Caríssimos Irmãos
Certamente já todos ouvimos dizer que
Jesus foi um revolucionário, certamente nós próprios já o afirmámos em algum
momento, em algum debate. Podemos dizer que se utiliza esta categoria para
falar e apresentar Jesus aos mais novos, num ímpeto de apresentar aquele em
quem acreditamos como alguém que se configura com o nosso desejo de mudança,
com o nosso sonho de um mundo melhor.
Contudo, e a bem da verdade, Jesus
não foi um revolucionário e muito menos um idealista, por muito que isso nos
custe e até nos dificulte o discurso sobre ele. E a passagem do Evangelho de
São Mateus que escutamos hoje dá-nos claramente essa informação. Dai a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus. Desolação para os herodianos e
fariseus que pretendiam apanhar Jesus numa manifestação revolucionária e de
desobediência, assim como para os zelotas independentistas que perceberam que
Jesus jamais tomaria o partido da luta armada contra o invasor e opressor.
Para compreender melhor a
marginalidade da política de Jesus, a sua posição ideológica, se assim podemos
falar, basta-nos olhar para o exemplo de duas grandes revoluções, a revolução
francesa de 1789 e a revolução russa de 1917, e lê-las à luz dos critérios
apresentados nos tratados e ensaios políticos, como o de Louis Latzarus de
1928.
Qualquer revolução começa sempre por
um movimento idealista, por uma proposta de algo inatingível, mas ainda assim
atractivo e passível de existir, como a igualdade para todos. Esse ideal move
os homens à acção e nesse movimento surgem os demolidores, aqueles que na sua
acção destroem as estruturas e a organização social e política, como se tudo
fosse mau e se tivesse que começar do zero, um novo mundo que deve surgir. O
caos gerado nesta destruição conduz ao aparecimento do tirano, do salvador da
pátria que tudo subjuga para que a ordem seja restabelecida, numa proposta
ainda idealista de que é para o bem de todos.
Face à logica e desenvolvimento deste
processo Jesus não pode ser visto como um revolucionário, pois não quis demolir
nada, apenas entregou o templo do seu corpo para ser destruído; nunca se
apresentou com aspirações de tirano, mas concedeu a liberdade a todos os que
eram escravos do pecado e da marginalização religiosa; e muito menos pode ser
considerado um idealista, uma vez que não nos apresenta um ideal inatingível,
mas pelo contrário um projecto muito concreto, muito humano, que não conduz a
uma ilusão.
O Jesus que os Evangelhos nos
apresentam é um homem simples, humanamente desconcertante na sua simplicidade e
pureza, no seu acolhimento dos outros, mesmo daqueles que atentam contra si, um
homem que é reconhecido como o Messias de Deus pelo caminho de libertação que
nos revela e oferece. Por isso se nos torna tão difícil falar dele às vezes, na
medida em que é difícil falar de liberdade.
E para cada um de nós, seus discípulos, é esta a dimensão que nos interessa e deve ocupar, pois também a cada um de nós é confiada esta missão de libertação, tal como foi confiada ao rei Ciro da Pérsia, que a leitura do profeta Isaías nos apresentava. Um pagão, um estrangeiro, é eleito e enviado por Deus para reconduzir o povo de Israel à sua terra, para o libertar da escravidão nos países estrangeiros. Ciro é um ungido de Deus como vai ser Jesus, apesar da dimensão e natureza das missões ser completamente díspar.
Como cristãos que estamos no mundo e
convidados a transformar o mundo em que nos encontramos, a resposta de Jesus à
interpelação dos fariseus e herodianos sobre o tributo a pagar a César é
iluminadora da nossa relação com a política e o mundo; afinal não estamos
chamados a provocar uma revolução, mas a desenvolver uma libertação. Essa é a
nossa missão de baptizados.
No contexto histórico em que nos
encontramos, quando o desânimo nos ataca e surgem desejos de revolução,
provocados pelas injustiças e incoerências, temos que discernir os modos de
proceder, de modo a não cairmos na tentação de uma revolução, mas a conduzirmos
conjuntamente uma verdadeira e profunda libertação de todos.
Neste sentido, é de todo urgente
atentar nas palavras de São Paulo aos cristãos da comunidade de Tessalónica.
“Recordamos a actividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza
da vossa esperança”. Três virtudes teologais, fé, esperança e caridade, e três
virtudes morais, disposições para actuar bem, acção diligente, esforço paciente,
firmeza perseverante.
Assim, nesta semana que agora vamos
iniciar, que as nossas palavras e gestos estejam iluminados e marcados pela fé,
pelo sentido de que Deus nos chama e nos envia a fazer o bem, a colaborar na
sua obra da criação, de uma forma diligente, sem preguiça e sem medo; que a
nossa caridade apesar do que possa implicar de esforço e paciência não deixe de
estar presente em pequenos gestos de atenção ao outro, somos responsáveis uns
dos outros, “fratelli tutti”; e por fim, que sejamos perseverantes na esperança,
porque pode não acabar tudo bem, para as vítimas mortais da pandemia não vai acabar
bem, mas ainda assim que a nossa consciência não nos acuse de termos deixado
alguém para trás, de termos derrotado alguém com uma palavra de desalento.
Demos a César o que é de César, ao
mundo o que pertence à idolatria do mundo e às suas forças, e a Deus o que é de
Deus, a divina humanidade de cada um de nós cuidada diligentemente com amor e
humildade.
Que a Senhora do Rosário nos proteja e acompanhe na missão destes dias.
Ilustração:
1 – Dai a César o que é de César, de
Jacek Malczewski, Museu Nacional de Poznan.
2 – Ciro e os Hebreus, de Jean
Fouquet, Antiguidades Judaicas, Biblioteca Nacional de França.
Sem comentários:
Enviar um comentário