A leitura do Evangelho
de São Marcos apresenta-nos neste domingo a pergunta que Jesus faz aos discípulos
e que é de todos nós conhecida, “quem dizeis que eu sou”; uma questão, num
primeiro momento, relacionada com terceiros, mas depois relacionada com cada um
deles; uma questão que cada um de nós deve procurar responder, tal como Pedro
respondeu.
Contudo, e na medida em
que todos devemos dizer quem é Jesus, não podemos perder de vista que esta
questão é colocada aos discípulos enquanto se encontram em caminho, em direcção
às terras de Cesareia de Filipe. Também a nós é colocada esta questão enquanto nos
encontramos em caminho, em processo, também a nós nos é colocada nas fronteiras
da nossa existência, nos terrenos que escapam ao nosso conforto. E é aí, nesses
territórios inóspitos do encontro com o outro ou por evangelizar da nossa
existência, que devemos dar a resposta.
Uma resposta que não é
nem pode ser sempre a mesma, que não pode ser única para a vida. Infelizmente muitos
dos nossos irmãos encontraram uma resposta simples na sua infância, na
catequese, na tradição familiar e contentaram-se com ela, ou não se aperceberam
que ela devia evoluir, construir-se e reconstruir-se em cada etapa da vida.
Uma criança pode dizer
que Jesus é amigo, pode e deve fazer essa experiência, mas um jovem deve já
dizer mais alguma coisa de Jesus, deve percebê-lo na sua juventude, no espirito
de abertura e autonomia, na liberdade que anseia, no desejo de um mundo melhor.
Um homem e uma mulher maduros devem ter outra experiência e dar outra resposta,
Jesus já não é só amigo, é também caminho de vida já trilhado, é verdade encontrada
na humanidade e na fraternidade, é companheiro de viagem para os bons e maus
momentos. Ao declinar da vida, Jesus amigo é aquele que abre a porta para a
passagem para a outra vida, é o companheiro do silêncio, é o ressuscitado que
nos afiança a ressurreição, é o sentido para que tudo o vivido não tenha sido
em vão na medida em que foi vivido com amor.
A nossa resposta à pergunta
de Jesus, nas diversas fases da nossa vida, tão pouco pode ser uma resposta teórica,
uma resposta conceptual, fruto de tudo o que lemos ou aprendemos nos livros ou
do que escutámos dos outros. Será inevitavelmente uma resposta pobre, se é que
chegará a ser resposta, porque a nossa resposta verdadeira, convicta, é uma
resposta de vida, é uma resposta de obras como nos diz a Carta de São Tiago que
escutámos.
Não podemos pretender
dar uma resposta a Jesus e de Jesus se não a traduzirmos em obras, em gestos
concretos do nosso quotidiano, e é por essa razão que ele diz aos discípulos que
se alguém o quer seguir deve tomar a sua cruz. Muitas vezes, e muitos dos nossos
irmãos assim o vivem, assumimos este carregar a cruz como uma inevitabilidade
que temos que abraçar, como um jugo ao qual não podemos escapar. A cruz torna-se
um castigo, um fardo pesado.
No entanto, se algum
peso há na cruz é porque a cruz está em confronto com o mundo, com os valores e
pretensões do mundo, desse mundo de que Pedro faz eco quando se coloca a
dissuadir Jesus para não levar a cabo a sua missão de entregar a vida para nos
dar a vida. O peso da cruz resulta desse confronto interno do nosso coração
entre os valores do espirito, a vida divina, e os valores do mundo, poderíamos
dizer o nosso orgulho e auto-referência. A lógica da cruz, que é lógica de
amor, opõe-se à lógica do mundo, que é a lógica da satisfação egoísta.
Mas, se como cristãos,
discípulos que procuram ser fiéis no seguimento de Jesus, assumimos a cruz, na
sua lógica de amor, e com ela todos os combates do mundo, não o podemos fazer
de forma infantil, ingénua, tal seria enganar-nos e conceber uma resposta
equivocada e até leviana ao que temos de dizer sobre Jesus e de Jesus. A cruz é
exigente, solicita-nos um esforço, uma entrega; como nos diz Jesus, um perder a
vida para a ganhar, um sair de nós para ir ao encontro do outro que nos
interpela como imagem e semelhança de Deus, como primeiro apelo de Deus ao
amor.
Contudo, nesta
exigência radical, neste perder a vida, não podemos esquecer que a cruz que carregamos
cada dia é uma experiência partilhada a dois, é uma sintonia e uma unidade com
Aquele que é o nosso advogado, o nosso defensor, como nos dizia a leitura do
profeta Isaías, com Aquele que já nos livrou da morte pela sua vida entregue em
total liberdade e abandono confiante à vontade salvífica do Pai.
A cruz, e com ela a
resposta que damos quotidianamente dizendo quem é Jesus, deve estar imbuída desta
convicção e confiança, desta fé, deve expressar com coragem e ousadia que o
Senhor nos acompanha, que é o seu Espirito que nos inspira as respostas como
inspirou a afirmação de Pedro “Tu és o Messias”. Ancorados nesta verdade
caminhamos na terra dos vivos, entre os homens e mulheres, mas paralelamente na
presença do Senhor, em estreita união com Ele e com a sua Palavra de Vida.
Alimentados pela
Palavra de Deus, fortalecidos pelo Corpo e Sangue desta Eucaristia, podemos assim,
nesta semana que agora iniciamos, levar a nossa cruz com mais alegria e
confiança, pois se nela experimentamos a nossa fraqueza e debilidade fazemos
também a experiência da graça e da força de Deus.
2 – “Santo André”, de Andrey Mironov.
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