Quando no decurso da
última ceia com os discípulos Jesus anuncia que um dos presentes o vai entregar
às mãos dos inimigos, cada um deles, no seu interior, coloca em pânico a
questão, “serei eu?”
Os discípulos são
conscientes da sua falta de amor, das invejas existentes, do ciúme que sentem
uns pelos outros, são conscientes de não terem entendido muito bem os
ensinamentos do Mestre e de algumas vezes lhes ter passado pela cabeça a ideia
de voltar ao sossego da sua vida anterior. Mas, dessas fraquezas e
incompreensões até ao desejo de o entregar para ser condenado ia uma grande
distância, jamais se tinham colocado essa possibilidade.
Judas ousa colocar a
questão, verbalizar o que todos pensavam no íntimo do coração, e dessa forma
assume a possibilidade que mais nenhum tinha jamais pensado. Ele tinha-o
pensado, tinha-o até já falado, ou melhor, negociado, faltava apenas o momento
oportuno para o levar a cabo.
Judas como os outros
discípulos foi escolhido por Jesus, era um dos que partilhava a sua intimidade.
Tal como cada um de nós, tinha sido eleito desde a criação do mundo para ser
santo e imaculado na presença do Senhor, como nos recorda a Carta de São Paulo
aos Efésios.
E ainda que nos pareça
completamente descabido, aquele que vai ser o traidor, Judas, era amado por
Jesus, era um dos seus. É um abismo paradoxal face ao qual nos encontramos,
Deus não pode mais que amar aquele que o vai trair.
É por essa razão que
no momento da ceia lhe estende o pedaço de pão molhado no seu prato. Tal como
hoje, também naquele tempo era aos mais próximos que se estendia o pão, era com
eles que se partilhava o pão. Ao entregar-lhe o pedaço de pão, Jesus oferece a
sua amizade a Judas, sela com ele um pacto, renova-lhe a participação no seu
mistério já expressa nos lavar dos pés.
Então Judas sai, e faz-se
noite, as trevas adensam-se, porque o amado na entrega do pedaço de pão conduz aos
infernos da traição aquele que o alimentou e o serviu. Judas leva-o consigo, em
si, ainda que nem tenha consciência disso. Em algum momento terá pensado que
naquele pedaço de pão foi configurado ao seu Mestre e Senhor? Que no seu
desastre de vida não deixa de ser sua imagem e semelhança?
Mais tarde na oração
dirigida ao Pai, Jesus não deixa de manifestar a dor pela perdição de Judas,
pois vigiou para que nenhum se perdesse, e nenhum se perdeu a não ser o filho
da perdição, e para que se cumprisse a Escritura.
Face ao relato da
traição de Judas, a fé é a única resposta possível, a única saída viável, pois
foi a fé que faltou a Judas que o levou à traição e posteriormente a colocar
fim à sua vida. Se Judas tivesse acreditado que nada estava perdido quando
entregou o Mestre, que bastaria um olhar para tudo ser diferente, deixar-se
olhar pelos olhos amorosos de Jesus.
E se o olhar já não
fosse possível, bastaria acreditar na palavra, acreditar que naquele mesmo instante
era por ele, mais que por qualquer outro que Jesus se entregava nas mãos dos
verdugos. Aquele que tinha vindo para salvar o que estava perdido, estava a
salvá-lo a ele.
Teremos nós hoje esta fé,
esta esperança, acreditaremos que o Senhor nos salva porque nos perdemos? Quando
é que na nossa perdição ou desaire ousaremos levantar os olhos e cruzá-los com
o olhar amante de Jesus?
“Judas Iscariotes”, de Eilif Peterssen, Nordnorsk Kunstmuseum, Tromso, Noruega.
Obrigada,Frei José Carlos por ter partilhado connosco esta profunda Meditação,gostei muito.Ajuda-nos a reflectir mais profundamente e a estarmos mais unidas a Jesus na sua Paixão.Que o Senhor o proteja e abençoe.Um abraço fraterno.
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