domingo, 15 de agosto de 2010

O Senhor dos Milagres e as Melancias

Hoje, para além de celebrar na minha terra natal a festa de Nossa Senhora da Assunção, padroeira da paróquia, fui celebrar à paróquia vizinha das Lages a Festa do Senhor dos Milagres.
Soa um pouco estranho celebrar neste dia da Assunção, neste dia de festa mariana, uma festa cristológica, ou melhor, uma festa de invocação cristológica; mas a verdade é que as festas marianas só têm sentido e podem ser celebradas na medida em que estão dependentes relacionalmente do mistério de Jesus Cristo, pelo que celebrar o Senhor dos Milagres neste dia não é estranho, assumindo que a Assunção de Maria é mais um dos milagres, dos muitos milagres do Senhor nosso Deus.
Assim, pelas quatro horas da tarde presidi à celebração da Eucaristia, animada pela banda de música de Santa Marinha, uma outra povoação vizinha. No final e como é tradição saiu a procissão com os andores, o do Senhor dos Milagres, o da Nossa Senhora da Boa Viagem, o de São José e o de São Domingos, pois ele é o patrono da paróquia. O calor da tarde apertava mas o pálio permitia uma sombra que era agradável e facilitava o caminhar do percurso da procissão.
Ao noticiar estas minhas andanças do dia de hoje, e de modo particular esta celebração, é porque também ela me traz à memória algumas recordações, uma realidade memorável da minha infância e que hoje não encontrei no final da procissão e festa.
Recordo-me que quando em miúdo ia com os meus pais a esta festa, fazíamos a romaria, havia sempre no final alguém a vender melões e melancias. Recordo-me de como a frescura da melancia cortava o calor da tarde de Agosto que sempre se fazia sentir como hoje uma vez mais senti. Só que desta vez não havia ninguém a vender melões nem melancias e por isso a tarde foi mais quente. Senti saudades daquelas melancias e da sua frescura.
Eram assim as festas, simples e sem pretensões. Hoje encontramos muitas bebidas, muitos comes e bebes, mas nada nos marca a memória pois é tudo tão corrente com o habitual do dia e dia. Faz-nos falta a diferença, a surpresa, o contraste, para depois podermos recordar e até sentir saudades.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    A partilha (ilustrada com uma bela e apropriada natureza morta) de hoje, como sempre, é bem acolhida por todos e fez-me sorrir. Em férias, não deixa de desempenhar a missão que abraçou. Por cá, vamos sentindo a falta dos ausentes (talvez por egoísmo).
    É como o Frei José Carlos diz ...” celebrar o Senhor dos Milagres neste dia não é estranho, assumindo que a Assunção de Maria é mais um dos milagres, dos muitos milagres do Senhor nosso Deus.”
    A descrição que faz trouxe-me uma recordação quase inexistente em Lisboa, à excepção de alguns bairros, a “procissão”. Mas não é preciso falar de Lisboa, na minha terra (sou do Sul de um lugar situado na foz de um rio, fronteira com Espanha), como em muitos outros lugares, a saída ou não das várias procissões tornou-se motivo de discórdia com a paróquia. As procissões desapareceram. Com que desvelo preparávamos as arcadas das janelas com as mais belas colchas, para em oração esperarmos a passagem da procissão ou nela participarmos … Afinal se podemos orar junto de qualquer altar qual é o significado da “procissão” para nós, para o povo? É somente uma manifestação pública da fé, do culto? Qual é o significado teológico da procissão? Porque razão a Igreja tem assumido posições tão diferentes da vontade dos cristãos?
    E como também nos afastamos da simplicidade do convívio, como nos aculturámos. Hoje tudo nos cansa, nos enche de tédio, inventamos o diabólico se for preciso, para sentir satisfação. … “Faz-nos falta a diferença, a surpresa, o contraste, para depois podermos recordar e até sentir saudades.”
    Obrigada pela partilha. Continuação de boas férias, Frei José carlos.
    Um abraço fraterno, MJS

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  2. Boa noite Frei José Carlos,
    Este seu texto e o anterior vivem das memórias do que era bom em partilha e solidaridade e da saudade das coisas simples e sem pretensões que lhe marcaram a infância.Comungo dos seus sentimentos. Para alguns, porém, é já remota a possibilidade de pisar o solo que os viu nascer e crescer, mesmo impossível colocar no palco da vida os personagens com quem se partilharam experiências marcantes. Desço à realidade e dou então comigo a olhar para os mais velhos na cena da vaga de destruição laranja e a tentar perceber como vão superar a perda de vidas e do essencial com que sobreviviam e de que se viram privados num ápice.Esta massa animada de que somos feitos vai ser alvo das chamas da angústia, da saudade, da revolta, da solidão... Que tenham a força de elevar o coração e o pensamento para o alto, crentes de que daí lhes virá o lenitivo para tanto sofrimento.E é também por isso que oferecerei as minhas orações.
    GVA

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