Caríssimos Irmãos
A leitura do Evangelho de São João que escutámos apresentava-nos
essa figura de todos nós conhecida, Tomé, aquele apóstolo que não está presente
no momento da primeira aparição de Jesus aos discípulos e que, podemos dizer,
exige ver e tocar o ressuscitado para acreditar.
Neste seu papel, nesta incredulidade, e nessa sua exigência de
ver e tocar, Tomé é nosso irmão, representa cada um de nós, na medida em que
tantas vezes deixamos à margem o testemunho da experiência de Deus e do
ressuscitado feito pelos outros, somos incrédulos face à palavra dos nossos
irmãos.
Levamos dois mil anos de cristianismo, temos o testemunho de
milhares de cristãos, mártires, santos, doutores da igreja, místicos, consagrados
e leigos, temos o testemunho dos nossos pais e avós; e, contudo, também nós
continuamos a dizer como Tomé, eu necessito ver, eu necessito tocar. A palavra dos
outros não nos satisfaz, não nos é suficiente.
Muitas vezes, assumimos e compreendemos Tomé como o arquétipo
do homem racional, daquele que necessita fazer a experiência para assumir o conhecimento,
a verdade, daquele que se encontra incapacitado da experiência da fé em virtude
da razão. Mas no fim das contas o que deseja, o que exige Tomé? Apenas um prova
tangível, um tocar no corpo do Senhor?
O seu desejo de ver e tocar, de colocar as mãos nas feridas,
não é pelo contrário a reclamação de um encontro pessoal, personalizado? Há
quanto tempo não vimos nós a falar a diversos níveis, empresariais, sociais, de
marketing e publicidade, de atendimento personalizado? O confinamento que
vivemos devido à epidemia tem-nos mostrado como necessitamos intrinsecamente dele,
do outro diante de nós. Nas entrelinhas do pedido de Tomé, de tocar Jesus
ressuscitado, está patente a necessidade de encontro, de ter diante dos olhos, de
tocar e ser tocado.
Jesus vai corresponder ao pedido e à necessidade de Tomé, vai
fazer-se presente, vai dirigir-se pessoalmente a Tomé, vai personalizar-se para
Tomé e desta forma personalizar Tomé. Aqui estou, presente, toma e toca, e não
sejas incrédulo, mas crente; portanto, liberta-te da dúvida e acredita, sê
pessoa, única e plena como só tu és, tal como eu sou único e pleno ressuscitado.
E se nós hoje somos cristãos, se acreditamos, é porque esta
experiência continua a ser feita, continua a realizar-se, nos que nos
precederam na fé, nos que nos acompanham diariamente, e em nós próprios; pois só
desta forma poderemos pronunciar a mais depurada das confissões de fé, “meu
Senhor em eu Deus”.
Nós temos necessidade de que este Jesus, de que este Deus de
que nos falaram, se torne Nosso Senhor, Nosso Deus, exprimindo-nos de forma exagerada,
se torne propriedade nossa, história da nossa história, experiência nossa, pessoal
e única. O Deus de Abraão, o Deus de Moisés, o Deus dos nossos pais, o Deus de
Jesus tem de ser também o nosso Deus, o meu Deus, o meu Deus! E esta é condição
sine qua non para a fé.
Contudo, depois de se deixar tocar e de ter tocado o seu
amigo até à mais íntima fibra do seu coração, Jesus adverte Tomé, “porque me viste
acreditaste, felizes os que acreditam sem terem visto”. Esta advertência
dirige-se hoje mesmo a nós, e é uma convocatória, um mandamento se assim
podemos dizer, que exige a passagem da figura do Jesus histórico à pessoa do
ressuscitado Filho de Deus, da experiência pessoal e íntima à partilha e ao
anúncio comunitário, a dinâmica da fé à missão.
Se cada um de nós deve realizar um encontro pessoal e
original, tornar Deus seu Deus, acreditar e amar sem ver, como nos diz a Carta
de São Pedro na segunda leitura, não podemos deixar de estabelecer simultaneamente
uma ligação a essa história que é maior que a minha e que é a história da Igreja,
na qual sou convidado a tomar parte, a colocar o meu pedacinho de vida e história.
Este elemento comum, esta partilha comunitária, e de que a leitura
dos Actos dos Apóstolos nos dava uma imagem tão bela, “viviam unidos e tinham
tudo em comum”, é a garantia de estabilidade face às ameaças e aos perigos, de uma
fortaleza nas provações, de uma fonte de paz nos momentos de perturbação e de
deserto.
Bem-aventurados seremos quando soubermos acreditar nas palavras
dos irmãos, quando nos momentos de angústia e dúvida tomarmos as palavras dos
nossos irmãos como conforto e suporte, quando acreditarmos que os outros podem
ver e eu estar cego, que eu posso seguir os seus passos em direcção à luz do Ressuscitado
ainda que não veja claramente o caminho. Bem-aventurados seremos porque desta
forma conseguimos o fim da nossa fé, a salvação!
Ilustração:
1 – A incredulidade de São Tomé, François-Joseph Navez, Museu
de Belas Artes, Houston.
2 – A incredulidade de São Tomé, Giuseppe Bazzani, Museu de
Arte da Universidade de Arizona, Tucson.
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