Olho para ti, envolto em panos que a tua mãe trouxe de casa,
sabendo que algo poderia acontecer nestes dias aqui. Frágil, pequenino, de
braços estendidos como pedindo colo.
Olhos os teus olhos, lindos, que ainda não me podem ver, que
ainda não me podem acariciar com ternura como uma gota de água que rola pela
face. Olho-te nos olhos e sonho que sonhos serão os teus. Quanto amor nesse
olhar que ainda não me vê, mas que já me ama!
E nos teus olhos recordo outros olhos, outros olhares, outros
homens e mulheres, a agitação do dia de hoje, a ansiedade da espera. Foi um dia
longo, quase desesperante, mas agora o silêncio dá-lhe distância, relatividade,
tu já estás entre nós, e que alegria, que paz, quanta serenidade.
Nos teus olhos que bailam como estrelas cintilantes revejo a
agitação do dia, uma agitação alucinada, desenfreada, tão distante deste teu
bailar de olhos. Procurámos um lugar, o conforto de quatro paredes e não
conseguimos. Cruzámos olhares com gente apressada, ansiosa, preocupada, que não
perceberam que podiam contemplar os teus olhos se nos abrissem a porta, se nos
cedessem um lugar. Anda tudo tão ensimesmado que nem os olhos olham.
Nos teus olhos pequeninos vejo aqueles que nos trouxeram até
aqui, que na sua pobreza e humildade partilharam o pouco que tinham connosco,
ansiosos por ver o teu olhar, tanto ou mais que a tua própria mãe. Será menino,
será menina? O que podemos fazer? O que podemos trazer? O que necessitam? Foram
o abrigo e o conforto deste estábulo que de repente se tornou o lugar mais
importante do mundo, todos te esperavam tão ansiosos como eu e a tua mãe.
E de repente, sem sabermos de onde, nem como, muitos outros começaram
a chegar para te ver, a ti que tinhas acabado de nascer. Os seus olhos
expectantes recordaram-me outros olhos, como os da Mafalda, do Duarte, da Vera,
do Diogo, olhos cheios de curiosidade, de expectativa juvenil, interpelantes,
conquistadores de um mundo que se abre diante deles.
Apareceram também os pastores e um deles mais ousado, o Pedro,
encheu-se de coragem e cantou para ti, por ti, para nós, surpreendentemente,
pulverizando os olhos de todos os presentes com o pó mágico de que somos capazes
quando ousamos, quando não nos deixamos intimidar. Olho os teus olhos e descubro
que também tu nunca de deixarás intimidar. Os teus olhos estão cheios de
coragem e fortaleza.
Coragem e fortaleza para ti e para os outros. Os teus olhos
plenos de bondade dizem-me já que nunca deixarás alguém sem levantar, sem dignificar,
sem libertar. E recordo os olhos tristes e doridos, vazios, das mães que
perderam os seus filhos; não podem estar se não vazios depois de perderem o
fruto amado das suas estranhas. Não poderia suportar a dor do olhar da tua mãe
se te perdêssemos.
E, de repente, noto no teu olhar uma nostalgia, uma luz que
vem desde o princípio do mundo, uma luz que transfigura tudo o que perspectiva,
que me transfigura no teu próprio olhar que não me pode ver. Essa nostalgia da
primeira hora em que nos olhávamos sem medo nem vergonha, em que nos víamos como
somos sem pudor. Olho os teus olhos que não me veem e sinto que sou visto até
ao mais ínfimo do meu coração, que me conheces já por dentro e por fora, que
nada do meu ser te é oculto.
Olho os teus olhos e vejo o amor que sentes por mim e nasce em
mim um desejo de mergulhar nesse teu olhar, de me deixar envolver por ele, de
como um naufrago afogar-me para sempre nesse mar profundo.
O silêncio lá fora, como o frio, aproxima-me de ti, obriga-me
a aquecer o teu corpo com o calor do meu corpo, a proteger-te de todos os
perigos. E mais próximo de ti, com a cabeça sobre a mão, contemplo os teus
olhos, pequeninos, lindos e apaixono-me; já não saberei viver sem ti, sem esse
teu olhar, meu menino Jesus.
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