domingo, 24 de janeiro de 2021

Homilia Domingo III do Tempo Comum - Ano B

Caríssimos Irmãos

A leitura do Evangelho de São Marcos que escutámos diz-nos que Jesus partiu para a Galileia depois de saber que João tinha sido preso. Partiu para proclamar o Evangelho de Deus.

Também nós, hoje e aqui, proclamamos o Evangelho de Deus, tomamos contacto com a Palavra de Deus, que o Papa Francisco nos convida neste domingo a colocar em evidência, a recordar a sua importância na nossa vida.

E tal como aconteceu com Jesus, ao proclamarmos a Palavra de Deus, há irmãos nossos que estão presos, que são perseguidos e torturados, que estão doentes, que são vítimas do isolamento e da violência, que estão desempregados e não têm com que viver. Vamos tomando conhecimento de todas estas realidades ao mesmo tempo que nos é dado escutar e saborear a Palavra de Deus, e continuamos o nosso caminho, seguimos na nossa vida.

Face a isto, podemos perguntar-nos sobre a relação de Jesus com João Baptista, que tipo de amizade, de companheirismo, solidariedade, partilham, quando Jesus deixa João na prisão e parte para proclamar o Evangelho de Deus. Urgência do Evangelho? É necessário ir a outros lugares como Jesus vai depois dizer aos seus discípulos? Alguma indiferença perante a situação de João, uma vez que ele já tinha cumprido a sua missão?

A questão pode ser ainda mais profunda e traumatizante, se olharmos as realidades de sofrimento que nos cercam, e que até nos alcançam, e para as quais não encontramos resposta ou saída. Acreditaremos nós num Deus que é indiferente à nossa situação? E quando nos sentamos para escutar a Palavra de Deus, não estaremos a ser indiferentes à situação dos nossos irmãos, a faltar à caridade?

Nós sabemos que o caminho que Jesus enceta vai conduzir ao mesmo fim que neste momento João sofre, também Jesus vai sofrer a prisão, a condenação e a morte. Contudo, neste momento, o que pode ele fazer por João? E nós, que podemos nós fazer face a tantas vidas quebradas pelo sofrimento e pela violência, pela angústia e o desespero?

Como discípulos de Jesus, chamados a ser pescadores de homens, temos a obrigação de continuar a repetir as palavras do anúncio de Jesus: Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Esta é hoje a nossa missão de baptizados.

E para a compreendermos na sua profundidade temos de perceber a diferença que existe entre o tempo de que fala Jesus e o tempo como nós o concebemos, a diferença entre kairós, a palavra que Jesus utiliza e podemos traduzir por tempo presente, e o kronos, essa linearidade de momentos que se sucedem, o tempo cronológico. A leitura da Carta de São Paulo aos Coríntios vem em nosso auxílio nesta compreensão ao dizer-nos que o tempo é breve, que o cenário deste mundo é passageiro.

É no tempo presente, neste instante, que acontece o Reino de Deus, que o Reino de Deus se faz próximo, presente, que a sua Palavra se encarna uma vez mais através da nossa esperança, da nossa confiança, da nossa fé e caridade solidária para com os nossos irmãos. É aqui e agora que eu posso e devo responder ao apelo de Deus, ao apelo de conversão que altera completamente as nossas vidas, como aconteceu em Nínive após a pregação de Jonas. Não esperaram para ver se haveria melhores condições no dia seguinte, se todos estavam de acordo, acreditaram e proclamaram um jejum e revestiram-se de saco e cinza.

A Palavra de Deus que escutamos, que estudamos, que meditamos e que publicamente proclamamos permite-nos criar o espaço, uma brecha no tempo cronológico, um instante onde a subversão acontece, no qual, sem sabermos muito bem como, passamos a acreditar que é possível, que algo pode acontecer, que não estamos condenados e podemos vencer.

Nestes tempos incertos, difíceis que estamos todos a viver, necessitamos deixar as nossas redes nas barcas, por momentos, uns breves ou menos breves instantes, para nos encontrarmos com a Palavra de Deus, para criar essa oportunidade em que a subversão pode acontecer, a esperança pode ser requalificada.

E então voltaremos às nossas barcas, às nossas redes, aos nossos trabalhos e responsabilidades, como fizeram os discípulos de Jesus que nunca deixaram de ser pescadores de peixe, apesar de serem também de homens, com outra coragem, uma outra fortaleza, uma luz diferente sobre as realidades, com vontade de continuar a colaborar na construção do Reino de Deus.

Que o Senhor nos anime e ilumine com a luz da sua Palavra.

Ilustração:

1 – João o Teólogo e Procor, de Andrey Mironov. Wikimédia Commons.

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