Queridos irmãos
A leitura do Livro de
Isaías que escutámos, dizia que o profeta recebeu a graça de falar para que
saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. É também o que
pedimos a Deus para nós e que desejamos apresentar-vos hoje. Uma palavra de
alento, de conforto, nestes tempos de doença, de sofrimento, de solidão, de
pandemia em que vivemos.
Estamos a viver um Domingo
de Ramos de forma inusitada, confinados às nossas casas, sem a possibilidade de
nos reunirmos para receber a bênção sobre nós e os nossos ramos, de aclamarmos
o Senhor com as nossas procissões, de participarmos física e presencialmente na
celebração da Eucaristia.
Esta situação, esta
falta que experimentamos, não é no entanto motivo para não vivermos este
domingo de forma especial e darmos início com ele à Semana Santa. Todos nós
fomos convidados ao longo dos últimos dias a assinalar este dia e esta festa
através das mais diversas formas, com uma cruz, uma oração, uma leitura bíblica,
tantos modos que nos ajudam a viver interiormente o que exteriormente
celebrávamos, e hoje não é possível.
Neste Domingo de
Ramos, com o qual se inaugura a Semana Santa, a liturgia evoca os
acontecimentos da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e a sua paixão, acontecimentos
do passado; mas esta mesma liturgia faz também com que o passado se torne
presente e actual, e assim os cristão são hoje como naqueles dias actores do
mesmo drama.
Jesus entra em
Jerusalém como o Messias esperado, como um herói, e a aclamação eufórica da
multidão é uma manifestação das expectativas humanas, políticas,
revolucionárias. Aquela gente esperava uma reviravolta na situação das suas
vidas de opressão e subjugação.
Hoje, também nós
aclamamos Jesus, mas não já por qualquer expectativa política ou
revolucionária; aclamamos Jesus porque ele é o nosso herói, é o nosso vencedor,
ele entrou em Jerusalém para realizar um combate contra as forças do mal e da
morte, e nós estamos completamente certos da sua vitória, e da nossa própria
vitória com ele no mesmo combate que travamos.
A aclamação que hoje
realizamos é fruto da certeza de que Jesus no seu suplício, na sua paixão e
morte, estendeu uma armadilha na qual aprisionou o mal e a morte, que através
da sua paixão e morte nos abriu um caminho, ainda que misterioso, para a
vitória e a vida plena.
Esta certeza e
confiança fundamentam-se nesta verdade de que nos falava São Paulo na Carta aos
Filipenses, Cristo Jesus que era de condição divina não se valeu da sua
igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo para nos libertar do mal e da
morte. Aquele que tinha todo o poder abandonou-o para se entregar nas mãos dos
homens e resgatá-los, através desta entrega, da sua avareza e cobiça de poder e
glória.
O Evangelho de São
Mateus deixa-nos ver nas entrelinhas esta mesma dinâmica quando apresenta Jesus
a entrar em Jerusalém montado num jumentinho, a solicitar a sala da casa de um
amigo para poder celebrar a Páscoa. São sinais da humildade, do servo que não
tem sequer onde repousar a cabeça, do pobre que apenas confia em Deus. No
entanto, a forma como Jesus indica aos discípulos como obter tanto o jumentinho
como a sala indiciam um poder real, uma autoridade, uma dignidade que não
pertence a todos. É o chamado direito de aposentadoria, que os reis deste mundo
utilizaram, e ainda hoje se pode utilizar na chamada requisição civil, de tomar
posse de algo para o serviço do rei ou do comum da nação. Como um rei todo poderoso
Jesus manda tomar o jumentinho, pede a sala para celebrar a festa da Páscoa.
Este poder e este
direito podiam ser utilizados por Deus para nos fazer seus filhos, para nos
confinar a viver bem os seus mandamentos, restringidos das nossas liberdades e da
nossa vontade. Mas Deus ama-nos e considera a nossa natureza, a nossa
semelhança com Ele, e por isso confia na nossa liberdade, na nossa vontade, não
nos obriga a nada, mas apenas se insinua, se oferece, se apresenta como alguém
a quem podemos acolher.
Tal como ao dono da
casa do Evangelho que escutámos, Jesus continua a dizer-nos, é em tua casa que
eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos, é em tua casa que eu quero
fazer a festa da vida, contigo e com os outros teus irmãos. Humildemente Jesus
ver fazer a festa connosco.
Os ramos que
tradicionalmente utilizamos neste domingo, e que certamente cada um de nós
colocou nas suas casas, simbolizem para nós essa disponibilidade para
acolhermos Jesus que vem ao nosso encontro.
Simbolizem também as
boas obras de caridade, que de uma forma mais substancial e duradoira
concretizam o nosso acolhimento de Jesus na pessoa dos nossos irmãos.
Simbolizem igualmente
a nossa oração mais intensa nestes dias, o olhar mais introspectivo sobre as
nossas realidades pessoais, o exame de consciência que fazemos para estabelecer
propósitos novos para a nossa vida.
Simbolizem o nosso
progresso, a nossa caminhada com Jesus, o que desejamos viver na caridade, na
amabilidade, no serviço sem contrapartidas e para todos.
Se procurarmos
diligentemente viver como discípulos de Cristo, confiados que o Senhor Deus vem
em nosso auxílio, não ficaremos desiludidos e chegaremos certamente à festa da
Páscoa da Ressurreição de Jesus com mais vida, com outra alegria, uma outra
esperança para o futuro.
Ilustração:
1 – Entrada de Jesus
em Jerusalém, iluminura de Enrico di Amsterdam, Gradual, Duomo de Cesena,
Biblioteca Malatestiana, Itália.
2 – Entrada de Jesus
em Jerusalém, de Andrey Mironov.
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