O ano litúrgico termina com esta celebração da Solenidade de Jesus Cristo como Rei do Universo. E ainda que a primeira leitura, do livro do profeta Daniel e a segunda leitura, do livro do Apocalipse, apresentem um rei celeste, divino, uma figura que até nos podemos atrever a apelidar de mítica, o Evangelho desta Solenidade pelo contrário apresenta-nos uma figura bastante limitada e humana, uma figura que nada tem de real, de nobre, de poder, na situação em que se encontra e se afirma como sendo rei.
O Evangelho de São João desta solenidade de Cristo Rei apresenta-nos o Jesus da paixão, o Jesus do processo judicial de Pilatos, o Jesus entregue para a condenação à morte por aqueles que bem pouco antes o tinham aclamado como o rei esperado de Israel. Contudo, é neste processo e nesta aniquilação, neste sofrimento e nesta morte ignominiosa que Jesus se revela como o verdadeiro Rei do Universo, da história e dos homens.
E revela-se como Rei porque se assume como verdadeiramente é oculto na figura humana desfigurada do homem, e porque se assume como o único que age por sua liberdade e vontade. Se no último momento da paixão, antes de expirar o último suspiro, diz “Pai nas tuas mãos entrego o meu espírito”, estas palavras são apenas a conclusão e a assumpção de toda a entrega que se inicia no momento da encarnação e de uma forma mais efectiva no momento da agonia do jardim das oliveiras.
Pilatos pergunta a Jesus se ele é rei, mas Jesus não lhe responde à primeira, bem pelo contrário contra interroga Pilatos para que seja ele próprio a encontrar a resposta para a questão que coloca. O silêncio de Jesus é a resposta, porque de facto só os outros podem dizer de Jesus se ele é rei ou não, só os que o aceitam é que podem proclamar essa realeza.
Este silêncio de Jesus, ou não resposta directa, contrapõe-se à resposta que dá no jardim das oliveiras quando Judas com os soldados chegam para o prender e levar. À pergunta “és tu Jesus de Nazaré”, Jesus apresenta-se diante dos soldados e populaça e diz-lhes “eu sou”, provocando a queda de alguns e o recuo de outros. Neste momento Jesus diz quem é verdadeiramente e de uma forma crucial, depois de uma longa noite de oração com o Pai sobre o cumprimento da vontade e o cálice a beber. Jesus é Deus, o mesmo Deus que se tinha revelado a Moisés na sarça-ardente, e por isso os soldados caiem e a populaça recua. Jesus identifica-se na sua realidade e com toda a autoridade, revela-se e responde antecipadamente à pergunta de Pilatos, revela-se como o único que tem poder sobre a sua vida e a entrega que vai fazer para o cumprimento do projecto salvador de Deus.
Pilatos compreende de alguma forma a resposta de Jesus e ainda que depois de uma forma ambígua, mesclada de cobardia e poder, lave as mãos sobre o fim estabelecido para Jesus, a verdade é que quando é censurado por ter escrito na placa a colocar na cruz “Jesus de Nazaré Rei dos Judeus” não abdica do que escreveu, confirmando assim dessa forma não só a verdade que se revelava, mas também a resposta que tinha encontrado, ainda que difusa e pouco consistente para lhe permitir outra resposta e solução.
Testemunhas deste processo também nós somos confrontados por Jesus, porque de facto como Pilatos também nós somos chamados a dar uma resposta, a rascunhar uma resposta convicta e convincente. Somos capazes de a dar, ou como Pilatos preferimos olhar para o lado, para o politicamente correcto, e deixar Jesus seguir o seu fim trágico?
Hoje a resposta exige-se-nos quando nos entram pelos olhos adentro as situações de injustiça, de miséria, de violência e de ódio. As vítimas destas circunstâncias são hoje os nossos Cristos, as figuras humanamente desfiguradas, que exigem uma resposta, uma tomada de posição da nossa parte.
E neste sentido é bastante interessante olharmos para outro interveniente no processo de aniquilação de Jesus, da sua paixão e morte, para o centurião romano que depois de ver Jesus elevado na cruz, despojado de toda a dignidade, aniquilado na sua própria humanidade, proclama “ verdadeiramente este é o Filho de Deus”. É a proclamação de fé mais sublime, mas simultaneamente a maior proclamação da realeza de Jesus, porque no momento em que não é nada, em que está despojado de todo e qualquer poder, até mesmo da dignidade humana, há alguém que reconhece a realeza através da afirmação da filiação divina. É no aniquilamento, na entrega livre do seu espírito nas mãos do Pai que Jesus se revela como rei do universo.
Também nós somos convidados por Deus a ser como este centurião romano, o último da escala hierárquica do poder que tinha levado Jesus até à morte, mas que na sua simplicidade e limitação e perante a tragédia do outro é capaz de proclamar a sua compreensão do mistério que se revela. Também nós nas nossas limitações e circunstâncias podemos e devemos dar testemunho de Jesus Cristo, da sua realeza manifestada em cada situação de injustiça e mentira, de violência e exploração.
Os nossos medos, os nossos respeitos humanos, a mentira e o desprezo, alguma ligeireza das nossas convicções, o mesmo medo da cruz, podem ser formas de voltar a crucificar Jesus, de aniquilarmos ignominiosamente a realeza de Deus que se manifesta veladamente através de cada filho de Deus com quem partilhamos a vida.
Canta Salomão que preferiu a Sabedoria aos tronos e aos ceptros, possamos nós também cantar as mesmas palavras, porque preferimos a sabedoria aos poderes deste mundo, porque dispusemos da nossa vontade e liberdade para construir o Reino de Deus entre nós.
O Evangelho de São João desta solenidade de Cristo Rei apresenta-nos o Jesus da paixão, o Jesus do processo judicial de Pilatos, o Jesus entregue para a condenação à morte por aqueles que bem pouco antes o tinham aclamado como o rei esperado de Israel. Contudo, é neste processo e nesta aniquilação, neste sofrimento e nesta morte ignominiosa que Jesus se revela como o verdadeiro Rei do Universo, da história e dos homens.
E revela-se como Rei porque se assume como verdadeiramente é oculto na figura humana desfigurada do homem, e porque se assume como o único que age por sua liberdade e vontade. Se no último momento da paixão, antes de expirar o último suspiro, diz “Pai nas tuas mãos entrego o meu espírito”, estas palavras são apenas a conclusão e a assumpção de toda a entrega que se inicia no momento da encarnação e de uma forma mais efectiva no momento da agonia do jardim das oliveiras.
Pilatos pergunta a Jesus se ele é rei, mas Jesus não lhe responde à primeira, bem pelo contrário contra interroga Pilatos para que seja ele próprio a encontrar a resposta para a questão que coloca. O silêncio de Jesus é a resposta, porque de facto só os outros podem dizer de Jesus se ele é rei ou não, só os que o aceitam é que podem proclamar essa realeza.
Este silêncio de Jesus, ou não resposta directa, contrapõe-se à resposta que dá no jardim das oliveiras quando Judas com os soldados chegam para o prender e levar. À pergunta “és tu Jesus de Nazaré”, Jesus apresenta-se diante dos soldados e populaça e diz-lhes “eu sou”, provocando a queda de alguns e o recuo de outros. Neste momento Jesus diz quem é verdadeiramente e de uma forma crucial, depois de uma longa noite de oração com o Pai sobre o cumprimento da vontade e o cálice a beber. Jesus é Deus, o mesmo Deus que se tinha revelado a Moisés na sarça-ardente, e por isso os soldados caiem e a populaça recua. Jesus identifica-se na sua realidade e com toda a autoridade, revela-se e responde antecipadamente à pergunta de Pilatos, revela-se como o único que tem poder sobre a sua vida e a entrega que vai fazer para o cumprimento do projecto salvador de Deus.
