A terminar o ano e a
semana da Oitava do Natal eis que a Liturgia da Palavra nos oferece uma vez
mais o prólogo do Evangelho de São João.
Texto elaborado,
composto com muito cuidado, no qual palavras como trevas, glória, luz, Verbo
nos deixam perplexos pela abstracção, pela dificuldade de conjugação de todas
as realidades entre si. Quanta aridez experimentada ao ler este texto que nos
introduz na narração da vida de Jesus segundo a experiência do Apóstolo João.
E no entanto, bem lá
no meio da aridez uma pérola perdida, um pequeno oásis, que nos dá a luz para
compreender, que se faz chave de leitura de todo o texto: “o Verbo fez-se carne
e habitou entre nós!”
Tudo se explica,
porque afinal compreendemos que Deus estabeleceu entre nós a sua tenda, fez-se
um de nós, assumiu a nossa carne com tudo o que ela tem de limitações e
finitude. O Verbo, o Cristo, assume a nossa condição humana com tudo o que ela
comporta de precário e instável.
Deus, por Jesus
Cristo, vem ao nosso encontro, coloca-se a caminhar connosco atravessando vales
e desertos, perspectivando verdes campos de paz e de realização, iluminando as
sombras e trevas da nossa existência.
E tudo se faz na
radicalidade da nossa condição, da nossa carne, desmentindo qualquer pretensão
de ilusão etérea, de realidade virtual. João viu a glória de Jesus, uma glória
expressa de modo total, brutal até, na carne suspensa na cruz. Era o corpo entregue
para que o pudéssemos verdadeiramente receber.
Não foi um equívoco,
foi bem real a experiência e as suas consequências, porque a glória é o amor, é
a descida até ao abismo, deixar-se fazer tudo para consigo levar tudo.
No princípio era o
Verbo e o Verbo fez-se carne para que a nossa carne possa ser Verbo, possa experimentar
a glória na sua condição limitada e frágil.
Face a esta
transformação que alegria ser humano, constituído desta carne que o nosso Deus
assumiu, e por meio dela experimentar o amor de Deus e viver a glória divina.
Deste-me um corpo
Senhor, porque não queres sacrifícios nem holocaustos, mas apenas que este
corpo seja habitação tua, manifestação da tua glória.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarA necessidade de contar o tempo e gerir as actividades económico-sociais levou o homem à construção de calendários que na actualidade são formados por elementos resultantes de estudos astronómicos e de convenções culturais. Como nos diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, o ser humano ao dividir o tempo em doze meses, pensou que os acontecimentos podem alterar-se, ...“o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente”. …
Não nos podemos surpreender que a liturgia proposta para este dia ignore esta realidade. O prólogo do Evangelho segundo S. João fala-nos de um princípio sem data, abstraindo do tempo, da chegada da verdadeira luz que ilumina cada ser humano ao longo da nossa existência e como Frei José Carlos nos diz …”E no entanto, bem lá no meio da aridez uma pérola perdida, um pequeno oásis, que nos dá a luz para compreender, que se faz chave de leitura de todo o texto: “o Verbo fez-se carne e habitou entre nós!”(…)
(...) E tudo se faz na radicalidade da nossa condição, da nossa carne, desmentindo qualquer pretensão de ilusão etérea, de realidade virtual.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação que teceu, por ajudar-nos a compreender um mistério que nos leva a interrogar-nos sobre a nossa condição humana, pela coragem e confiança que nos transmite ao salientar-nos que …”Deus, por Jesus Cristo, vem ao nosso encontro, coloca-se a caminhar connosco atravessando vales e desertos, perspectivando verdes campos de paz e de realização, iluminando as sombras e trevas da nossa existência.” Bem-haja.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o proteja.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva