domingo, 12 de abril de 2020

Homilia Vigília da Páscoa da Ressurreição do Senhor - Ano A


Caríssimos Irmãos

No silêncio desta noite uma luz brilha para nós.
Após os quarenta dias da Quaresma, e este ano de uma Quaresma diferente do que estávamos habituados,  devido à situação de pandemia em que nos encontramos e ao isolamento social a que todos nós fomos obrigados, eis que nos encontramos a celebrar a Vigília Pascal, a viver e a celebrar esta noite santa, a maior de todas as noites, em que, como escutávamos no Precónio Pascal, se afugentam os crimes, se lavam as culpas, se restitui a inocência aos pecadores, se dá a alegria aos tristes, se estabelece a concórdia e a paz.
Se lá fora é uma noite igual a todas as noites, para nós é uma noite diferente, uma noite de luz, simbolizada no círio pascal e nas velas que acendemos, é uma noite de água, dessa água que nos regenera no baptismo, é uma noite de festa, cantamos e louvamos o Senhor, é também uma noite de esperança, pois a Palavra de Deus que escutámos revela-nos a bondade de Deus, de um Deus que nos ama, que se compadece de nós, que nos concede novas oportunidades, que nos liberta do pecado e da morte pela Paixão e ressurreição do seu Filho Jesus.
O relato da criação que escutámos na primeira leitura mostra-nos a obra que Deus realizou, mas sobretudo e de modo incisivo mostra-nos a bondade e a beleza que Deus encontrou nela. Feita com amor, a bondade de Deus está ali presente, e o homem criado à sua imagem e semelhança é o espelho mais perfeito dessa bondade.
O nosso orgulho, as nossas aspirações de poder, o nosso desejo de autossuficiência, conduziram-nos à terra da escravidão, simbolizada na escravidão do povo de Israel no Egipto; contudo, essa escravidão não é do agrado de Deus, não é manifestação da sua glória, e por isso Deus liberta o povo, fá-lo atravessar o mar vermelho e deixa-o ver destruídos os seus opressores. Hoje, ainda hoje, Deus continua a não se satisfazer com as escravidões em que nos envolvemos, com as idolatrias que construímos.
E se ao povo de Israel Deus ofereceu uma Lei no monte Sinai, um caminho de vida como nos é dito, nas leituras dos diversos profetas que escutámos esta noite, percebemos que Deus continuou a oferecer caminhos de vida, que de cada vez que o povo se desviava e era infiel à aliança que tinha estabelecido com Deus,  que de cada vez que o homem se desvia da sua plenitude divina, Deus continua a oferecer caminhos de vida.
Podemos perguntar-nos se toda esta situação que estamos a viver não é uma oportunidade que Deus nos oferece para sairmos dos caminhos de perdição em que nos tínhamos envolvido em situações de escravidão. Não é que Deus queira o mal, o sofrimento ou a morte, mas a criação da qual fazemos parte, que é boa e bela, tem princípios, tem regras, tem um mecanismo de funcionamento que nos pode conduzir ao bem, mas quando não respeitado nos conduz inevitavelmente à destruição, ao mal.
Hoje, e tal como nos dizia o profeta Baruc, Deus quer que aprendamos a prudência, que sejamos prudentes, pois dessa forma encontramos a longevidade e a vida, encontramos a sabedoria que nos faz apreciar a bondade e a beleza de Deus na sua criação.
O nosso irmão Frei Xavier, de grata memória, dizia muitas vezes que o seguro morreu de velho, que o desconfiado ainda cá anda e que a dona prudência foi ao funeral dos dois. Deus quer que aprendamos a prudência.
Também hoje, e como nos dizia também o profeta Ezequiel, Deus quer dar-nos um coração novo, um espírito novo, quer retirar-nos o coração de pedra que nos encerra no nosso egoísmo e orgulho, na nossa autossuficiência. Deus, como no primeiro momento da criação, quer-nos humanos, mais humanos, mais atentos uns aos outros, pois em cada um de nós está não só a sua imagem e semelhança, mas a sua verdadeira presença, nós somos templos de Deus.
Não estaríamos todos nós demasiados absorvidos nas coisas do mundo? Não nos teríamos esquecido que somos habitantes de uma casa comum, que se chama terra, e que como nos dizia o Papa Francisco, se a casa esta doente, está a cair, nós estamos tão doentes como ela?
Não nos teríamos esquecido que somos parceiros, sócios, companheiros na construção da felicidade e do bem de todos? Que sozinhos podemos ir mais longe, mas que de mãos dadas, ainda que apenas cheguemos mais perto, vamos mais fortes?
Nós próprios, a nossa comunidade de Cristo Rei, não está mais enriquecida depois desta situação que estamos a viver? O facto de celebrarmos todos os dias a Eucaristia comunitária, de rezarmos as Laudes na igreja, que irmãos nossos nos possam acompanhar ainda que de longe, não fez com que estejamos mais fortes, mais unidos? Não somos mais sinal de Deus? E não estamos mais fiéis à missão a que o Senhor nos chama?
O grande mistério que celebramos esta noite e que São Paulo nos recorda na Carta aos Romanos, é que todos nós fomos baptizados em Cristo, fomos sepultados na sua morte e tal aconteceu para vivermos a sua ressurreição, para vivermos uma vida nova cujas consequências e efeitos não só se fazem sentir já no presente, mas têm repercussão na eternidade.
Celebrar a Páscoa da ressurreição de Jesus é um apelo, um convite a renovar o espírito de cada um de nós, a olhar o Deus que nos ama como Pai, que nos convoca a colaborar na sua obra, que nos deseja em cada Páscoa uma vida nova, mas também em cada dia que sejamos renovados no corpo e no espírito, cuidando uns dos outros, porque inevitavelmente no passado, no presente e ainda mais no futuro estamos em rede, dependemos uns dos outros; e, ou construímos um mundo como pessoas, cuidando uns dos outros, ou desapareceremos na voragem do tempo.
Que o Senhor nos ilumine e fortaleça, para sermos capazes de estar atentos não só às solicitudes dos nossos irmãos, mas também aos pequenos sinais que Deus vai colocando na nossa vida para nos renovarmos e construirmos o seu Reino.

Ilustração:
1 – Ressurreição de Jesus, Anónimo, Maria Laach am Jauerling, Áustria.
2 - Ressurreição de Jesus, Pietro Novelli, Museu do Prado, Madrid.


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