domingo, 18 de outubro de 2020

Homilia XXIX Domingo do Tempo Comum - Ano A

Caríssimos Irmãos

Certamente já todos ouvimos dizer que Jesus foi um revolucionário, certamente nós próprios já o afirmámos em algum momento, em algum debate. Podemos dizer que se utiliza esta categoria para falar e apresentar Jesus aos mais novos, num ímpeto de apresentar aquele em quem acreditamos como alguém que se configura com o nosso desejo de mudança, com o nosso sonho de um mundo melhor.

Contudo, e a bem da verdade, Jesus não foi um revolucionário e muito menos um idealista, por muito que isso nos custe e até nos dificulte o discurso sobre ele. E a passagem do Evangelho de São Mateus que escutamos hoje dá-nos claramente essa informação. Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Desolação para os herodianos e fariseus que pretendiam apanhar Jesus numa manifestação revolucionária e de desobediência, assim como para os zelotas independentistas que perceberam que Jesus jamais tomaria o partido da luta armada contra o invasor e opressor.

Para compreender melhor a marginalidade da política de Jesus, a sua posição ideológica, se assim podemos falar, basta-nos olhar para o exemplo de duas grandes revoluções, a revolução francesa de 1789 e a revolução russa de 1917, e lê-las à luz dos critérios apresentados nos tratados e ensaios políticos, como o de Louis Latzarus de 1928.

Qualquer revolução começa sempre por um movimento idealista, por uma proposta de algo inatingível, mas ainda assim atractivo e passível de existir, como a igualdade para todos. Esse ideal move os homens à acção e nesse movimento surgem os demolidores, aqueles que na sua acção destroem as estruturas e a organização social e política, como se tudo fosse mau e se tivesse que começar do zero, um novo mundo que deve surgir. O caos gerado nesta destruição conduz ao aparecimento do tirano, do salvador da pátria que tudo subjuga para que a ordem seja restabelecida, numa proposta ainda idealista de que é para o bem de todos.

Face à logica e desenvolvimento deste processo Jesus não pode ser visto como um revolucionário, pois não quis demolir nada, apenas entregou o templo do seu corpo para ser destruído; nunca se apresentou com aspirações de tirano, mas concedeu a liberdade a todos os que eram escravos do pecado e da marginalização religiosa; e muito menos pode ser considerado um idealista, uma vez que não nos apresenta um ideal inatingível, mas pelo contrário um projecto muito concreto, muito humano, que não conduz a uma ilusão.

O Jesus que os Evangelhos nos apresentam é um homem simples, humanamente desconcertante na sua simplicidade e pureza, no seu acolhimento dos outros, mesmo daqueles que atentam contra si, um homem que é reconhecido como o Messias de Deus pelo caminho de libertação que nos revela e oferece. Por isso se nos torna tão difícil falar dele às vezes, na medida em que é difícil falar de liberdade.  

E para cada um de nós, seus discípulos, é esta a dimensão que nos interessa e deve ocupar, pois também a cada um de nós é confiada esta missão de libertação, tal como foi confiada ao rei Ciro da Pérsia, que a leitura do profeta Isaías nos apresentava. Um pagão, um estrangeiro, é eleito e enviado por Deus para reconduzir o povo de Israel à sua terra, para o libertar da escravidão nos países estrangeiros. Ciro é um ungido de Deus como vai ser Jesus, apesar da dimensão e natureza das missões ser completamente díspar.

Como cristãos que estamos no mundo e convidados a transformar o mundo em que nos encontramos, a resposta de Jesus à interpelação dos fariseus e herodianos sobre o tributo a pagar a César é iluminadora da nossa relação com a política e o mundo; afinal não estamos chamados a provocar uma revolução, mas a desenvolver uma libertação. Essa é a nossa missão de baptizados.

No contexto histórico em que nos encontramos, quando o desânimo nos ataca e surgem desejos de revolução, provocados pelas injustiças e incoerências, temos que discernir os modos de proceder, de modo a não cairmos na tentação de uma revolução, mas a conduzirmos conjuntamente uma verdadeira e profunda libertação de todos.  

Neste sentido, é de todo urgente atentar nas palavras de São Paulo aos cristãos da comunidade de Tessalónica. “Recordamos a actividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança”. Três virtudes teologais, fé, esperança e caridade, e três virtudes morais, disposições para actuar bem, acção diligente, esforço paciente, firmeza perseverante.

Assim, nesta semana que agora vamos iniciar, que as nossas palavras e gestos estejam iluminados e marcados pela fé, pelo sentido de que Deus nos chama e nos envia a fazer o bem, a colaborar na sua obra da criação, de uma forma diligente, sem preguiça e sem medo; que a nossa caridade apesar do que possa implicar de esforço e paciência não deixe de estar presente em pequenos gestos de atenção ao outro, somos responsáveis uns dos outros, “fratelli tutti”; e por fim, que sejamos perseverantes na esperança, porque pode não acabar tudo bem, para as vítimas mortais da pandemia não vai acabar bem, mas ainda assim que a nossa consciência não nos acuse de termos deixado alguém para trás, de termos derrotado alguém com uma palavra de desalento.

Demos a César o que é de César, ao mundo o que pertence à idolatria do mundo e às suas forças, e a Deus o que é de Deus, a divina humanidade de cada um de nós cuidada diligentemente com amor e humildade.

Que a Senhora do Rosário nos proteja e acompanhe na missão destes dias.


Ilustração:

1 – Dai a César o que é de César, de Jacek Malczewski, Museu Nacional de Poznan.

2 – Ciro e os Hebreus, de Jean Fouquet, Antiguidades Judaicas, Biblioteca Nacional de França.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário