domingo, 12 de abril de 2020

Homilia Domingo da Páscoa da Ressurreição do Senhor - Ano A


Caríssimos irmãos

A escritora e filósofa Hannah Arendt escreveu um dia ao seu mestre e amigo Karl Jaspers que o essencial da sua fé assentava no imprevisível.
Nesta manhã de Páscoa da ressurreição de Jesus este é certamente um dado, uma verdade que nos pode ajudar, não só a viver este mistério da ressurreição, o momento em que nos encontramos historicamente, mas a perspectivar toda a nossa vida. O imprevisível!
Maria Madalena desloca-se ao túmulo de Jesus para prestar ao corpo defunto os cuidados que o sábado da Páscoa não tinha permitido. Ela cumpre o seu dever de mulher, realiza essa necessidade que todos temos de superar a dor da perda: Maria Madalena prontifica-se a viver o que chamamos o luto.
O luto, a perda de alguém que amamos é algo que podemos dizer impensável, aquele que conhecemos, expressivo na sua forma de ser, movendo-se ao nosso redor como numa dança, aquele que nos dirigia a palavra e nos ajudava a ser pessoa, que fazia de nós uma pessoa única na relação com ele, não está mais presente, não dança mais, não responde nem nos dirige a palavra. Vivemos como que uma espécie de deserção que nos deixa incrivelmente sós. Como tantos dos nossos irmãos já experimentaram, o porto de abrigo, o porto seguro onde nos podemos recolher, desapareceu. E que vazio nos deixa.
Inacreditavelmente, são necessários vários anos para deixar de ouvir a voz, deixar de sentir a presença, o perfume ao virar da esquina, a sua silhueta que parece se passeia nos espaços que conhecemos e frequentámos juntos, a dor da perda ainda que suavizada não desaparece, e por vezes até aumenta.
Contudo, e apesar de destes sentimentos, desta dor, deste vazio preenchido por memórias é necessário fazer o luto; necessitamos, para continuar a viver, aceitar a fatalidade, o inevitável. É o que faz Maria Madalena na manhã de Páscoa. Apesar das suas memórias, dos seus pensamentos, dos desejos de ver Jesus ao virar de uma esquina de uma rua qualquer de Jerusalém, ela vai ao encontro do perdido, daquele que não está mais presente nem palpável.
O encontro com a pedra rolada, com o sepulcro aberto faz com que a imaginação de Maria Madalena galope para aquilo que é um cenário de profanação. E é essa realidade que ela corre a anunciar aos discípulos, “levaram o Senhor e não sabemos onde o colocaram”.
Maria Madalena não imagina o inimaginável, ela não realiza o que aconteceu, vai fazê-lo mais tarde, vai dar-se conta que ao impensável da morte, ao imprevisível da morte, sucede outro impensável, outra realidade imprevisível, Jesus ressuscitou.
A nossa vida, a vida de todos os dias, mostra-nos como essa mesma vida é capaz de mudar os nossos planos, como abala o que sonhamos, o que procuramos construir, os nossos projectos tão bem delineados. A situação de isolamento que vivemos é disso a maior testemunha e também o maior desafio. Quem pode dizer que viveu a sua vida sem que lhe tenha sucedido qualquer coisa de imprevisto? Como dizia John Lennon, e encontramos em citação nas redes sociais, “a vida é aquilo que nos chega, que nos acontece, quando estamos ocupados a elaborar outros planos para ela”.
Maria Madalena corre a anunciar o que lhe é dado experimentar, o que apenas pode pensar, e no fundo ela não diz mais que a verdade, “levaram o Senhor e não sabemos onde o colocaram”. Mas esta afirmação, esta verdade é para nós um conforto, é uma esperança, uma luz, pois permite-nos fazer a experiência de não sabermos antecipadamente onde o Senhor se encontra. Ele não está dado como garantido, teremos de o procurar nos lugares mais recônditos, no jardim, junto do jardineiro como Maria Madalena faz, temos de o procurar e de o ver no imprevisível e no insuspeito, no inimaginável.
Celebrar a Páscoa da ressurreição de Jesus é dispor-nos assim a uma busca, a um processo, a uma vida nova, a uma aspiração de outros valores, insondáveis, imperceptíveis por vezes, é acreditar no impensável que Ele vai à nossa frente e nos pede que o procuremos nos terrenos dos túmulos vazios, nas margens do lago da Galileia onde ele virá sempre ao nosso encontro, onde se encontrará sempre um passo à nossa frente para nos servir a refeição e nos ajudar a fazer as melhores opções quando lançamos a rede para a pesca.
Que o nosso coração, como o coração de Maria Madalena, não tenha medo do que vê. Que corramos também a anunciar que o Senhor vai à nossa frente. Procuremos confinar nele, no imprevisível e insuspeito da nossa vida. Que o nosso coração e o nosso espírito encontrem e percebam a luz que Ele nos revela ressuscitado.

Ilustração:
1 – A lamentação de Cristo, de Andrey Mironov.
2 – Maria Madalena junto ao sepulcro, de Henry Le Jeune, Christie’s, Leilão 5879, Fevereiro 2009.

1 comentário:

  1. Viver estes dias de Páscoa , tão diferentes, tem mesmo que ser confiar no imaginável, no não visto, percorrer um caminho novo e impensável, centrados apenas na luz do Cristo Ressuscitado.

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