domingo, 10 de janeiro de 2010

Homilia Solenidade do Baptismo do Senhor Jesus

Celebramos neste domingo a solenidade do baptismo de Jesus e com ela damos por encerrado o ciclo do Natal, esse tempo em que vivemos de um modo mais profundo e concentrado a manifestação do mistério da encarnação do Filho de Deus.
Neste ciclo, e ainda que depois encontremos outros acontecimentos ao longo do ano, encontramos um conjunto de episódios que manifestam essa presença de Deus entre nós na nossa forma humana. Podemos dizer que este ciclo do Natal é o ciclo da epifanias, das diversas manifestações da revelação, transmitindo cada uma delas uma faceta que é importante não esquecer.
Na noite de Natal e com o anúncio dos anjos aos pastores que guardam os seus rebanhos na noite fria revela-se e manifesta-se a presença do Messias, do Salvador esperado e anunciado pelos profetas. Estamos perante uma epifania dirigida ao povo escolhido, ao povo de Israel simbolizado nesses pobres pastores que acorrem para ver a verdade do anunciado. Podemos ver também a epifania da dimensão profética de Jesus, uma dimensão que se transmite através dos vários elementos simbólicos que compõem o nascimento e a adoração e que ao longo do profetismo bíblico são uma constante.
Com a visita dos reis magos vindos do Oriente assistimos à epifania do menino que é rei, esse rei não já dirigido apenas e exclusivamente ao povo de Israel mas oferecido e manifestado a todos os povos da terra. A manifestação da presença de Deus entre nós alarga assim o seu horizonte existencial. Neste acontecimento vemos também a dimensão real de Jesus, desse menino que é rei não de um reino terrestre mas de um reino celeste e eterno, que inevitavelmente entrará em confronto com os outros reinos condenados à extinção e esgotamento pela limitação do poder.
No baptismo de João no rio Jordão, que testemunhámos hoje com a leitura do Evangelho de São Lucas manifesta-se e revela-se uma outra faceta do mistério da encarnação, a da filiação divina de Jesus, pois Jesus é o filho muito amado do Pai. Estamos assim perante uma epifania que se dirige a todos, povo escolhido e povo não escolhido, e de uma forma muito marcante a cada um de nós em particular e individualmente, porque o que se revela hoje com o baptismo não é uma realidade social ou eclesial, mas é uma realidade pessoal, relacional, interna à nossa própria condição. Com o baptismo de Jesus não se nos revela um Messias, um profeta, um rei, mas um irmão, uma filiação assumida e que a todos integra nessa unicidade de filho muito amado.
Neste episódio do baptismo e pela unção do Espírito Santo que desce simbolicamente sob a forma de pomba podemos ver ainda a manifestação da dimensão sacerdotal de Jesus, uma manifestação que não se faz clara mas que está subjacente, pois como os sacerdotes do templo também Jesus foi ungido e se não lhe escorre pela barba o óleo da unção sobre ele aparece a manifestação do Espírito Santo que é quem verdadeiramente unge.
Esta dimensão sacerdotal, que adquirimos pelo baptismo todos os que somos baptizados em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo, é à luz do relato que escutámos do baptismo de Jesus uma realidade que não podemos deixar de salientar. E esta chamada de atenção não é para reivindicar poderes ou funções que correspondem ao sacerdócio ministerial, a uma função específica e instituída na Igreja, mas para a realidade e potencialidades profundas que são inerentes a essa dimensão sacerdotal comum.
O relato do Evangelho de São Lucas que escutámos salienta que é após o baptismo de água, quando Jesus se encontra em oração que os céus se abrem e o Espírito Santo desce sobre ele para revelar que é o Filho muito amado. Desta forma, e tendo em conta o relato, o momento importante para a revelação da filiação divina de Jesus não é o baptismo mas o momento de oração. Não é o acto penitencial a que Jesus se submete que o revela mas é a sua intimidade e relação com Deus, com o Pai a quem se dirige na oração depois do acto penitencial.
Para nós baptizados esta uma grande oportunidade de aprendermos o modo de manifestarmos a nossa condição e natureza sacerdotal adquirida pelo baptismo, porque se pelo baptismo somos adoptados como filhos a filiação só se revela com a relação pessoal que se desenvolve a partir daí. À semelhança de Jesus que depois do baptismo orou ao Pai, e por isso recebeu a unção do Espírito Santo, também nós somos convidados à sua semelhança a orar e a exercer a pressão para que os céus se abram sobre nós e sejamos ungidos pela força do Espírito Santo. E podemos fazê-lo por nós, pelos outros e para os outros, actualizando e exercitando desta forma o sacerdócio que nos é comum a todos.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    A beleza enternecedora deste texto, em que gradualmente nos vem revelando o mistério da Encarnação, o Reino eterno de Deus, a nossa filiação, a nossa relação fraterna com Jesus, culminando com a descida do Espírito Santo sobre o seu Filho muito amado, envolve-nos numa íntima oração.
    Assim tenhamos a força para com perseverança manter o nosso espírito elevado aos céus em preces pela descida do Espírito Santo sobre nós. Que o fruto dessas preces se revele nos nossos recônditos pensamentos, nas nossas palavras, nas nossas acções. Que tenhamos igualmente a humildade de rogar o perdão, quando nos dermos conta das nossas falhas de filhos imperfeitos. Que a nossa vida dê testemunho.
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Através de um texto claro e de grande beleza relembra-nos o significado do simbolismo de cada um dos acontecimentos do ciclo de Natal que termina com o baptismo de Jesus. ..." , o momento importante para a revelação da filiação divina de Jesus não é o baptismo mas o momento de oração." "Para nós baptizados (...) também nós somos convidados à sua semelhança a orar e a exercer a pressão para que os céus se abram sobre nós e sejamos ungidos pela força do Espírito Santo". Que as nossas orações contribuam para que tal aconteça e que o nosso quotidiano seja revelador da relação fraterna com Jesus. Obrigada pela força que me transmite. Bem haja. MJS

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