O Evangelho que
escutámos apresenta-nos a figura de João Baptista, uma das grandes figuras do
Advento, a par com Maria e o profeta Isaías que nos acompanha na primeira
leitura de cada domingo deste tempo de preparação para o Natal.
João é um profeta, o
último dos profetas, o precursor do Messias, e desenvolve desde o primeiro
momento uma actividade que não deixa de nos parecer estranha, inadequada, quando
temos presente que João é filho de um sacerdote do templo, como era o seu pai
Zacarias.
Respondendo ao apelo
de Deus, à sua vocação se assim se pode falar, João abandona aquela que poderia
ser também para ele uma carreira sacerdotal, um futuro assegurado, e refugia-se
no deserto para desenvolver de forma inusitada, e por isso profética, a
actividade que lhe estava destinada no templo de Jerusalém pela linhagem de sangue.
Com João e a sua pregação
opera-se uma transferência do centro de gravidade, pois deixa de ser o sacrifício
de animais no templo da cidade santa que abre o acesso ao perdão, para passar a
ser a conversão do coração, a mudança de atitudes. A pregação de João mostra
que não é o sangue de touros e cabritos que pode mudar o coração do homem, mas é
o seu desejo de conversão, de ser uma melhor pessoa. Inacreditavelmente, e sem
que nada o fizesse supor, João desenvolve no deserto de forma sublime o
verdadeiro ministério sacerdotal.
Esta pregação chega
hoje até nós e uma vez mais nos recorda que a nossa conversão, que a nossa
mudança de vida, a nossa conformidade com a mensagem de Jesus, não se realiza
se não tivermos o coração aberto para tal, se não aplicarmos a nossa vontade e
desenvolvermos algum esforço para que assim aconteça. Não é fora de nós que a
conversão acontece, mas no nosso interior, no nosso coração.
E esta conversão, esta
alteração da nossa vida, não é para vivermos um retorno à idade paradisíaca, a
um tempo ou mundo em que as metáforas do profeta Isaías nos podem conduzir de uma
forma imediata. No pensamento bíblico não há hipótese para a reencarnação, para
o mito do eterno retorno, porque a vida e a história são processos que apenas
avançam.
Assim, quando o
profeta Isaías nos diz que o lobo viverá com o cordeiro, para apenas mencionar
umas das realidades prometidas, não está a falar de um paraíso, mas de um mundo
futuro, de uma consequência de um facto extremamente importante e significativo
como é o da redenção da humanidade, da obra da criação operada pelo Filho de
Deus.
Esta mesma ideia está
presente na Carta de São Paulo aos Romanos que escutámos, embora não como um
projecto ainda a realizar, mas uma realização já alcançada e portanto exigente
para com todos aqueles que dela fazem parte, nela se integraram pela fé em
Jesus Cristo.
Quando São Paulo
escreve aos romanos, a comunidade cristã atravessa momentos muito duros, poderíamos
dizer uma tragédia face à incapacidade de acolher aqueles que tinham sido
expulsos da cidade de Roma. No ano 49 o imperador Cláudio tinha expulsado os
judeus de Roma devido aos conflitos internos da comunidade por causa de um tal
Cristo. Uma década depois quando o regresso é possível a comunidade oriunda dos
pagãos não consegue aceitar aqueles que tinham sido expulsos.
Perante esta situação São
Paulo apela à conversão, à abertura do coração e ao acolhimento, pois cada um
foi acolhido de forma distinta mas pela mesma pessoa, Jesus Cristo. Se os
judeus foram acolhidos pela fidelidade de Deus, os pagãos foram acolhidos pela
misericórdia. É o mesmo que acolhe, ainda que de forma diferente, e por isso exige
aos acolhidos a mesma atitude, a mesma fidelidade misericordiosa sem excepções.
É por esta razão que
João Baptista diz aos que hipocritamente se abeiram do seu baptismo de
conversão que Deus pode suscitar filhos de Abraão até das pedras, ou seja, Deus
pode suscitar verdadeiramente discípulos em qualquer lugar, em qualquer tempo,
nos homens e mulheres de qualquer condição, bastando para tal essa abertura de
coração, essa disposição a uma alteração de vida.
É afinal o grande
desafio deste segundo domingo do Advento, deixarmo-nos alterar por Deus,
deixarmo-nos nascer para o discipulado, deixarmos aberto o nosso coração para
que Deus o transforme, para que o aplane de modo a que o seu Filho aí possa
fazer caminho de vida connosco.
“São João Baptista pregando”, de Luca Giordano, Los Angeles County Museum of Art.
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