Caríssimos Irmãos
No silêncio desta
noite uma luz brilha para nós.
Após os quarenta dias
da Quaresma, e este ano de uma Quaresma diferente do que estávamos
habituados, devido à situação de
pandemia em que nos encontramos e ao isolamento social a que todos nós fomos
obrigados, eis que nos encontramos a celebrar a Vigília Pascal, a viver e a
celebrar esta noite santa, a maior de todas as noites, em que, como escutávamos
no Precónio Pascal, se afugentam os crimes, se lavam as culpas, se restitui a
inocência aos pecadores, se dá a alegria aos tristes, se estabelece a concórdia
e a paz.
Se lá fora é uma noite
igual a todas as noites, para nós é uma noite diferente, uma noite de luz,
simbolizada no círio pascal e nas velas que acendemos, é uma noite de água,
dessa água que nos regenera no baptismo, é uma noite de festa, cantamos e
louvamos o Senhor, é também uma noite de esperança, pois a Palavra de Deus que
escutámos revela-nos a bondade de Deus, de um Deus que nos ama, que se
compadece de nós, que nos concede novas oportunidades, que nos liberta do
pecado e da morte pela Paixão e ressurreição do seu Filho Jesus.
O relato da criação
que escutámos na primeira leitura mostra-nos a obra que Deus realizou, mas sobretudo
e de modo incisivo mostra-nos a bondade e a beleza que Deus encontrou nela.
Feita com amor, a bondade de Deus está ali presente, e o homem criado à sua
imagem e semelhança é o espelho mais perfeito dessa bondade.
O nosso orgulho, as
nossas aspirações de poder, o nosso desejo de autossuficiência, conduziram-nos
à terra da escravidão, simbolizada na escravidão do povo de Israel no Egipto;
contudo, essa escravidão não é do agrado de Deus, não é manifestação da sua
glória, e por isso Deus liberta o povo, fá-lo atravessar o mar vermelho e
deixa-o ver destruídos os seus opressores. Hoje, ainda hoje, Deus continua a
não se satisfazer com as escravidões em que nos envolvemos, com as idolatrias
que construímos.
E se ao povo de Israel
Deus ofereceu uma Lei no monte Sinai, um caminho de vida como nos é dito, nas
leituras dos diversos profetas que escutámos esta noite, percebemos que Deus
continuou a oferecer caminhos de vida, que de cada vez que o povo se desviava e
era infiel à aliança que tinha estabelecido com Deus, que de cada vez que o homem se desvia da sua
plenitude divina, Deus continua a oferecer caminhos de vida.
Podemos perguntar-nos
se toda esta situação que estamos a viver não é uma oportunidade que Deus nos
oferece para sairmos dos caminhos de perdição em que nos tínhamos envolvido em
situações de escravidão. Não é que Deus queira o mal, o sofrimento ou a morte,
mas a criação da qual fazemos parte, que é boa e bela, tem princípios, tem
regras, tem um mecanismo de funcionamento que nos pode conduzir ao bem, mas
quando não respeitado nos conduz inevitavelmente à destruição, ao mal.
Hoje, e tal como nos
dizia o profeta Baruc, Deus quer que aprendamos a prudência, que sejamos
prudentes, pois dessa forma encontramos a longevidade e a vida, encontramos a
sabedoria que nos faz apreciar a bondade e a beleza de Deus na sua criação.
O nosso irmão Frei
Xavier, de grata memória, dizia muitas vezes que o seguro morreu de velho, que o
desconfiado ainda cá anda e que a dona prudência foi ao funeral dos dois. Deus
quer que aprendamos a prudência.
Também hoje, e como
nos dizia também o profeta Ezequiel, Deus quer dar-nos um coração novo, um espírito
novo, quer retirar-nos o coração de pedra que nos encerra no nosso egoísmo e
orgulho, na nossa autossuficiência. Deus, como no primeiro momento da criação,
quer-nos humanos, mais humanos, mais atentos uns aos outros, pois em cada um de
nós está não só a sua imagem e semelhança, mas a sua verdadeira presença, nós somos
templos de Deus.
Não estaríamos todos
nós demasiados absorvidos nas coisas do mundo? Não nos teríamos esquecido que somos
habitantes de uma casa comum, que se chama terra, e que como nos dizia o Papa
Francisco, se a casa esta doente, está a cair, nós estamos tão doentes como
ela?
Não nos teríamos
esquecido que somos parceiros, sócios, companheiros na construção da felicidade
e do bem de todos? Que sozinhos podemos ir mais longe, mas que de mãos dadas, ainda
que apenas cheguemos mais perto, vamos mais fortes?
Nós próprios, a nossa
comunidade de Cristo Rei, não está mais enriquecida depois desta situação que
estamos a viver? O facto de celebrarmos todos os dias a Eucaristia comunitária,
de rezarmos as Laudes na igreja, que irmãos nossos nos possam acompanhar ainda
que de longe, não fez com que estejamos mais fortes, mais unidos? Não somos
mais sinal de Deus? E não estamos mais fiéis à missão a que o Senhor nos chama?
O grande mistério que
celebramos esta noite e que São Paulo nos recorda na Carta aos Romanos, é que
todos nós fomos baptizados em Cristo, fomos sepultados na sua morte e tal
aconteceu para vivermos a sua ressurreição, para vivermos uma vida nova cujas
consequências e efeitos não só se fazem sentir já no presente, mas têm
repercussão na eternidade.
Celebrar a Páscoa da
ressurreição de Jesus é um apelo, um convite a renovar o espírito de cada um de
nós, a olhar o Deus que nos ama como Pai, que nos convoca a colaborar na sua
obra, que nos deseja em cada Páscoa uma vida nova, mas também em cada dia que
sejamos renovados no corpo e no espírito, cuidando uns dos outros, porque
inevitavelmente no passado, no presente e ainda mais no futuro estamos em rede,
dependemos uns dos outros; e, ou construímos um mundo como pessoas, cuidando
uns dos outros, ou desapareceremos na voragem do tempo.
Que o Senhor nos
ilumine e fortaleça, para sermos capazes de estar atentos não só às solicitudes
dos nossos irmãos, mas também aos pequenos sinais que Deus vai colocando na
nossa vida para nos renovarmos e construirmos o seu Reino.
Ilustração:
1 – Ressurreição de
Jesus, Anónimo, Maria Laach am Jauerling, Áustria.
2 - Ressurreição de Jesus,
Pietro Novelli, Museu do Prado, Madrid.
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