Pilatos compreende de alguma forma a resposta de Jesus e ainda que depois de uma forma ambígua, mesclada de cobardia e poder, lave as mãos sobre o fim estabelecido para Jesus, a verdade é que quando é censurado por ter escrito na placa a colocar na cruz “Jesus de Nazaré Rei dos Judeus” não abdica do que escreveu, confirmando assim dessa forma não só a verdade que se revelava, mas também a resposta que tinha encontrado, ainda que difusa e pouco consistente para lhe permitir outra resposta e solução.
Testemunhas deste processo também nós somos confrontados por Jesus, porque de facto como Pilatos também nós somos chamados a dar uma resposta, a rascunhar uma resposta convicta e convincente. Somos capazes de a dar, ou como Pilatos preferimos olhar para o lado, para o politicamente correcto, e deixar Jesus seguir o seu fim trágico?
Hoje a resposta exige-se-nos quando nos entram pelos olhos adentro as situações de injustiça, de miséria, de violência e de ódio. As vítimas destas circunstâncias são hoje os nossos Cristos, as figuras humanamente desfiguradas, que exigem uma resposta, uma tomada de posição da nossa parte.
E neste sentido é bastante interessante olharmos para outro interveniente no processo de aniquilação de Jesus, da sua paixão e morte, para o centurião romano que depois de ver Jesus elevado na cruz, despojado de toda a dignidade, aniquilado na sua própria humanidade, proclama “ verdadeiramente este é o Filho de Deus”. É a proclamação de fé mais sublime, mas simultaneamente a maior proclamação da realeza de Jesus, porque no momento em que não é nada, em que está despojado de todo e qualquer poder, até mesmo da dignidade humana, há alguém que reconhece a realeza através da afirmação da filiação divina. É no aniquilamento, na entrega livre do seu espírito nas mãos do Pai que Jesus se revela como rei do universo.
Também nós somos convidados por Deus a ser como este centurião romano, o último da escala hierárquica do poder que tinha levado Jesus até à morte, mas que na sua simplicidade e limitação e perante a tragédia do outro é capaz de proclamar a sua compreensão do mistério que se revela. Também nós nas nossas limitações e circunstâncias podemos e devemos dar testemunho de Jesus Cristo, da sua realeza manifestada em cada situação de injustiça e mentira, de violência e exploração.
Os nossos medos, os nossos respeitos humanos, a mentira e o desprezo, alguma ligeireza das nossas convicções, o mesmo medo da cruz, podem ser formas de voltar a crucificar Jesus, de aniquilarmos ignominiosamente a realeza de Deus que se manifesta veladamente através de cada filho de Deus com quem partilhamos a vida.
Canta Salomão que preferiu a Sabedoria aos tronos e aos ceptros, possamos nós também cantar as mesmas palavras, porque preferimos a sabedoria aos poderes deste mundo, porque dispusemos da nossa vontade e liberdade para construir o Reino de Deus entre nós.
"Os nossos medos, os nossos respeitos humanos, a mentira e o desprezo, alguma ligeireza das nossas convicções, o mesmo medo da cruz, podem ser formas de voltar a crucificar Jesus, de aniquilarmos ignominiosamente a realeza de Deus que se manifesta veladamente através de cada filho de Deus com quem partilhamos a vida."
ResponderEliminarFoi este o excerto da sua homilia que mais me tocou hoje, Frei José Carlos. E daqui parto para construção do meu silêncio.
GVA
Frei José Carlos,
ResponderEliminarQuando nos exorta e passo a transcrever "Também nós nas nossas limitações e circunstâncias podemos e devemos dar testemunho de Jesus Cristo, da sua realeza manifestada em cada situação de injustiça e mentira, de violência e exploração" leva-nos a meditar sobre a nossa atitude quotidiana entre o "reflectir" e o "agir" "quando nos entram pelos olhos adentro as situações de injustiça, de miséria, de violência e de ódio". Ficamos muitas vezes pela "reflexão".Oxalá tenhamos a coragem para denunciar todas as formas de injustiça e a humildade necessária para preferir sempre a "sabedoria aos poderes deste mundo". Bem haja, por estes momentos de profunda meditação. MJS
Viva Cristo Rei!
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