sexta-feira, 2 de julho de 2010

Aniversário de Ordenação Presbiteral

Interrogo-me se devo ou não escrever este texto, se devo responder ao desafio que, ainda que indirectamente, me foi colocado pelo frei Filipe, meu Prior, irmão, amigo e companheiro fiel de tantos momentos, no seu blogue.
É verdade que celebro hoje o meu quarto aniversário de ordenação presbiteral. Há quatro anos atrás, mais ou menos por esta hora, estava a ser ordenado na igreja do antigo mosteiro dos Jerónimos de Lisboa pelo Patriarca D. José Policarpo. Foi um momento de muita alegria, um momento de chegada para uma partida, um momento de muita fraternidade e muito carinho por parte de quase todos os meus irmãos de religião que estiveram presentes e tantas outras pessoas que me conheciam e quiseram partilhar desse momento e alegria.
Passados quatro anos e olhando para a caminhada feita só posso dizer com as palavras do Livro da Sabedoria, “em tudo, Senhor, tu engrandecestes e glorificastes o teu servo, não deixastes de o assistir em todo o tempo e lugar” (Sb19,22), ainda que ele pouco o mereça pela sua infidelidade.
Passados quatro anos, que parece que voaram, tenho consciência das muitas coisas que o Senhor me deu, me concedeu para o servir e servir os irmãos. Tenho também consciência de que muitas vezes a minha vida é uma grande confusão, uma amálgama de desejos de fidelidade e coerência não vividas e infidelidades constantes e consentidas. O convite “Segue-me” está de certa forma ainda por realizar, porque mais ou menos conscientemente, ou inconscientemente, procuro subterfúgios para me desculpar. É o tempo que falta, a paciência que se esgota, as ideias contrárias dos outros, a sobrecarga de tantos ofícios, a falta de disciplina interna. E quase sempre o que de verdade falta é o amor. Tenho presente que fiz muitas coisas mal feitas, outras que deixei de fazer para não me aborrecer, algumas por preguiça ou orgulho. Tenho consciência que desperdicei algumas oportunidades e não sei se Deus não me vai chamar a atenção por isso, porque as oportunidades são isso mesmo, oportunidades para fazer mais e melhor, para poder ser mais fiel.
Contudo, não vivo esta minha infidelidade de uma forma doentia, ou desesperada, bem pelo contrário, ela faz-me ter consciência da fidelidade a que Deus me chama, de quanto estou ainda longe, e a procurar cada dia mais a sua misericórdia e o seu amor. Faz-me também ter consciência de como sou um instrumento, de como me devo considerar um instrumento nas mãos de Deus, de como Deus vai agindo através de mim e portanto devo estar disponível com o que sou e o que tenho.
E é na Eucaristia, que celebro cada dia, que vou descobrindo como o Senhor engrandece e glorifica este seu servo, que se apresenta de cada vez apenas com o pouco que tem e é. Cada vez que penso nisso, fico apreensivo, porque de facto não acabo de dignificar o mistério que celebro. Em cada Eucaristia é o corpo do Senhor que tenho em minhas mãos, o corpo que Maria acarinhou, que José contemplou no berço, que esteve pregado na cruz para minha salvação, o corpo que Maria Madalena quis tocar na manhã de Páscoa e não pôde, o corpo glorioso que Tomé foi convidado a tocar. Em cada Eucaristia, pela invocação e poder do Espírito Santo esse corpo faz-se presente nas minhas mãos, Deus torna-se alimento para todos os que o receberem. Haverá poder maior que fazer Deus presente? E mais ainda quando nos sabemos pecadores?
Às palavras “isto é o meu corpo entregue por vós”, estremece-me o coração, porque estão ainda bem longe da minha vida quotidiana, da minha fidelidade essas palavras de Jesus. E o sacerdócio cristão não é entregar o nosso corpo em alimento, ser pão de vida para os outros, encarnação do amor de Deus?
Aproxima-se a hora da Eucaristia comunitária, que presidirei e na qual darei graças ao Senhor por tudo o que me concedeu. Nela pedirei também que o Senhor grave no meu coração, como um selo, o seu amor, porque só o amor é forte como a morte, só o amor pode vencer a morte, qualquer que ela seja.
Respondi ao desafio do frei Filipe, mas ao fazê-lo é porque acredito que todos participamos da mesma vida e a nossa partilha e oração fraterna pode dar frutos insuspeitáveis nas nossas vidas. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada por ter aceite e partilhado connosco o desafio que o Frei Filipe lhe dirigiu. Hesitei se devia escrever algo sobre o que decidiu partilhar com tão grande humildade, como se , de mãos abertas, expostas a Deus se confessasse. É pessoal. Porém, reflicto na satisfação que senti em momentos anteriores quando o Frei Filipe no blogue ou na missa partilhou alguns momentos como o dia da ordenação, a celebração da primeira Eucaristia, ou da ordenação de outros irmãos da comunidade. Porque sinto alegria? Certamente porque participando na missa ou seguindo os vossos blogues, sinto pertencer espiritualmente a uma comunidade, a uma família, ainda que, na maior parte das vezes, estes “laços” sejam invisíveis. Quando estou ausente fisicamente da igreja do convento estou presente, em muitos momentos da minha vida, nas mais diversas formas, até em silêncio.

    Frei José Carlos, Jesus não veio para os justos, para os perfeitos, veio para os pecadores ( a frase não é minha, mas acredito que é assim). A fidelidade é um objectivo, somos seres humanos, pecadores com as nossas qualidades, dons e fragilidades. Somos um”todo” e a consciência do que é necessário aperfeiçoar, é certamente, o passo mais importante, para humildemente e com a ajuda de Jesus atingirmos as metas que nos propomos.
    ...” faz-me ter consciência da fidelidade a que Deus me chama, de quanto estou ainda longe, e a procurar cada dia mais a sua misericórdia e o seu amor. Faz-me também ter consciência de como sou um instrumento, de como me devo considerar um instrumento nas mãos de Deus, de como Deus vai agindo através de mim e portanto devo estar disponível com o que sou e o que tenho.” (sic) …
    Temos provas que o balanço que hoje fez é largamente positivo naturalmente com a vontade de atingir um ideal feito de muitos desejos e de disponibilidade para os outros com a ajuda de todos os irmãos, acreditando como, noutros momentos tenho dito que a vossa riqueza está na diversidade e na união.

    Deus chamou o Frei José Carlos para uma missão que teve a coragem de abraçar e que é de uma grande nobreza, prova de amor e entrega ao seu semelhante, de sacríficio, pastor de um rebanho, muitas vezes desencaminhado, “vocação de evangelista, de contador da história de Jesus, de histórias com Jesus”.

    Que Jesus proteja, ilumine e frutifique os dons que concedeu ao Frei José Carlos.

    Um grande bem haja por tudo. Um abraço fraterno.MJS

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  2. Parabéns Frei José Carlos, que o Senhor o cumúle de bençãos e fortaleça cada vez mais a sua vocaçao e doação a Ele e ao próximo.
    Maria

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  3. Parabéns Frei José Carlos! Que Deus todos os dias o ajude a caminhar em santidade. Gostei muito do texto que partilhou connosco. Tem a força da humildade e da verdade!

    Abraço

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