O vento abana os ramos
dos cedros e para lá do rugido do vento ouve-se a chuva que violentamente
bate e se faz sentir. Pelas frestas entra o frio, o frio da noite, que escura
encobre as casas e as árvores. Não se sente ninguém e nem o ladrar do cão se
faz presente.
Desperto pela mágoa e
pelo frio José encolhe-se, enrosca-se sobre si próprio, como procurando
conforto, um pouco de calor que a pobre manta sobre si deitada não é capaz de
lhe dar.
Diz-se que a noite é
boa conselheira, mas José não tem nesta noite de tempestade tanta certeza
disso, porque tal como o vento ruge fora e a chuva cai violenta também no seu
coração as ideias passam como um furacão e magoam o amor por Maria.
Foi com cuidado, com
carinho, tremendo certamente de medo pela sua reacção à notícia, que Maria lhe
contou que estava de esperanças, que esperava um filho, um filho que não era
seu, um filho que tão pouco era de outro homem, porque era Filho de Deus.
Desde esse momento a
sua vida, os seus projectos, o sonho da sua família, foram levados pelo vento, caíram
desmoronados como levados pela enxurrada da água. A sua Maria, a mulher que
amava desde há tanto tempo, por quem tanto tempo tinha esperado, estava à espera
de um filho que não era seu.
Na sua cabeça e no seu
coração rodopiavam as ideias, os sentimentos contrários, porque por um momento
a lei vingava a sua vergonha, mas logo o amor se sobrepunha e o fazia desejar
proteger Maria e o filho que não era seu mas também não era de outro homem.
É este amor que o leva
a conceber um projecto, a mentira, uma duplicidade de vida, porque não quer ver
Maria sofrer a morte dolorosa da lapidação ditada pela lei de Moisés, contudo, no
íntimo do lar ela saberá que o seu amor já não é o mesmo, ele será um estranho
que viverá a dor e o amor apenas para si.
Quando tudo parece
ajustado, o plano perfeito, eis que um clarão se faz sentir e, sem saber se por
virtude de um trovão, alguém perfeitamente luminoso se apresenta diante dele e
o convida a acolher Maria, a prescindir do seu plano secreto de repúdio.
Não há lugar para
perguntas, para um diálogo, o anjo apenas lhe confirma as palavras de Maria, a
verdade da sua história tão estranha e tão transformadora dos projectos de vida
de um e de outro.
De um momento para o
outro José vê-se confrontado com o acolhimento da verdade ou o soçobrar na
mentira, com a possibilidade de um amor tão extraordinário como o mistério que
lhe é revelado, ou a condenação à amargura da solidão e da dor do seu amor ferido.
Depois de uma noite
fria e tormentosa, José vê-se convidado a passar da sua decisão humana e
limitada a uma decisão surpreendente, à decisão da fé, e ao acolhimento do
mistério que lhe é revelado e de que Maria é a guardiã e portadora.
Pelo seu sim, pelo
acolhimento da solicitação divina, José alarga a sua vida às dimensões de Deus,
e desde logo a sua casa, a sua pobre casa sobre a qual bate o vento e corre a
água da chuva, transforma-se em casa do Emanuel, casa do Deus connosco.
Despertando desta
noite tão fria e tão quente, tão obscura e tão luminosa, José acolhe Maria em
sua casa, dá espaço ao acontecimento pleno do mistério de Deus, e ainda que não
sendo pai transforma-se no pai do Filho de Deus que Maria transporta em si.
Neste Advento também nós
somos convidados a acolher a novidade e a proposta inusitada de Deus, também nas
nossas vidas batidas pelo vento da dor e molhadas pelas lágrimas do sofrimento
somos convidados a abrir a porta, a permitir que a casa da nossa vida se
transforme em casa do Emanuel, habitação de Deus connosco.
Que desça o orvalho do
alto dos céus e as nuvens chovam o Justo para que na terra germine o Salvador!
Em vésperas deste Natal, certamente diferente, era importante abrirmos realmente a" porta "para que na casa da nossa vida habite o Salvador, esquecendo a dor e limpando as lágrimas, na certeza de que Cristo cura todos os males. Inter Pars
ResponderEliminarCaro Frei José Carlos,
ResponderEliminarSurpreende-nos frequentemente com o que escreve no blog indepententemente da forma que assumem. Apesar de um dia cansativo e difícil em que como cristã tive de ter coragem para dizer algumas de conforto e verdade a uma mãe que perdeu na semana passada a filha mais velha em circunstâncias de grande violência física acreditando que as mesmas possam ser somente um paliativo em tais circunstâncias, antes de orar, passei pelos blogs do Convento de S.Domingos. Maravilhosa surpresa ...
Não consigo testemunhar-lhe a gratidão, a alegria e a emoção com que terminei a leitura do texto da Meditação que teceu sobre o drama vivido por José, pela profundidade, pela forma literária como o trabalhou, pela forma como o ilustrou. Parabéns, Frei José Carlos! Na caminhada do Advento de 2013, esta partiha que será intemporal, tocou-me especialmente.
Permita-me que respigue os dois últimos parágrafos e façamos nossas as palavras saboreadas e bebidas ...” Neste Advento também nós somos convidados a acolher a novidade e a proposta inusitada de Deus, também nas nossas vidas batidas pelo vento da dor e molhadas pelas lágrimas do sofrimento somos convidados a abrir a porta, a permitir que a casa da nossa vida se transforme em casa do Emanuel, habitação de Deus connosco.
Que desça o orvalho do alto dos céus e as nuvens chovam o Justo para que na terra germine o Salvador!”
Bem-haja. Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
Bom descanso.
Um grande obrigada e um abraço mui fraterno e amigo,
Maria José Silva