Estamos a celebrar o
quarto domingo do Advento e o Evangelho de São Mateus apresenta-nos um episódio
que à primeira vista podemos pensar que não tem nada a haver connosco, que é
uma história que diz respeito apenas a Maria e a José, aos pais de Jesus, e à
relação que existia entre eles.
Contudo, quando temos
presente o objectivo da redacção dos Evangelhos, quando colocamos no horizonte
da nossa leitura que tudo o que nos é narrado nos Evangelhos nos diz respeito, e
que a história de José e Maria e os seus problemas conjugais não são uma notícia
de qualquer coluna social de um jornal, temos que tentar perceber como nos
interpela esta história e o que nela subjaz de desafio de Deus à nossa vida.
Neste sentido,
partimos da realidade da vida de cada um dos intervenientes, de José e de
Maria, que estavam prometidos em casamento, que certamente tinham sonhado uma
vida futura, tinham construído um projecto de família. E nesse projecto pessoal
e comum Deus vem intervir de uma forma surpreendente, desconcertante, pois
começa por anunciar a Maria que vai ser mãe, quando ela não conhece homem, ou
seja, não coabita ainda com José, e depois a este convida-o a aceitar a mulher
que tudo aponta ter cometido uma traição ao compromisso matrimonial.
Um e outro, Maria e
José, encontram-se face a face com uma alteração de planos, ainda que no fundo,
e bem no fundo, não haja qualquer alteração de planos, mas apenas um redimensionamento
desses mesmos planos, poderíamos dizer uma requalificação. Maria e José têm no
seu projecto de vida a constituição de uma família, a maternidade e a
paternidade, e a proposta de Deus, o grande desafio, é que o façam já não por
si, poderíamos dizer pelo seu poder, mas o façam pelo poder de Deus,
inserindo-se no projecto salvífico de Deus.
E é por esta razão que
o evangelista São Mateus insere na narração da vida de Jesus esta história, que
podemos considerar quase como uma inconfidência, um deslise pouco simpático relativamente
a Maria e a José; mas se o faz é para nos colocar diante dos olhos o desafio de
Deus na vida destas duas pessoas, a sua intervenção, que não se opõe nem
contraria os planos humanos, mas aos quais oferece uma outra dimensão. No final
de contas, é o objectivo do grande projecto de encarnação do Filho de Deus,
oferecer uma outra dimensão à vida humana.
Assim sendo, temos que
nos interrogar sobre a forma como estamos a acolher esta requalificação que
Deus nos oferece, temos que procurar perceber como nos nossos planos e
projectos damos lugar a Deus, acolhemos a sua oferta de vida, a qualificação
que faz da nossa vida. Deus nãos nos pede que abdiquemos dos nossos projectos e
sonhos, das pessoas com quem vivemos, das aspirações que naturalmente temos,
mas que os saibamos ver e viver com outra dimensão, com uma qualificação
divina, percebendo que tudo nos é oferecido e tudo deve ser oferecido a Deus.
Tal como diz São Paulo
na Carta aos Romanos, fomos escolhidos e chamados por Deus para viver esta
transfiguração, para viver a vida do Espirito que redimensiona a nossa condição
e história humanas, tal como aconteceu com Jesus que era da descendência de
David, mas que o espirito constituiu Filho de Deus.
Ao prepararmos o
nascimento de Jesus procuremos pois abrir o nosso coração à novidade de Deus, à
santidade que nos é oferecida e que altera completamente os nossos projectos e
sonhos, as nossas aspirações mais profundas e sérias, pois coloca-os no
projecto e na vontade de Deus. Ao acolher o Menino saibamos repelir o medo e a
dúvida que nos impedem de viver em santidade, em plenitude humana e divinamente.
“O sonho de são José”, de Vicente López y Portaña, Museu do Prado, Madrid.
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