sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tu segue-me! (Mt 9, 9)

Passa-se tudo demasiado rápido, num ápice. A passagem de Jesus diante da banca de cobrança de impostos, um olhar, e imediatamente uma ordem, “segue-me”. E Mateus seguiu-o deixando para trás tudo o que fazia e tinha.
Na pintura de Caravágio a velocidade do relato evangélico é como que suspensa, e vemos como em câmara lenta tudo o que se passou. Jesus não está de passagem, não é à beira do caminho que encontra Mateus, mas dentro da sua casa, do seu posto de cobrança, encerrado como numa fortaleza, onde a janela é a única fonte de luz. No entanto, e ainda aí, nessa profana fonte de luz a presença das traves que marcam a cruz. Não é o seguimento o carregar a cruz? Com fé ou sem fé a cruz está lá, presente, enquadrando as perspectivas que por vezes não se alcançam.
Sentado num canto, debruçado sobre a mesa e contando as moedas, está Mateus, envolto na escuridão que quase não permite ver-lhe as feições. Parece alheado de tudo, como se o dinheiro que tem diante dos olhos já não lhe preenchesse a existência. Olha, mas não vê, e para aquele que tem diante de si, que lhe invadiu a casa, não consegue olhar. Mateus está afundado, atolado numa realidade que o distancia de tudo e de todos, até mesmo daqueles que ao seu lado parecem intrometer-se no meio do chamamento. Nos rostos e nas mãos de todos a surpresa e a interrogação. Como é possível chamar aquele homem, como é possível convidá-lo a deixar o seu posto de lucros e rendas? A espada à cintura de um dos companheiros deixa suspeitar a violência, a extorsão e a exploração dos mais pobres e indefesos. Estão todos condenados à escuridão.
No lado oposto e entrando nessa escuridão como um raio de luz, uma nova vida banhada de luz, Jesus, aquele que tem a autoridade para lhe ordenar “segue-me” e para lhe esticar a mão, como um arpão que se lança para colher um grande peixe. Também o seu corpo parece escondido na escuridão e apenas o rosto jovem e cativante se destaca, um rosto que atrai pela força e pelo amor. O corpo é perecível e portanto pode ocultar-se, mas o rosto é eterno porque é relação e assim deve reconhecer-se.
Segue-me, deixa que te salve dessas trevas do erro e da violência, que te traga à luz que jorra daquele que me enviou a chamar-te, segue-me porque necessito de ti para que contes a minha história, a minha história de amor, por ti, por estes e por todos os homens. Segue-me porque há um banquete a celebrar em tua casa, um banquete em que uma vez mais será anunciado que Deus prefere a misericórdia aos sacrifícios, ainda que isso escandalize aqueles que se julgam puros e perfeitos.
Aos nossos postos de cobrança, às nossas secretárias e mesas de trabalho, tantas vezes envoltas também nas trevas da exploração e da violência, chega o chamamento de Jesus, “segue-me”. Necessitamos erguer-nos como Mateus, acolher o convite, celebrar o banquete e depois contar a nossa história de Jesus, ou da presença de Jesus na nossa história. Não será a nossa vocação a de evangelistas, de contadores da história de Jesus, de histórias com Jesus?

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto de hoje intitulado “Tu segue-me! (Mt9,9), uma das passagens do Evangelho segundo São Mateus, cujo significado nos oferece através da interpretação da pintura de Caravaggio (Vocação de S.Mateus) é de uma beleza e espiritualidade sublimes.

    Se me permite passo a citar as passagens que mais me sensibilizaram ... “Sentado num canto, debruçado sobre a mesa e contando as moedas, está Mateus, envolto na escuridão que quase não permite ver-lhe as feições. Parece alheado de tudo, como se o dinheiro que tem diante dos olhos já não lhe preenchesse a existência.” … “Como é possível chamar aquele homem, como é possível convidá-lo a deixar o seu posto de lucros e rendas?”….
    …”No lado oposto e entrando nessa escuridão como um raio de luz, uma nova vida banhada de luz, Jesus, aquele que tem a autoridade para lhe ordenar “segue-me” e para lhe esticar a mão, como um arpão que se lança para colher um grande peixe.” …”apenas o rosto jovem e cativante se destaca, um rosto que atrai pela força e pelo amor. O corpo é perecível e portanto pode ocultar-se, mas o rosto é eterno porque é relação e assim deve reconhecer-se.” …
    …”Segue-me, deixa que te salve dessas trevas do erro e da violência, que te traga à luz que jorra daquele que me enviou a chamar-te, segue-me porque necessito de ti para que contes a minha história, a minha história de amor, por ti, por estes e por todos os homens.”…
    Obrigada por esta maravilhosa partilha tão bem cinzelada e pelo desafio que encerra : ”Não será a nossa vocação a de evangelistas, de contadores da história de Jesus, de histórias com Jesus?”

    Parabéns, por este texto, meditação de um dia que é “especial” para o Frei José Carlos. Bem haja. MJS

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