domingo, 7 de fevereiro de 2021

Homilia Domingo V do Tempo Comum - Ano B

Queridos Irmãos

Os Evangelhos apresentam-nos muitas vezes personagens fugazes, homens e mulheres que se encontram com Jesus, marcam um momento e definem um acontecimento, mas depois nunca mais os encontramos. É o caso da sogra de Pedro que aparece nesta passagem de Jesus por Cafarnaum, mas depois nunca mais se ouve falar dela. E, mais surpreendente, o Evangelho guarda memória dela, deixando-nos, contudo, completamente na ignorância sobre a família de Pedro, o primeiro dos apóstolos. E, mais surpreendente ainda, é este milagre de Jesus não aparecer ligado a nenhum ensinamento, não haver uma palavra dele sobre o que fez, temos apenas uma cura, simplesmente.

Esta situação pode interrogar-nos, deixar-nos na dúvida, mas é bastante reveladora da nossa condição humana no momento de fragilidade, e do mistério da encarnação do Filho de Deus no compromisso com essa fragilidade. Assim, e como tantos de nós já experimentámos, em momentos de dor e sofrimento, as palavras são vãs, por mais que as procuremos para expressar a nossa compaixão, o nosso sentimento de solidariedade, elas ficam aquém do que sentimos ou desejamos expressar. O gesto de Jesus para com a sogra de Pedro revela-nos que mais que as palavras está a mão, o dar a mão, um abraço forte, o acolher o outro.

É o calor do nosso corpo que se transmite, a ternura, a experiência de que não se está só, mas há um porto de abrigo, alguém que para além dos limites da minha própria corporeidade e fragilidade me acolhe, me sustenta, me ergue, e me liberta. Nestes tempos que vivemos e nos quais fomos obrigados a distanciamentos, como sentimos a falta de uma mão de apoio, de um abraço, e como devemos cuidar disso com diligência, sem medo. É humanamente essencial, tanto como o ar que respiramos.

Regressando à cura da sogra de Pedro, e apesar de não haver uma palavra ou um ensinamento objectivo da parte de Jesus, rapidamente vemos que aquele milagre não foi um acto privado, isolado, pois logo se espalhou a novidade e trazem imediatamente outros doentes a Jesus, que também foi afectado pelo realizado, na medida em que se gera nele a consciência da urgência de ir a outros lugares, de anunciar o Reino a outros homens e mulheres. Como encontramos no trecho da Carta de São Paulo que lemos, nasce a imposição, o dever de anunciar aos outros o experimentado.

Esta urgência e imposição, inerente à condição de baptizados de cada um de nós, obriga-nos a pensar o que é a nossa evangelização, o que estamos a fazer e como o estamos a fazer para anunciar a Boa Nova de Jesus. E neste processo de análise esbarramos inevitavelmente com as questões do mal, do pecado, do sofrimento e da injustiça, da morte dos inocentes, das vítimas da violência, com o sentimento de culpa e as frustrações face ao esperado de Deus, como acontecia com Job que escutámos na Primeira Leitura. Afinal, que Deus é o nosso que parece não se interessar pelos seus filhos, que não interfere no alívio do nosso sofrimento, que não responde às nossas demandas e pedidos?       

Muitas vezes, e vamos encontrando também essa resposta neste contexto de pandemia que vivemos, atiramos com as culpas para cima do pecado, quando todos também vamos sabendo que a consciência do pecado está bastante diluída, que é um absurdo culpabilizar o que não se conhece e reconhece, o que não se vê. Como podemos alertar o outro para as consequências do mal que faz se ele não tem consciência de que é um mal?

Neste contexto e perante esta realidade temos de voltar à experiência de Jesus e à discrepância entre o que ele ensinava e vivia e o que os seus contemporâneos percebiam, o abismo entre as expectativas do reino messiânico e as acções de Jesus na concretização desse mesmo reino. Jesus vem trazer a liberdade, mas não liberta do jugo opressor dos romanos, Jesus mostra o Reino messiânico presente entre os homens, mas através de sinais de humildade e serviço ao contrário da força e do poder que todos esperavam.

A resposta e a acção de Deus na nossa libertação, como dizia o padre Vanhoye, jesuíta, concretiza-se através da semelhança, dissemelhança e superioridade, ou seja, Jesus faz mais, melhor e diferente do que os homens esperam, das expectativas de cada um de nós, e esta consciência deve estar presente na nossa vida, não só espiritual, mas também apostólica.

Deus responde sempre, embora de uma forma inusitada, e por isso a nossa atitude deve ser de abertura e disponibilidade para a novidade e surpresa da sua resposta.  O caminho com Deus é uma aventura, uma descoberta, e a essa aventura ele associou a aventura dos nossos irmãos, os outros homens e mulheres que caminham connosco e que muitas vezes com uma mão um abraço, um olhar, nos erguem e não nos deixam prostrados no mal e na angústia.

Como São Paulo, que esta semana que iniciamos nos saibamos fazer fracos, humildes, para ganharmos os outros, para não deixarmos ninguém para trás no nosso caminho para a plenitude.

 

Ilustração:

1 – Jesus cura a sogra de Pedro, de John Bridges, Birmingham Museum of Art, USA.

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