Encontramo-nos hoje no Evangelho com a segunda parte do relato da visita de Jesus à sua aldeia de Nazaré. Uma segunda parte que nos complementa a visão do domingo passado e que nos revela como a acção de Jesus foi mal compreendida e terminou em violência quase mortal.
É também um trecho do Evangelho que nos permite ver, quase resumida e antecipadamente, o que vai ser a vida de Jesus, o seu confronto com a natureza humana, o confronto com aqueles mesmos que o admiram, a violência que vai gerar sem querer e a sua passagem para além de tudo isso por causa do amor que o habita e do sentido da missão a que está destinado pelo Pai.
A pergunta que todos fazem “não é este o filho de José” e a afirmação de Jesus “médico cura-te a ti mesmo” coloca-nos perante a síntese redacional do que foi a vida humana de Jesus, vida experimentada nas suas limitações. Durante toda a sua vida Jesus não pôde libertar-se da sua condição de filho de homem, de filho de José, do carpinteiro de Nazaré. É a sua corporeidade física e identidade social, é o que o marca e insere no conjunto do grupo humano e da história. Jesus é antes de mais e para aqueles que com ele se cruzam um homem, um homem com história, com família, natural de um lugar, com uma profissão. Jesus é inevitavelmente um dos seus, um dos nossos, um como nós, e por isso é difícil olhar para além do que estamos habituados e estruturados. Ainda hoje, passados dois mil anos, continuamos a ter dificuldade em ver o outro para além das nossas razões e expectativas, até a ver Jesus para além do que são as nossas expectativas sobre ele. Já para não falar no próprio Deus, que envolvemos nas nossas molduras douradas das concepções mais humanas, inviabilizando a sua surpresa.
A esta dificuldade humana de Jesus acresce o estigma que lhe foi lançado da loucura e da possessão diabólica. Em várias passagens dos evangelhos encontramos ecos desta ideia e deste preconceito. As palavras e as acções de Jesus eram estranhas, eram incompreensíveis e por isso a primeira e mais fácil explicação foi a da alienação, a da loucura. A sua própria mãe um dia o procurará, infectada dessa mesma ideia incutida pela família e pelo poder patriarcal do grupo.
Como Jesus diz nenhum profeta é bem aceite na sua terra, mas a verdade é bem mais radical e taxativa, porque os profetas são por natureza recusáveis e recusados, são produtos de uma loucura. Os profetas colocam os olhos para além do imediato, daquilo que é previsível e possível. Os profetas regem-se por horizontes de alguma forma loucos porque são horizontes sem medida, alargados à imaginação e ao impossível. E nós, quase todos nós nos regemos por horizontes muito limitados, previsíveis. É a nossa necessidade de segurança, o desejo de controlo absoluto que não nos permite ir mais além. Como profeta, enviado de Deus, sabendo que tinha sido gerado, escolhido e enviado desde o seio materno, Jesus assume e vive a loucura de novos e alargados horizontes e inevitavelmente experimenta a rejeição e o limite da exclusão e incompreensão.
Exclusão e incompreensão daqueles que num primeiro momento o vão admirar, o vão quase idolatrar na satisfação das suas expectativas. Também aqueles homens de Nazaré o admiraram num primeiro momento, enquanto não perceberam que Jesus não estava ali para satisfazer as suas necessidades e aspirações. Quando perceberam que o extraordinário que tinham diante deles afinal não lhes pertencia nem o podiam controlar viraram-se contra ele e desejaram dar-lhe um fim. Ao longo da vida de Jesus muito de semelhante se vai passar. Serão alguns discípulos que o abandonarão, serão os fariseus com quem privará, será o próprio povo que um dia o acolherá efusivamente e uma semana depois pedirá a sua morte.
E nós hoje continuamos a fazer mais ou menos o mesmo, continuamos a excluir e a condenar à morte aqueles que se nos escapam das expectativas e do nosso controlo. E uma vez mais Deus também não fica de fora deste nosso mecanismo, pois quando não corresponde aos nossos pedidos, ao nosso controlo, é rejeitado e jogado para um canto de onde o retiraremos novamente num momento de nova necessidade e expectativa de correspondência controlada.
