domingo, 31 de maio de 2020

Homilia da Solenidade de Pentecostes - Ano A


Caríssimos Irmãos
É com grande alegria que hoje estamos aqui reunidos, não só porque passados cinquenta dias sobre a ressurreição do Senhor Jesus celebramos a solenidade do Pentecostes, mas porque depois de três meses de ausência devido ao confinamento e isolamento a que fomos obrigados por causa da epidemia do Covid-19 nos voltamos a encontrar, como nos dizia São Paulo na leitura da Carta aos Coríntios, como membros do mesmo corpo, como uma construção que não pode dispensar nenhuma das suas peças e necessita da argamassa do encontro dominical para se manter estável e firme.
E tal como aconteceu com os discípulos também podemos estar temerosos, sem saber muito bem o que fazer, o que pensar e o que dizer, afinal tal como também aconteceu com eles também nós fomos bombardeados com uma experiência dolorosa, com mensagens que nos assustam, mas também com outras mensagens que parecem querer dizer-nos que há algo de novo e temos que arriscar. Podemos dizer que nos encontramos numa nova madrugada de Páscoa.
O Evangelho de São João que escutámos diz-nos que o Senhor soprou sobre os discípulos enviando-lhes o Espírito Santo, para que eles partissem em missão, tal como Jesus tinha estado em missão desde que saíra do seio do Pai, para que pudessem perdoar os pecados. Contudo, antes de soprar e lhes enviar o Espírito, Jesus desafia-os à paz, convida-os à sua paz e mostra-lhes a mãos e o lado feridos na morte sofrida na cruz.
Os Actos dos Apóstolos contam-nos que na sequência deste envio, os discípulos não só perderam o medo, mas foram capazes de falar de modo a serem entendidos por todos os povos, desde os colonos de Roma até ao elamitas e habitantes da Mesopotâmia.
Ao celebrarmos e recordarmos o Pentecostes não podemos confinar-nos à ideia de que este acontecimento maravilhoso ficou reservado aos discípulos de há dois mil anos, seria estar a negar a acção do Espírito Santo, a sua luz e dinâmica transformadora, porque ele acontece hoje, aqui e agora, nos mais diversos momentos em que fazemos uso da palavra, da nossa palavra humana e da Palavra de Deus.
No Pentecostes dos discípulos o Espírito Santo fecundou as suas palavras, as suas experiências de vida, os caminhos que tinham percorrido com Jesus, iluminou também as suas feridas e chagas, as suas expectativas goradas e o bem que tinham feito, confirmou-nos na alegria e na paz que tinham sentido sempre que participavam da missão e vida de Jesus. Ainda hoje o Espírito Santo continua a fazer o mesmo, a fecundar de vida divina a nossa vida humana, à semelhança do momento da anunciação do anjo Gabriel a Maria.
Ao partirmos em missão, tal como Jesus nos envia, partimos com a nossa vida, a nossa história e a nossa experiência pessoal, e quando nos propomos e dispomos a falar da nossa vida com Deus e de Deus, de certa maneira propomos uma linguagem que é nossa, pessoal, que até nos pode envergonhar pela intimidade com que vai carregada, que pode parecer indecifrável para o outro. Como é que o outro nos pode entender? E quantas vezes nos damos conta que o outro entendeu tudo ao contrário do que queríamos dizer!  
No entanto, também experimentamos que algumas vezes o outro entende perfeitamente o que queremos dizer, ouve até o que não dizemos, e a nossa história, a nossa palavra faz eco no seu coração, torna-nos transparentes, luminosos, a nossa palavra começa a ter efeito no outro.
Tal como aconteceu em Jerusalém, o Espírito Santo exerce esse ministério, essa função de tradutor simultâneo, torna perceptíveis as nossas palavras, o que desejamos dizer, e faz com que o outro as acolha e escute na sua própria língua, na sua história e coração, e seja capaz de as devolver de uma outra forma perceptível também para nós. O Espírito Santo continua a alterar a nossa linguagem, não para a perverter ou tornar ilusória, bem pelo contrário, para a tornar bem real, quase palpável pelo outro que nos escuta.
Ao retomarmos a nossa vida de comunidade, as nossas celebrações comunitárias, as missões a que o Senhor nos envia, no testemunho, na palavra, na caridade, não podemos esquecer nem procurar passar por cima da experiência que tivemos nestes últimos meses, tal seria, e má a comparação, como se os discípulos não quisessem pensar mais na paixão de Jesus na cruz.
À luz do Espírito Santo necessitamos olhar para o que vivemos e sentimos, para o bom e para o mau, para as alegrias e prazeres, mas também para o negativo e o que nos custou e fez sofrer, e perspectivar à luz do Espírito Santo quais vão ser as mudanças na nossa vida, o que vamos fazer de diferente daqui para a frente. Tivemos uma oportunidade para parar. Agora que avançamos, como o fazemos?
Creio que uma das coisas que todos aprendemos com esta experiência dolorosa da pandemia foi o valor da presença do outro, da necessidade que temos do outro, afinal não podemos viver sozinhos.
O futuro coloca-nos o desafio de como vamos cuidar uns dos outros, dessa nova forma de vida transfigurada pela experiência da dor, mas também pela luz e a graça do Espírito Santo, na família, nas nossas relações sociais e profissionais, na nossa comunidade espiritual e paroquial.
O Espírito Santo desafia-nos a construir relações fundadas na nossa experiência e atentos à experiência do outro. Como tantas vezes Jesus nos diz no Evangelho, quem tem ouvidos ouça, ouça a voz do Espírito de Deus, na nossa história e na história dos nossos irmãos.

Ilustração:
1 – Pentecostes, de Antonio Palomino, Museu do Prado, Madrid.
2 –Pentecostes, de El Greco, Museu do Prado, Madrid.


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