segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Homilia XXVII Domingo do Tempo Comum - Ano A

Queridos Irmãos

O Evangelho de São Mateus continua a apresentar-nos o conflito de Jesus na cidade santa de Jerusalém com os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo. Sabendo que não tem nada a perder, Jesus é cada vez mais audaz e confronta as autoridades religiosas com a inevitabilidade da perda da aliança com Deus face à infidelidade a essa mesma aliança.

No domingo passado a infidelidade era apresentada através da parábola dos dois filhos convidados a trabalhar na vinha do pai, hoje essa infidelidade e as suas consequências são apresentadas nesta parábola conhecida como dos vinhateiros homicidas. Tomando como pano de fundo a profecia de Isaías que escutámos na primeira leitura, Jesus apresenta aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo a sua infidelidade, a falta de cuidado da vinha do Senhor, e a consequente perda dessa vinha para outro povo que dará a seu tempo o que é devido.

A consequência da falta de cuidado da vinha e da recusa em entregar os seus frutos a devido tempo é intemporal e por isso pode estar também à espreita na nossa vida, se não nos precavermos e não tivermos cuidado com os dons que nos são concedidos, com a graça de Deus, pois não só somos também vinhateiros da vinha do Senhor, mas somos primordialmente a própria vinha, as videiras escolhidas que foram plantadas pelo Senhor, e possuímos desde já a herança que o Filho nos alcançou, razão para não o matarmos e lançarmos fora da vinha com as nossas incoerências e infidelidades, com o nosso pecado.

A verdade, é que nos é muito mais fácil perceber e assumir o papel dos vinhateiros, a função de administradores. Temos um conjunto de dons que administramos, o que nos dá prazer e satisfação, que de certa maneira nos satisfaz no nosso desejo de propriedade e apropriação. Contudo, já não é tão fácil perceber nem assumir que a propriedade não é nossa, e mais ainda, que esta propriedade só tem existência substancial na medida em que está ligada, filiada a uma outra existência, a outra pessoa que é Deus. Afinal nós somos as vides enxertadas na única cepa que é Cristo e da qual recebemos a seiva que nos alimenta e faz produzir frutos.

Assim, a nossa função de vinhateiros é fundamentalmente uma função de canalizadores ou catalisadores da seiva que circula da nossa relação com Jesus Cristo, uma seiva que leva por si própria, pela sua vitalidade intrínseca, à produção dos verdadeiros frutos, que devemos deixar crescer e desenvolver na nossa própria vida e existência. Estes frutos são já participação antecipada na herança, uma vez que são geradores de plenitude, de sentido de realização, de felicidade, da configuração com o Filho de Deus.

Não é no entanto fácil viver nesta dinâmica, de certa forma nesta dependência relacional, e por isso deixamo-nos muito facilmente vencer pelo nosso orgulho, pelo nosso desejo de ser donos e senhores da vinha e dos frutos, e desta forma possibilitamos que entre no nosso coração a inquietação, uma espécie de turbulência que nos distrai de nós próprios, dos outros e fundamentalmente de Deus. Assim, é com muita frequência que escutamos e dizemos na confissão que na nossa oração somos frequentemente invadidos por pensamentos e problemas que nos distraem na nossa oração, que nos impedem de experimentar a paz da oração.

Perante tal realidade, São Paulo deixávamos na leitura da Carta aos Filipenses um conselho, uma sugestão, que é o de apresentarmos a Deus as nossas inquietações, o de fazermos oração a partir dessa turbulência que nos invade, pois dessa maneira não só estamos a libertar o espírito das inquietações, mas com elas estamos a apresentar as pessoas, os problemas, que à luz de Deus encontram outra dimensão, outros contornos, uma paz que apenas Deus nos pode conceder. No entanto, temos de assumir que muitas vezes esta intranquilidade, estas inquietações são também falta da vivência das virtudes de que igualmente a mesma Carta nos fala. Quando olhamos para os nossos pensamentos, palavras e acções, quanto podemos avaliar de verdade e nobreza, de justiça e pureza, de amabilidade e boa reputação?

E no entanto São Paulo recomenda-nos que todas estas virtudes devem estar no nosso pensamento, devem cunhar tudo o que fazemos e somos. Na medida em que elas estão presentes, nos moldam, a paz de Deus guardará os nosso corações, libertar-nos-á da turbulência das inquietações na oração, e fará com que o nosso espírito seja mais livre, mais humilde, mais confiante na aceitação da vida que Deus nos concede enquanto intimamente ligados a Ele.

Procuremos pois, nesta semana que vamos iniciar, pautar o nosso agir por alguma destas virtudes, para que possamos não só estar mais em sintonia com Deus, mas também mais fortes para partilharmos a vida com os nossos irmãos a quem o Senhor nos envia para ajudar na recolha dos bons frutos. Que o Espirito de Deus nos inspire e ilumine.

Ilustração:

1 - Os vinhateiros homicidas, de Domenico Fetti, Currier Museum of Art, Mancheste, New Hampshire.

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