Por tudo isto não nos pode estranhar a paixão de Jesus, o processo violento da sua condenação e morte, não podemos ficar chocados com a afirmação de Nietzsche da morte de Deus para a ascensão do super homem, nem com a afirmação de Jean Paul Sartre de que o inferno são os outros. São os nossos mecanismos de violência e sobrevivência desde que expulsos do paraíso a manifestarem-se e a manifestarem como nos falta dimensão divina apesar de obras e filhos de Deus.
Perante toda a violência, Jesus passou por entre eles e seguiu o seu caminho, como cidade fortificada e coluna de ferro, porque apesar de todo o ódio e desejo de aniquilação, Deus estava com ele e nele para o salvar e portanto não o poderiam vencer. Mesmo condenado à morte não o puderam vencer, a caridade que habitava nele, que se tinha feito forma humana nele, ressuscitou três dias depois. Nada pode vencer a caridade e ainda que os nossos mecanismos de violência e morte continuem activos e actuantes Deus continua a passar por entre nós, esperando que o recebamos ou de contrário partindo em busca daqueles que o possam receber.
Se tivermos a coragem de receber Deus na sua diferença e liberdade, no insuspeitável da sua acção e manifestação, na surpresa que é, certamente Deus ficará connosco e nos transformará em muralhas de bronze que nada poderá vencer, em címbalos sonoros que ecoarão até ao infinito a glória do seu amor. Acolhamos o Senhor que passa e bate à nossa porta.
É também um trecho do Evangelho que nos permite ver, quase resumida e antecipadamente, o que vai ser a vida de Jesus, o seu confronto com a natureza humana, o confronto com aqueles mesmos que o admiram, a violência que vai gerar sem querer e a sua passagem para além de tudo isso por causa do amor que o habita e do sentido da missão a que está destinado pelo Pai.
A pergunta que todos fazem “não é este o filho de José” e a afirmação de Jesus “médico cura-te a ti mesmo” coloca-nos perante a síntese redacional do que foi a vida humana de Jesus, vida experimentada nas suas limitações. Durante toda a sua vida Jesus não pôde libertar-se da sua condição de filho de homem, de filho de José, do carpinteiro de Nazaré. É a sua corporeidade física e identidade social, é o que o marca e insere no conjunto do grupo humano e da história. Jesus é antes de mais e para aqueles que com ele se cruzam um homem, um homem com história, com família, natural de um lugar, com uma profissão. Jesus é inevitavelmente um dos seus, um dos nossos, um como nós, e por isso é difícil olhar para além do que estamos habituados e estruturados. Ainda hoje, passados dois mil anos, continuamos a ter dificuldade em ver o outro para além das nossas razões e expectativas, até a ver Jesus para além do que são as nossas expectativas sobre ele. Já para não falar no próprio Deus, que envolvemos nas nossas molduras douradas das concepções mais humanas, inviabilizando a sua surpresa.
A esta dificuldade humana de Jesus acresce o estigma que lhe foi lançado da loucura e da possessão diabólica. Em várias passagens dos evangelhos encontramos ecos desta ideia e deste preconceito. As palavras e as acções de Jesus eram estranhas, eram incompreensíveis e por isso a primeira e mais fácil explicação foi a da alienação, a da loucura. A sua própria mãe um dia o procurará, infectada dessa mesma ideia incutida pela família e pelo poder patriarcal do grupo.
Como Jesus diz nenhum profeta é bem aceite na sua terra, mas a verdade é bem mais radical e taxativa, porque os profetas são por natureza recusáveis e recusados, são produtos de uma loucura. Os profetas colocam os olhos para além do imediato, daquilo que é previsível e possível. Os profetas regem-se por horizontes de alguma forma loucos porque são horizontes sem medida, alargados à imaginação e ao impossível. E nós, quase todos nós nos regemos por horizontes muito limitados, previsíveis. É a nossa necessidade de segurança, o desejo de controlo absoluto que não nos permite ir mais além. Como profeta, enviado de Deus, sabendo que tinha sido gerado, escolhido e enviado desde o seio materno, Jesus assume e vive a loucura de novos e alargados horizontes e inevitavelmente experimenta a rejeição e o limite da exclusão e incompreensão.
