Queridos Irmãos
Este convite feito a meio do Advento
e da Quaresma deveria, no entanto, ser um convite e um desafio a ter presentes
ao longo de todo o ano. Os cristãos deveriam ser homens e mulheres alegres. Já o
filósofo Nietzsche dizia que se os cristãos fossem mais alegres ponderaria a
sua conversão. Afinal o que fizemos com a nossa alegria, com a alegria de nos
sabermos filhos amados de Deus, homens e mulheres resgatados à condenação da
finitude eterna?
Ao prepararmos o Natal do Senhor e ao
celebrar este domingo Gaudete o convite à alegria ressoa nos nossos ouvidos,
mas poderemos confundir a alegria com a euforia, a alegria que nasce do coração
e da sua segurança em Deus com a euforia que brota dos movimentos de satisfação
imediata, do nosso egoísmo. E é necessário estar vigilantes, porque nos
mecanismos de expectativa e satisfação que nos são inerentes podemos facilmente
passar de uma experiência de dom a uma embriaguez de expectativa e satisfação.
Neste sentido, e para um
discernimento das coisas boas, de que nos falava a leitura da Carta de São
Paulo aos Tessalonicenses, do discernimento da verdadeira alegria é bom que
tenhamos presente a experiência e a história de João Baptista que escutámos no
Evangelho de São João deste domingo.
João Baptista situa-se no deserto,
porque é assim, nesse lugar de despojamento e de fragilidade que se pode
encontrar e pode responder às razões da sua missão e da sua alegria. É essa experiência
do encontro consigo e com Deus que lhe permite não se iludir nem se desviar com
as multidões que o procuram, com a fama que tinha granjeado. É nessa
experiência de despojamento e fragilidade que se descobre existente em função
de outro, daquele que ele reconhece já presente no meio da multidão. João não é
um profeta, não é Elias, não é o Messias, não é ninguém por si só, mas é a voz
do que clama no deserto, é alguém em relação com o outro.
Também cada um de nós poderá fazer
essa experiência, perguntando-se quem é, afinal quem é que eu sou, e certamente
vai encontrar-se com as mesmas respostas que João Baptista, o não ser por si
próprio, e ser por alguém. Eu sou filho de alguém, sou irmão de alguém, sou
membro de uma família, de uma equipa de trabalho, de uma comunidade, de um
partido ou de um clube. Nós somos alguém por referências externas a nós próprios,
porque se nos formos construir e definir simplesmente por nós descobrirmos que
não somos.
E é interessante verificar como João
Baptista faz a experiência da alegria em relação com outro, e de modo claro com
Jesus, ainda antes do seu nascimento, quando Maria visita Isabel e João
estremece de alegria no seio de Isabel. Não sabemos qual foi o tipo de relação
entre estes primos, mas os encontros devem ter sido sempre experiências de profunda
alteridade e dessa forma de grande alegria.
E é aqui que se joga a nossa
experiência de alegria, o nosso encontro com esse dom que Deus nos faz, na
experiência de alteridade, um Deus que é outro que vem ao nosso encontro, que
se faz humanidade para que nos possamos encontrar com ele, mas também para que
possamos perceber nos outros nossos irmãos, homens e mulheres, o quanto
diferentes são e dessa forma instrumentos da nossa alegria. É nesta alteridade que
descobrimos e fazemos a experiência de que aquele que vem depois de João está
já também presente no meio de nós.
Ao iniciarmos esta terceira semana do
Advento, ao darmos mais um passo no sentido da experiência profunda do Natal de
Jesus, procuremos, pois, estar atentos aos que nos definem, aos nossos irmãos
que nos fazem ser, nos dão corpo identitário, e apesar das nossas fragilidades
e das fragilidades deles não desistamos de fazer a experiência da verdadeira alegria.
Afinal, a vocação de todo e qualquer cristão é a de gritar no meio do deserto, no meio desta pandemia que nos traz desorientados, desalentados, que aquele que esperamos, aquele que nos dá a verdadeira e definitiva identidade está já presente no meio de nós, faz-se vida e carne que podemos tocar em cada um dos nossos irmãos, na fraternidade e no amor que partilhamos na prossecução da plenitude e realização de todos.
Ilustração:
1 – Aparição de Cristo ao povo, Alexander Ivanov, Tretyakov Galery, Moscovo.
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