bastante importante, e por essa razão João vai recordá-lo nesta dimensão
tão especial e pormenorizada no seu Evangelho, esquecendo e deixando completamente
perdidas na memória as razões porque estava ali, as razões porque João Baptista
lhes indica, a ele e a André, que aquele Jesus é o Cordeiro de Deus.
Contudo, e ainda que o
Evangelho não nos faça presente as razões porque aqueles dois se encontravam
ali, podemos intui-las, pois aqueles que se tinham abeirado de João Baptista
eram homens e mulheres insatisfeitos, homens e mulheres que buscavam um sentido
para as suas vidas, um outro sentido, uma possibilidade de um encontro renovado
com Deus.
Ao desejo de André e
João, à sua busca, encaminha-se o desejo e a busca de Deus, num processo que se
faz a meias. O homem caminha-se ao encontro de Deus que naturalmente vem ao
encontro do homem. Nesta circunstância é Jesus que passa, que se aproxima, para
que o encontro se dê. E como poderiam estar perdidos, sem saber muito bem onde
se encontravam nesta busca, João Baptista aponta-lhes a resposta, a
oportunidade. Está ali, é aquele.
Quantas vezes não nos
deparámos, também nós, com esta explicitação, com este dedo apontado de João
Baptista, agora na palavra, no gesto, no testemunho de alguém com quem nos
cruzámos? Afinal Deus continua a vir ao nosso encontro, continua a querer
responder aos nossos desejos e à nossa busca, continua a perguntar a cada um de
nós, que procurais? Que procuramos?
E sem que tenhamos
consciência disso, a nossa questão continua a ser a mesma, “onde vives”, onde
podemos estar contigo, onde nos podemos encontrar contigo, onde podemos ser
contigo? É uma questão primordial na nossa vida e para a qual Deus continua a responder-nos
como Jesus respondeu a João e a André, “vinde ver”.
Sabemos que não viram
muito, não podiam ter visto muito, pois naquele local deserto pouco mais
haveria que umas pequenas tendas para aqueles que pernoitavam, antes ou depois
do baptismo de João. Estando ali de passagem, Jesus não podia deixar de estar
numa delas.
Se olharmos para o
futuro, passados três anos sobre este primeiro encontro, para a manhã da
ressurreição, este mesmo João vai ver apenas o lençol e as ligaduras no
sepulcro vazio de Jesus; contudo, é-nos dito que depois de ter visto, e só ter
visto isto, acreditou.
O convite de Jesus a
vir e ver é assim algo que vai para além dos sentidos físicos, é um ver de
coração, é um vir para ser com, é a oferta de poder repousar a cabeça sobre o
seu peito, tal como João o fez na noite da última ceia, na noite do maior amor
e da maior traição.
Ir e ver é acolher uma
transformação, é fazer a experiência de Deus em nós, de sermos outros que não
nós próprios, outros que são filhos de Deus, que são habitação sua, que são
templo do Espirito Santo, e, tal como nos diz São Paulo na segunda leitura que
escutámos, devem viver com dignidade a sua dimensão corpórea.
Esta transformação da
nossa condição, da nossa identidade, poderíamos até dizer da nossa natureza,
está explicita no encontro de Jesus com Simão que passa a ser Pedro, como nos
relata o Evangelho. E se olharmos para a relação que existe entre Pedro e pedra
percebemos que o novo nome dado ao irmão de André está fundamentado na rocha
onde todos devemos construir a nossa casa, sobre a rocha que nenhum temporal
pode derrubar.
A tradição bíblica judaica
reconhece o templo como a rocha, mas é também no Senhor Deus como um rochedo
que nos podemos refugiar, como canta o salmista. Jesus assume esta ideia, que poderíamos
dizer metafórica, e assim aparece-nos como o novo rochedo de onde dimana a água
viva, o rochedo novo da construção do templo que é Ele próprio. E todos aqueles
que se encontram verdadeiramente com ele, que buscam a sua semelhança, são como
uma rocha, uma casa bem alicerçada, um outro Pedro.
Todo este processo,
esta possibilidade de encontro, comporta no entanto algo que hoje em dia nos
exige algum esforço, como é a escuta. Necessitamos escutar, necessitamos ouvir,
necessitamos estar atentos, e para tal necessitamos fazer silêncio, exterior e
interior.
Se André e João não
estivessem atentos, à escuta do que João Baptista dizia, não teriam visto Jesus,
não se teriam apercebido da sua presença no meio da multidão. Se Samuel, que
encontrámos na primeira leitura, não estivesse no silêncio da noite, não teria
escutado a voz de Deus. Necessitamos escutar, porque como nos diz São Paulo a
fé chega-nos pelo ouvido, pelo que escutamos.
O Papa Francisco ainda
esta semana, numa das suas homilias, chamava a atenção para a necessidade de
fazermos momentos de silêncio nas nossas celebrações litúrgicas. Na tradição dominicana
diz-se que o silêncio é o pai dos pregadores. Necessitamos pois de silêncio.
Que nesta semana que
agora iniciamos sejamos capazes de guardar silêncio, de nos dispormos a escutar
o que o Senhor nos diz, a encontrar-nos com Ele para transformados e
conscientes na sua habitação em cada um de nós nos encontrarmos dignamente com
os nossos irmãos na busca comum do sentido da vida.
1 – Ecce Agnus Dei, de Giovanni di Paolo, Art Institute of Chicago.
2 – Correndo para o sepulcro, de Eugène Burnand, Musée d’Orsay, Paris.
"Vinde e Vede!..." É um convite feito aos apóstolos... Mas feito a cada um de nós que, no silêncio da sua alma, busca ouvir a palavra do Mestre. E dizer-Lhe como Samuel : " Fala, Senhor,que o teu servo escuta." Inter pars.
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