domingo, 13 de dezembro de 2020

Homilia Domingo III do Advento - Ano B

Queridos Irmãos

 Estamos a celebrar o terceiro domingo do Advento, conhecido como o domingo Gaudete, o domingo da alegria. Em cada ano, em cada caminhada de preparação para uma festa importante, como o Natal e a Páscoa encontramos mais ou menos a meio do percurso um domingo de alegria, um convite a recobrar o ânimo face ao desgaste do esforço da caminhada.

Este convite feito a meio do Advento e da Quaresma deveria, no entanto, ser um convite e um desafio a ter presentes ao longo de todo o ano. Os cristãos deveriam ser homens e mulheres alegres. Já o filósofo Nietzsche dizia que se os cristãos fossem mais alegres ponderaria a sua conversão. Afinal o que fizemos com a nossa alegria, com a alegria de nos sabermos filhos amados de Deus, homens e mulheres resgatados à condenação da finitude eterna?

Ao prepararmos o Natal do Senhor e ao celebrar este domingo Gaudete o convite à alegria ressoa nos nossos ouvidos, mas poderemos confundir a alegria com a euforia, a alegria que nasce do coração e da sua segurança em Deus com a euforia que brota dos movimentos de satisfação imediata, do nosso egoísmo. E é necessário estar vigilantes, porque nos mecanismos de expectativa e satisfação que nos são inerentes podemos facilmente passar de uma experiência de dom a uma embriaguez de expectativa e satisfação.

Neste sentido, e para um discernimento das coisas boas, de que nos falava a leitura da Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, do discernimento da verdadeira alegria é bom que tenhamos presente a experiência e a história de João Baptista que escutámos no Evangelho de São João deste domingo.

João Baptista situa-se no deserto, porque é assim, nesse lugar de despojamento e de fragilidade que se pode encontrar e pode responder às razões da sua missão e da sua alegria. É essa experiência do encontro consigo e com Deus que lhe permite não se iludir nem se desviar com as multidões que o procuram, com a fama que tinha granjeado. É nessa experiência de despojamento e fragilidade que se descobre existente em função de outro, daquele que ele reconhece já presente no meio da multidão. João não é um profeta, não é Elias, não é o Messias, não é ninguém por si só, mas é a voz do que clama no deserto, é alguém em relação com o outro.

Também cada um de nós poderá fazer essa experiência, perguntando-se quem é, afinal quem é que eu sou, e certamente vai encontrar-se com as mesmas respostas que João Baptista, o não ser por si próprio, e ser por alguém. Eu sou filho de alguém, sou irmão de alguém, sou membro de uma família, de uma equipa de trabalho, de uma comunidade, de um partido ou de um clube. Nós somos alguém por referências externas a nós próprios, porque se nos formos construir e definir simplesmente por nós descobrirmos que não somos.

E é interessante verificar como João Baptista faz a experiência da alegria em relação com outro, e de modo claro com Jesus, ainda antes do seu nascimento, quando Maria visita Isabel e João estremece de alegria no seio de Isabel. Não sabemos qual foi o tipo de relação entre estes primos, mas os encontros devem ter sido sempre experiências de profunda alteridade e dessa forma de grande alegria.  

E é aqui que se joga a nossa experiência de alegria, o nosso encontro com esse dom que Deus nos faz, na experiência de alteridade, um Deus que é outro que vem ao nosso encontro, que se faz humanidade para que nos possamos encontrar com ele, mas também para que possamos perceber nos outros nossos irmãos, homens e mulheres, o quanto diferentes são e dessa forma instrumentos da nossa alegria. É nesta alteridade que descobrimos e fazemos a experiência de que aquele que vem depois de João está já também presente no meio de nós.

Ao iniciarmos esta terceira semana do Advento, ao darmos mais um passo no sentido da experiência profunda do Natal de Jesus, procuremos, pois, estar atentos aos que nos definem, aos nossos irmãos que nos fazem ser, nos dão corpo identitário, e apesar das nossas fragilidades e das fragilidades deles não desistamos de fazer a experiência da verdadeira alegria.

Afinal, a vocação de todo e qualquer cristão é a de gritar no meio do deserto, no meio desta pandemia que nos traz desorientados, desalentados, que aquele que esperamos, aquele que nos dá a verdadeira e definitiva identidade está já presente no meio de nós, faz-se vida e carne que podemos tocar em cada um dos nossos irmãos, na fraternidade e no amor que partilhamos na prossecução da plenitude e realização de todos.


Ilustração:

1 – Aparição de Cristo ao povo, Alexander Ivanov, Tretyakov Galery, Moscovo.

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