Ao iniciar o seu
Evangelho, São Lucas diz a Teófilo, aquele para quem escreve, que procurou
informar-se de tudo para que a sua doutrina, o conhecimento de Jesus que tinha
recebido, fosse sólido.
É nesta busca de
solidez da doutrina que encontramos o episódio dos discípulos de Emaús, um
acontecimento que podemos considerar histórico, e que nos revela muito do que
foi o dia da ressurreição de Jesus para os discípulos. As circunstâncias do
encontro, o diálogo, o desenlace final, mostram-nos a diversidade de experiências,
mas igualmente o mistério único de que foram participantes.
Ao afastarem-se de
Jerusalém os discípulos manifestam a desilusão que os tinha alcançado, a frustração
das expectativas, eles que tinham vivido com Jesus durante três anos e tinham
acalentado expectativas de libertação. Eles que tinham testemunhado palavras e
obras grandes diante de Deus e dos homens esperavam outro fim.
Nesta frustração podemos
rever-nos cada um de nós, podemos considerar que somos irmãos dos discípulos de
Emaús, que caminhamos com eles, pois também algumas vezes nos afastamos de Deus
quando ele não responde ou corresponde às nossas expectativas, aos nossos
planos e projectos.
Há em cada um de nós
um pouco de Tomé, que fica junto do grupo, na expectativa, e apesar das suas
interrogações e desejos de ver e tocar, e um pouco de Cléofas e do companheiro,
que se afastam, apesar do conhecimento, das notícias e testemunhos dos outros, que
os deveria fazer permanecer.
Mas em cada uma das
situações há algo maravilhoso da parte de Deus, de Jesus ressuscitado, que não
se impõe, nem condena, que não apressa a fé, bem pelo contrário faz-se presente
suavemente e deixa que o tempo e a sua presença revolvam as dúvidas e as frustrações.
Jesus deixa tempo aos seus discípulos para que apreendam o mistério, para que
compreendam, para que se possam situar face aos acontecimentos.
A explicação que Jesus
dá aos discípulos enquanto caminham é sintomática desta, poderíamos dizer,
paciência e pedagogia de Jesus. Ele não força nada, não se impõe, mas deixa a
liberdade a cada um para na sua circunstância, na sua história, fazer a
descoberta do seu mistério e da sua presença. Desta forma a alegria do encontro
da presença é muito maior, poderíamos dizer, concede algum mérito àquele que
descobre.
A liberdade que Jesus
nos concede no caminhar ao encontro da sua presença está no entanto vinculada a
uma disposição, a uma outra atitude, patente no convite dos discípulos a que
Jesus fique com eles. Para um verdadeiro e pleno encontro com Jesus
ressuscitado não podemos deixar de ter o coração aberto, essa disposição para o
acolher, mesmo quando parece que ele quer ir mais além. Necessitamos dizer-lhe
que fique connosco, que venha habitar no nosso coração, fazer de nós habitação
tua. Por diversas vezes e em textos bíblicos diferentes há referência a essa
necessidade do acolhimento, da disposição para Deus para que ele venha ao nosso
encontro.
E paradoxalmente, no
relato dos discípulos de Emaús, é quando Jesus desaparece depois de abençoar e
partir o pão que os discípulos o reconhecem e percebem o ardor que sentiam no
coração enquanto o escutavam no caminho. Este paradoxo visa mostrar a Teófilo,
para quem São Lucas escreve, que não podia ter a pretensão do conhecimento total
de Jesus, da apropriação da sua pessoa e da sua história.
Jesus ressuscitado é
um mistério de presença e ausência, uma presença na palavra e no pão, no
acolhimento e no encontro, mas igualmente uma ausência porque está para além da
materialidade das realidades de que se serve para manifestar a sua presença. É nesta
tensão que os discípulos são convidados a viver, a dar o seu testemunho.
Também hoje nos é possibilitado
fazer a mesma experiência dos discípulos de Emaús, também hoje temos à nossa
disposição a Palavra, as Sagradas Escrituras, também hoje o mesmo pão continua
a ser abençoado e partido na Eucaristia, e também hoje nos reunimos e acolhemos
na expectativa da presença do Senhor nesta celebração dominical.
Necessitamos assim
colocar a questão do ardor do nosso coração, da alegria que vivemos, dos passos
que damos para ir ao encontro dos nossos irmãos para lhes comunicar que afinal
é verdade que Jesus ressuscitou. Apesar das nossas fraquezas estamos de facto
convictos da experiência que vivemos da presença de Jesus? Acreditamos e
esperamos em Deus por Jesus ressuscitado?
Como nos recorda a
leitura da Carta de São Pedro, não foi por coisas corruptíveis que fomos
resgatados da vã maneira de viver, mas pelo sangue de Cristo, e se tal
aconteceu foi para que acreditássemos, para que a nossa fé e a nossa esperança
fossem alicerçadas verdadeiramente em Deus.
Procuremos pois viver
com alegria e confiança o mistério da presença de Jesus ressuscitado, e com
ardor e esperança testemunhá-lo aos nossos irmãos pela caridade e a fraternidade
que nos devemos.
1 – “Encontro na estrada de Emaús”, de Altobello Melone, National Gallery, Londres.
2 – “Ceia em Emaús”, de Andrey Mironov.
Grata,pela maravilhosa partilha da Homilia do III Domingo da Páscoa,profunda e rica de sentido para todos nós.Beleza de Meditação,gostei muito.Obrigada,Frei José Carlos pela sua generosidade,em nos ajudar a reflectir mais profundamente o Mistério da Ressurreição do Senhor,bem-haja.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Desejo-lhe uma boa semana deste tempo pascal.
ResponderEliminarUm abraço fraterno.
AD