Exclusão e incompreensão daqueles que num primeiro momento o vão admirar, o vão quase idolatrar na satisfação das suas expectativas. Também aqueles homens de Nazaré o admiraram num primeiro momento, enquanto não perceberam que Jesus não estava ali para satisfazer as suas necessidades e aspirações. Quando perceberam que o extraordinário que tinham diante deles afinal não lhes pertencia nem o podiam controlar viraram-se contra ele e desejaram dar-lhe um fim. Ao longo da vida de Jesus muito de semelhante se vai passar. Serão alguns discípulos que o abandonarão, serão os fariseus com quem privará, será o próprio povo que um dia o acolherá efusivamente e uma semana depois pedirá a sua morte.
E nós hoje continuamos a fazer mais ou menos o mesmo, continuamos a excluir e a condenar à morte aqueles que se nos escapam das expectativas e do nosso controlo. E uma vez mais Deus também não fica de fora deste nosso mecanismo, pois quando não corresponde aos nossos pedidos, ao nosso controlo, é rejeitado e jogado para um canto de onde o retiraremos novamente num momento de nova necessidade e expectativa de correspondência controlada.
Por tudo isto não nos pode estranhar a paixão de Jesus, o processo violento da sua condenação e morte, não podemos ficar chocados com a afirmação de Nietzsche da morte de Deus para a ascensão do super homem, nem com a afirmação de Jean Paul Sartre de que o inferno são os outros. São os nossos mecanismos de violência e sobrevivência desde que expulsos do paraíso a manifestarem-se e a manifestarem como nos falta dimensão divina apesar de obras e filhos de Deus.
Perante toda a violência, Jesus passou por entre eles e seguiu o seu caminho, como cidade fortificada e coluna de ferro, porque apesar de todo o ódio e desejo de aniquilação, Deus estava com ele e nele para o salvar e portanto não o poderiam vencer. Mesmo condenado à morte não o puderam vencer, a caridade que habitava nele, que se tinha feito forma humana nele, ressuscitou três dias depois. Nada pode vencer a caridade e ainda que os nossos mecanismos de violência e morte continuem activos e actuantes Deus continua a passar por entre nós, esperando que o recebamos ou de contrário partindo em busca daqueles que o possam receber.
Se tivermos a coragem de receber Deus na sua diferença e liberdade, no insuspeitável da sua acção e manifestação, na surpresa que é, certamente Deus ficará connosco e nos transformará em muralhas de bronze que nada poderá vencer, em címbalos sonoros que ecoarão até ao infinito a glória do seu amor. Acolhamos o Senhor que passa e bate à nossa porta.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarQue maravilhosa homília! Pela profundidade, pela simplicidade, pelo apelo e ... pela ligação à realidade. .... "E nós hoje continuamos a fazer mais ou menos o mesmo, continuamos a excluir e a condenar à morte aqueles que se nos escapam das expectativas e do nosso controlo. E uma vez mais Deus também não fica de fora deste nosso mecanismo, pois quando não corresponde aos nossos pedidos, ao nosso controlo, é rejeitado e jogado para um canto de onde o retiraremos novamente num momento de nova necessidade e expectativa de correspondência controlada." (...) "Se tivermos a coragem de receber Deus na sua diferença e liberdade, no insuspeitável da sua acção e manifestação, na surpresa que é, certamente Deus ficará connosco e nos transformará em muralhas de bronze que nada poderá vencer, em címbalos sonoros que ecoarão até ao infinito a glória do seu amor".
Oxalá saibamos "acolher o Senhor que passa e bate à nossa porta." Obrigada, Frei José Carlos. Bem haja. MJS
Boa noite Frei José Carlos,
ResponderEliminar"Acolhamos o Senhor que passa e bate à nossa porta."
Detive-me nesta frase-síntese do seu tão bem elaborado texto que,em crescendo, nos confronta com as nossas limitações e nos convida à conversão pela Caridade. Acolhemo-Lo no acolhimento que dispensamos ao outro, e, ao aceitá-lo sem exclusões de qualquer espécie,revelamos a maior prova de amor.
Só a oração constante nos ajuda a perceber que Deus está onde há verdadeira Caridade.
Que o Espírito Santo continue a iluminá-lo para que venha ao encontro das nossas necessidades espirituais.
Uma santa noite.
GVA