As leituras que
escutámos neste terceiro domingo interrelacionam-se por temáticas comuns, como
são a questão do tempo e a forma como o vivemos, como são a conversão que
necessitamos realizar em cada dia, em cada momento, no tempo que nos é
concedido viver.
A leitura do profeta
Jonas é certamente a mais clara e incisiva das leituras de hoje na questão da
conversão, pois Jonas vai à grande cidade de Nínive para provocar a mudança de
atitudes, para provocar a conversão, tão desejada por Deus, que não se vinga
nem quer a morte do pecador, mas pelo contrário que se converta e viva.
Contudo, e como nos
diz o texto lido, este apelo foi tido em consideração em pequeno espaço de
tempo. Jonas não precisou atravessar a cidade para ser escutado, bem pelo
contrário, os habitantes de Nínive perceberam a urgência da conversão, a
escassez do tempo, a sua brevidade, como nos recorda também São Paulo na
leitura da Carta aos Coríntios, e logo após o primeiro dia de anúncio
proclamaram um jejum e vestiram-se de saco, do maior ao mais pequeno, do rei
aos animais.
O Evangelho de São
Marcos que acabámos de escutar apresenta-nos no entanto já outra realidade, um
tempo que poderíamos dizer ultrapassado, pois Jesus sai a anunciar que o tempo
se cumpriu e o Reino de Deus Está próximo. Já não se trata de termos mais ou
menos tempo para mudar de vida, para a nossa conversão, mas de assumirmos a
conversão que nos é oferecida, a oportunidade e possibilidade de mudar de vida,
pela simples razão de que o Reino de Deus já está entre nós, no meio de nós.
É este o sentido do
convite de Jesus a Pedro e André que se encontram a pescar, o convite a acompanhá-lo
para serem pescadores de homens. A perspectiva é numa primeira abordagem
completamente descabida, pois como é possível pescar homens em vez de peixes;
mas quando olhamos o apelo como uma proposta a mudar de vida, a aceitar uma
outra vida que já não é apenas sua, mas acção da graça de Deus, do Espirito de
Deus, percebemos que Pedro e André podem ser pescadores de homens, assim como
cada um de nós, por essa vida nova vivida divinamente.
Olhando para o momento
seguinte e a diferenciação que o evangelista São Marcos faz relativamente aos
assalariados que ficaram com o pai de André e João, percebemos a novidade e
extravagância do convite e da proposta. Trata-se de uma alteração de estatuto,
de identidade, de relação, pois aqueles que seguem Jesus, os que aceitam ser
pescadores de homens não são já assalariados, mas bem pelo contrário amigos e íntimos
frequentadores do Senhor da messe. Trata-se daquilo que Jesus vai dizer mais
tarde aos discípulos, que já não são servos, escravos, mas amigos, aqueles que conhecem
a intimidade do seu amo e senhor, e portanto não podem deixar de ser como ele.
É claro que esta
alteração não acontece de um momento para o outro, temos que dizer que é
progressiva, pois todos nós estamos condicionados por aquilo de que nos
apropriamos, das pescarias que consideramos produto do nosso esforço e
trabalho. Os discípulos sofreram o mesmo, e por isso os vemos ainda depois da
ressurreição a perguntar a Jesus se ia restaurar o reino de Israel.
De facto, para acedermos
e vivermos a conversão que Jesus nos oferece temos que nos ultrapassar em
muitas realidades e desejos, em muitas gratificações e satisfações que buscamos,
temos que nos libertar do que nos ocupa e preocupa no quotidiano e que nos
afasta de Deus, da sua intimidade, da vida divina que nos é oferecida.
São Paulo na Carta aos
Coríntios apresenta-nos essa necessidade, essa mudança que temos que realizar
na perspectiva da provisoriedade das coisas, da sua limitação e finitude, afinal
como estão todas condenadas à morte, a desaparecer, e não podemos fixar aí nem
o nosso coração nem a nossa vida. E neste sentido, o índice mais incisivo desta
realidade é o nosso próprio corpo, que com a idade se vai centrando cada vez
mais, que na perda de capacidades vai perdendo relação com o exterior e se vai
fixando no interior, numa outra realidade que não dominamos.
O tempo que hoje nos é
concedido a cada um de nós é assim o tempo de Deus, um tempo em que o objecto
dos nossos desejos deve passar do exterior para o interior, em que Deus deve crescer
e tornar-se o centro da nossa vida e das nossas palavras.
Assim, o cristão não
se distingue, nem deve distinguir-se por práticas estranhas ou desumanas, por
rituais bizarros, mas por essa consciência da sua integração em Deus, por essa
atitude de fé e de esperança de que estamos chamados a ser bons, a ser
melhores, que Deus nos oferece a graça para isso, e portanto procuramos adequar
a nossa vida a essa possibilidade e oferta. Deus não é o extraordinário que nos
altera a vida, mas o centro da vida que vivemos extraordinariamente.
Que esta semana que
agora iniciamos fique marcada por esta alegria de Deus que habita em nós, por
esse desejo de querer viver com intensidade e plenitude, que certamente marcará
os nossos irmãos e os despertará para a mesma vida plena.
1 – A Vocação de Pedro e André, de Federico Barocci, Museu do Rei Jan III, Palácio de Wilanow, Varsóvia.
2 – Santa Maria Madalena Penitente, de Guido Reni, Walters Art Museum, Baltimore.
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