domingo, 11 de março de 2018

Homilia do IV Domingo da Quaresma Ano B

Estamos a celebrar o Quarto Domingo da Quaresma e a leitura do Evangelho apresenta-nos o encontro de Nicodemos com Jesus. É um encontro importante, significativo na vida de Nicodemos, pois vai conduzi-lo das trevas à luz, da marginalidade do medo à coerência e fidelidade pública a Jesus.
Se neste primeiro encontro Nicodemos vem de noite encontrar-se com Jesus, por medo dos judeus, mais tarde, já em acesa polémica sobre a estratégia para condenar Jesus, ele defende-o destemidamente no meio do sinédrio, mostrando assim a sua conversão, a nova vida que abraçou com Jesus.
Para cada um de nós, este encontro de Nicodemos com Jesus é também importante e significativo, pois oferece-nos a proposta de uma mudança de vida, apresenta-nos a mão que nos é estendida por Deus. Podemos dizer que Nicodemos é o protótipo daquele que procura, daquele que se arrisca na noite do desconhecido para se encontrar com Deus e com um sentido para a sua vida.
Face a esta busca, a esta procura de sentido, Jesus oferece a Nicodemos, como a cada um de nós, uma resposta que se tece com os fios do amor, do juízo, da verdade e da luz. Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o homem seja salvo, enviou-o pelo grande amor que tem pela sua obra, e neste envio, neste grande mistério que é a encarnação, está já presente o juízo que Deus faz do homem.
Não é um juízo de condenação, bem pelo contrário, é um juízo de salvação, um juízo de misericórdia que abre novas perspectivas de relação e intimidade, um juízo que conduz à verdade de cada um, uma verdade que diz o nosso ser humano e divino, mas que apenas se revela e se torna clara à luz do mistério do Filho feito homem.
Por isso a necessidade de acreditar, tão abundantemente referida no excerto que escutámos do Evangelho, pois só acreditando acolhemos a graça que nos é oferecida, alcançamos o poder de transformação da nossa vida. Quem não acredita no Filho já está condenado, pois exclui-se da oferta de salvação que o Filho transporta em si.
No processamento da nossa resposta, na fé que se expressa na disponibilidade para o acolhimento do juízo de Deus expresso no seu Filho muito amado, o homem necessita desenvolver em si uma capacidade ou atitude que muitas vezes não está devidamente desenvolvida, como é a lucidez.
A lucidez é uma virtude humana que possibilita uma resposta adequada do homem à graça de Deus, ao que nos oferece na sua proposta de amor, de juízo, verdade e luz, pois a lucidez assume também essas dimensões, ainda que no âmbito limitado e contingente do homem. É assim urgente para o homem, para cada um de nós, procurar desenvolver a sua lucidez, cuidando a verdade da sua vida, o juízo que realiza dela, e a luz que a ilumina e com que se confronta.
Não é uma tarefa fácil, na medida em que, tal como nos refere Jesus, nos obriga a colocar as nossas infidelidades e fragilidades à luz, a retirá-las das sombras em que se escondem para que sejam iluminadas pela verdade de Deus.
Neste aspecto, e faz-nos sorrir a semelhança, a proposta de Jesus aproxima-se bastante das ideias desenvolvidas por Freud na psicanálise, que propõe igualmente a iluminação, o trazer à tona da nossa consciências aquelas realidades e acontecimentos que escondemos no mais profundo do nosso ser, uma vez que nos envergonham, que nos fazem sentir incapazes, limitados e frágeis, que destroem a nossa gratificante auto imagem.
Com o auxílio da lucidez podemos fazer uma leitura crítica das nossas realidades, das nossas falhas e desastres, mas também das nossas forças e vitórias, dos nossos combates bem-sucedidos, podemos fazer a leitura teológica da nossa história tal como o autor do livro das Crónicas fez dos desaires do povo de Israel, descobrindo que Deus nunca deixou de estar presente, nem no momento de pecado, nem no momento de exílio, nem no regresso à terra prometida. Deus permanece fiel apesar das nossas infidelidades, e salva-nos gratuitamente pela sua graça como diz São Paulo na Carta aos Efésios.
Face a esta gratuidade e fidelidade não podemos deixar de caminhar com alegria e confiança ao encontro do Senhor, essa alegria que liturgicamente este quarto domingo da Quaresma nos coloca diante dos olhos com o aligeirar das cores dos paramentos ao deixarmos o roxo e vestirmos o rosa. No nosso horizonte perfila-se já a vitória e é ela que nos deve animar e motivar a um esforço mais, a um novo combate, pois tudo está ao nosso alcance com a graça de Deus.
Nesta quarta semana da Quaresma, que hoje iniciamos, vamos procurar viver com verdade, iluminar o que nos envergonha e inferioriza com a luz de Cristo, no fundo viver lucidamente, e adequar as nossas obras ao fim a que se destinam, ou seja, não à nossa glória mundana, mas para conformidade da nossa vida com a vida da graça pela qual fomos salvos.

 
Ilustração:
1 – “´Discípulos de Emaús”, pintura de Arcabas, igreja de Saint Hugues le Chartreuse, Grenoble.  
2 – “Jesus e Nicodemos”, de Henry Ossawa Tanner, Pennsylvania Academy of the Fine Arts.

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