domingo, 6 de dezembro de 2020

Homilia Domingo II do Advento - Ano B

Queridos Irmãos

A leitura do Evangelho do domingo passado, primeiro domingo do Advento, convidava e desafiava-nos a vigiar, a estar atentos ao que vai acontecendo na nossa vida, e de modo particular ao que vamos fazendo com a graça e missão que o Senhor nos confia.

Hoje a leitura do Evangelho de São Marcos, bem como a leitura do profeta Isaías, convidam-nos e desafiam-nos a preparar o caminho do Senhor, a endireitar as veredas da nossa vida para que ele possa vir ao nosso encontro.

Neste sentido, é de todo conveniente perguntar-nos o que temos feito, que preparação temos realizado, e sobretudo qual a sua qualidade. E para nos elucidar da necessidade de qualidade desta preparação nada como recordar um acontecimento histórico do final do século dezoito na Rússia.

Quando Catarina II quis visitar a Crimeia, o seu ministro, para que ela não visse a miséria e pobreza em que vivia o povo russo, foi tapando as miseráveis moradias dos camponeses com fachadas falsas feitas de cartão, que iam sendo mudadas ao ritmo da passagem da czarina. Ficaram conhecidas como as casas Potemkine, pois assim se chamava o ministro.

Na nossa caminhada de preparação para celebrar o Natal de Jesus, do Filho de Deus feito homem, podemos e devemos perguntar-nos sobre as fachadas que estamos a construir, as máscaras que estamos a colocar no nosso processo de preparação do caminho para o Senhor.

Propomo-nos rezar com um renovado afinco, planeamos um gesto de partilha e fraternidade com aqueles que não têm, esboçamos uma nova atitude para com aqueles que vivem connosco e partilham o nosso ritmo quotidiano. Mas será isto verdadeira preparação do caminho do Senhor, ou uma fachada para não nos envolvermos numa profunda reforma, para não enfrentarmos a nossa pobreza e miséria?

A leitura de hoje do Evangelho apresenta-nos também essa figura carismática, com verdadeiro perfil de líder religioso, que foi João Baptista, um homem que vive de forma austera, com uma palavra exigente, e que se situa nas margens do rio Jordão no deserto. A sua extravagância leva os outros ao seu encontro, a fazer essa experiência do deserto tão querida à história da revelação e ao encontro de Deus com os homens.

É no deserto que Deus se revela, nesse espaço imenso em que o homem faz a experiência das suas limitações, da sua incapacidade e pequenez, da sua fragilidade. Os homens de Jerusalém vão ao deserto escutar João Baptista e podem fazer esta experiência, encontrar-se consigo próprios e o apelo de Deus a uma vida mais justa.

A nossa preparação do caminho do Senhor passa assim inevitavelmente pela ida ao deserto, pelo encontro com a nossa pequenez e fragilidade, com a nossa condição pecadora. Só a partir desse confronto podemos verdadeiramente começar a reforma, a construir uma nova face para as nossa vidas, a preparar o nosso coração para o nascimento de Deus.

Na nossa caminhada de Advento, e de crentes ao longo do ano, podemos esforçar-nos por um objectivo, malhar duro como num exercício de ginásio, mas estaremos apenas a viver uma ascese heroica; podemos também desenvolver um activismo frenético, que não deixará de ser apenas isso; no entanto, para uma profunda e verdadeira conversão temos de deixar o coração deserto, abrir o coração pobre e pecador à graça filial que o Senhor nos concede. Como disse o Cardeal Daniélou, “o heroísmo mostra o que pode o homem, a santidade mostra o que Deus pode”.

E temos de contar mais com Deus que connosco, não numa espera passiva de domingo à tarde num inverno chuvoso sentados no sofá, mas empenhando-nos em viver uma vida santa, sem motivo algum de censura, como nos desafia a leitura da Segunda Epístola de São Pedro, para que o Senhor nos encontre na paz. Em outras palavras, vivendo a graça filial que recebemos no baptismo.

Muitas vezes assumimos o baptismo que recebemos como um mero rito, um fazer de algo, às vezes até como um acto mágico para nos livrar do mal, esquecendo-nos ou não querendo saber que o baptismo nos insere na intimidade da Santíssima Trindade, que recebemos pelo dom do Espírito Santo essa filiação que nos coloca no interior de uma relação. Ser baptizado, estar baptizado, é viver uma relação com outro, construir uma vida conjunta, unida, uma vida com Deus que é totalmente santo.

Como baptizados e desejando preparar o nosso coração para celebrar o nascimento do nosso Salvador, Jesus Cristo, do Filho de Deus que nos abriu o caminho de nos podermos chamar e ser filhos de Deus verdadeiramente, procuremos pois reformar e reconstruir as nossas atitudes e palavras, os nosso gestos e pensamentos, não como um mero gesto de cosmética para nos deixar bonitos para a festa, mas porque a nossa vida e os dons que Deus nos concedeu se destinam à perfeição, à plenitude, a uma completa realização.

Ilustração:

1 – São João Baptista, de Luca Giordano, San Antonio Museum of Art, Texas, USA.

 

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