Queridos Irmãos
Os Evangelhos
apresentam-nos muitas vezes personagens fugazes, homens e mulheres que se
encontram com Jesus, marcam um momento e definem um acontecimento, mas depois
nunca mais os encontramos. É o caso da sogra de Pedro que aparece nesta
passagem de Jesus por Cafarnaum, mas depois nunca mais se ouve falar dela. E, mais
surpreendente, o Evangelho guarda memória dela, deixando-nos, contudo, completamente
na ignorância sobre a família de Pedro, o primeiro dos apóstolos. E, mais surpreendente
ainda, é este milagre de Jesus não aparecer ligado a nenhum ensinamento, não
haver uma palavra dele sobre o que fez, temos apenas uma cura, simplesmente.
Esta situação pode
interrogar-nos, deixar-nos na dúvida, mas é bastante reveladora da nossa
condição humana no momento de fragilidade, e do mistério da encarnação do Filho
de Deus no compromisso com essa fragilidade. Assim, e como tantos de nós já
experimentámos, em momentos de dor e sofrimento, as palavras são vãs, por mais
que as procuremos para expressar a nossa compaixão, o nosso sentimento de
solidariedade, elas ficam aquém do que sentimos ou desejamos expressar. O gesto
de Jesus para com a sogra de Pedro revela-nos que mais que as palavras está a
mão, o dar a mão, um abraço forte, o acolher o outro.
É o calor do nosso corpo
que se transmite, a ternura, a experiência de que não se está só, mas há um
porto de abrigo, alguém que para além dos limites da minha própria corporeidade
e fragilidade me acolhe, me sustenta, me ergue, e me liberta. Nestes tempos que
vivemos e nos quais fomos obrigados a distanciamentos, como sentimos a falta de
uma mão de apoio, de um abraço, e como devemos cuidar disso com diligência, sem
medo. É humanamente essencial, tanto como o ar que respiramos.
Regressando à cura da
sogra de Pedro, e apesar de não haver uma palavra ou um ensinamento objectivo
da parte de Jesus, rapidamente vemos que aquele milagre não foi um acto
privado, isolado, pois logo se espalhou a novidade e trazem imediatamente
outros doentes a Jesus, que também foi afectado pelo realizado, na medida em
que se gera nele a consciência da urgência de ir a outros lugares, de anunciar o
Reino a outros homens e mulheres. Como encontramos no trecho da Carta de São
Paulo que lemos, nasce a imposição, o dever de anunciar aos outros o
experimentado.
Esta urgência e
imposição, inerente à condição de baptizados de cada um de nós, obriga-nos a
pensar o que é a nossa evangelização, o que estamos a fazer e como o estamos a
fazer para anunciar a Boa Nova de Jesus. E neste processo de análise esbarramos
inevitavelmente com as questões do mal, do pecado, do sofrimento e da
injustiça, da morte dos inocentes, das vítimas da violência, com o sentimento
de culpa e as frustrações face ao esperado de Deus, como acontecia com Job que
escutámos na Primeira Leitura. Afinal, que Deus é o nosso que parece não se
interessar pelos seus filhos, que não interfere no alívio do nosso sofrimento, que
não responde às nossas demandas e pedidos?
Muitas vezes, e vamos
encontrando também essa resposta neste contexto de pandemia que vivemos,
atiramos com as culpas para cima do pecado, quando todos também vamos sabendo
que a consciência do pecado está bastante diluída, que é um absurdo
culpabilizar o que não se conhece e reconhece, o que não se vê. Como podemos alertar
o outro para as consequências do mal que faz se ele não tem consciência de que
é um mal?
Neste contexto e perante
esta realidade temos de voltar à experiência de Jesus e à discrepância entre o
que ele ensinava e vivia e o que os seus contemporâneos percebiam, o abismo
entre as expectativas do reino messiânico e as acções de Jesus na concretização
desse mesmo reino. Jesus vem trazer a liberdade, mas não liberta do jugo
opressor dos romanos, Jesus mostra o Reino messiânico presente entre os homens,
mas através de sinais de humildade e serviço ao contrário da força e do poder
que todos esperavam.
A resposta e a acção de
Deus na nossa libertação, como dizia o padre Vanhoye, jesuíta, concretiza-se
através da semelhança, dissemelhança e superioridade, ou seja, Jesus faz mais, melhor
e diferente do que os homens esperam, das expectativas de cada um de nós, e
esta consciência deve estar presente na nossa vida, não só espiritual, mas
também apostólica.
Deus responde sempre, embora
de uma forma inusitada, e por isso a nossa atitude deve ser de abertura e
disponibilidade para a novidade e surpresa da sua resposta. O caminho com Deus é uma aventura, uma
descoberta, e a essa aventura ele associou a aventura dos nossos irmãos, os
outros homens e mulheres que caminham connosco e que muitas vezes com uma mão
um abraço, um olhar, nos erguem e não nos deixam prostrados no mal e na angústia.
Como São Paulo, que esta
semana que iniciamos nos saibamos fazer fracos, humildes, para ganharmos os
outros, para não deixarmos ninguém para trás no nosso caminho para a plenitude.
Ilustração:
1 – Jesus cura a sogra de
Pedro, de John Bridges, Birmingham Museum of Art, USA.
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